Escritor brasiliense lança livro sobre uma Brasília marcada pela violência
“Vale o que tá escrito” é o primeiro livro de Dan
Postado em 21/05/2024
Dan tinha 12 anos e morava em um quitinete com os pais. Quando tinha algum momento sozinho, encontrava refúgio na escrita. Hoje tem 37, e ano passado teve o seu primeiro livro lançado, “Vale o que tá escrito”, uma ficção sobre um Brasil cruel e violento. Um faroeste policial brasiliense que se passa no Núcleo Bandeirante e que encantou escritores famosos como Paulo Lins e Michel Laub.
A história é sobre Danylton, que sem propósito de vida encontra um porto seguro na escrita depois da esposa sair de casa. Ele começa a escrever um livro a partir de uma investigação para descobrir a verdade, ou, pelo menos, o que parece ser a verdade sobre Lilico, um cara tido como morto mas que ele vê em carne e osso.
Assim, a narrativa transcorre em meio às relações sociais que mostram Brasília na sua mais crua forma, uma cidade brasileira com violência e preconceitos que permeiam e moldam a vida de milhares de pessoas. E algumas delas são as personagens do “Vale o que tá escrito”. Em uma conversa descontraída, o autor fala mais sobre o seu livro de estreia.
“Vale o que tá escrito” foi lançado em junho de 2023. O livro pode ser comprado na Amazon. Foto: Clara Montenegro
Em “Vale o que tá escrito”, o personagem principal escreve um livro. O Danylton é inspirado em você? E ao longo da leitura, o leitor é avisado que não dá pra confiar 100% na história que está sendo contada pelo protagonista. Por que?
Essa é uma literatura que vem sendo chamada de autoficção. São histórias inventadas, que têm um objetivo de criar essa dúvida no leitor, se é um livro de ficção mesmo. Só que tem um personagem no livro que se parece com o escritor e esse é um jeito que para mim me interessava para gerar justamente essa curiosidade na cabeça dos leitores, para que as pessoas ficassem pensando assim: Será que isso aconteceu? Será que isso não aconteceu? O que será que aconteceu aqui? O que não aconteceu? O meu objetivo era mais criar essa dúvida. Eu não queria dar uma certeza assim, quero que as pessoas fiquem com essa pulga atrás da orelha. E é por isso que o livro tem esse nome “Vale o que tá escrito”.
Ao ler o livro a gente percebe muitas coisas relacionadas à violência, principalmente a policial. Está no nosso dia a dia e a gente mal percebe dependendo de onde estivermos. Qual foi o motivo de trazer à tona essa temática?
Eu sempre me choquei com a violência, sendo brasileiro e brasiliense. Ela é tão presente na nossa vida e a gente vai meio que se acostumando. A naturalização da violência é uma coisa terrível, por isso quis trazer isso nesse livro. Ela infelizmente ordena todas as nossas relações sociais, está presente em tudo. É quando o marido bate na mulher, o policial bate no adolescente, o cara bate no seu carro e você fica com medo de descer porque ele pode ser um cara violento. Essa violência cotidiana, espraiada, que está em todos os momentos da nossa vida assim, me interessa. O maior traço cultural do nosso país é essa onipresença da violência. Como se diz na Internet, isso representa o Brasil mais do que o samba e o futebol.
Você teve alguma inspiração para o livro?
Sim, mas eu acho que não objetivamente. Foi mais difusa. Essa coisa da inspiração é muito doida, não sabemos direito o que inspira a gente. Pelo menos comigo, as coisas que aconteceram na minha vida me inspiram, mas os filmes que eu vi também, assim como as histórias que eu ouvi. Não tem muita compartimentação. Eu conheci pessoas que ficaram presas injustamente e justamente, pessoas que desapareceram. Não é só um acontecimento real sempre inspirando o livro, às vezes uma ficção inspira mais do que a realidade. Depois que o livro foi publicado, eu revi o filme “Slippers”, que amava na adolescência, e percebi a semelhança com o meu livro. Então, eu tenho inspirações da vida real, histórias de violência que eu conheço, mas tem as que eu vi no jornal, nos filmes. Acho que junta tudo.
O uso de poucos pontos finais, de duas fontes diferentes e até o tamanho diferente da letra é algo interessante e perceptível ao longo do livro. Teve um motivo para isso acontecer?
Isso acontece mais nas partes do policial Boamorte, que é um personagem muito mau e muito verborrágico. Quando estava escrevendo essa parte, as coisas saiam rápido, elas fluíam, era como se fosse uma profusão de “escrotidão”. E eu decidi seguir com isso na pontuação também, respeitando a forma como estava chegando para mim a história e tentando não atrapalhar isso com a pontuação. No caso dele, eu queria que fosse um personagem que tivesse vomitando maldades o tempo todo, fluxo contínuo, como uma cachoeira do inferno. Teve uma inspiração também de alguns autores que escrevem dessa forma, com mais vírgula do que ponto final. Na pandemia, eu li um livro chamado “Asco”, de um autor chamado Moya, nascido em Honduras. Ele tinha um pouco essa forma de escrever que é muito “só ir”, não terminava. Por isso, olhando depois, eu acho que isso me influenciou. Foi preciso essa coisa da velocidade e desse fluxo contínuo da maldade. Mas eu não pensei muito nisso antes de fazer o livro, não foram coisas decididas a priori, como outros escritores, foi algo que aconteceu.
Como foi ter o Paulo Lins, que escreveu Cidade de Deus, falando do seu livro? O Michel Laub também foi um que elogiou o livro, como que foi para você?
Eu fiquei super feliz, achei incrível, uma honra mesmo, pois são dois escritores que eu gosto muito. Tem um momento na feitura do livro, quando o livro já está pronto, que você conversa com sua editora para decidir essas coisas. Isso é a parte do marketing do livro, o texto da quarta capa e o da orelha. Nesse período, a minha editora me perguntou quem eu achava legal para fazer isso, e eu falei que se pudesse escolher qualquer um seria o Paulo Lins, com certeza. Mas eu não imaginei que fosse dar certo assim, mas acabou que aconteceu. Já o Michel Laub fez um dos livros brasileiros que eu mais gosto, “Diário da Queda” e o Paulo Lins fez “Cidade de Deus”, que com certeza é uma das influências mais importantes da minha vida. O filme, eu vi cinco vezes no cinema, e eu acho que o meu livro de certa forma não existiria se não existisse Cidade de Deus também, ele é um predecessor do meu livro.