Aquecimento global é a principal causa da morte dos recifes de corais

As populações de recifes de corais podem se extinguir por conta de diversos fatores como o aquecimento global, a acidificação dos oceanos, a sobrepesca, o turismo e a poluição

Yasmim Valois

Postado em 10/05/2022

Os corais ocupam 0,2% do assoalho oceânico, mas o aumento das ondas de calor está colocando esse ecossistema em risco. Esses organismos hospedam 25% de toda a biodiversidade do oceano, e justamente por isso são essenciais para a sobrevivência de espécies marinhas, além de serem importantes por diversos outros fatores como a proteção costeira, a segurança alimentar e econômica de centenas de milhões de pessoas. O aquecimento global vem sendo o causador de diversos desastres no meio ambiente há muitos anos, e isso interfere diretamente na vida de todos os seres vivos ocupantes do planeta.  

Segundo uma análise feita por cientistas da  National Centers for Environmental Information  (NCEI) da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), 2021 ficou em sexto lugar na lista dos anos mais quentes já registrados desde 1880. A temperatura média da superfície terrestre e oceânica da Terra em 2021 foi de 0,84°C acima da média do século XX. Cientistas da National Aeronautics and Space Administration (NASA) fizeram uma análise semelhante a essa e determinaram que 2021 foi o sexto ano mais quente já registrado, empatado com 2018.

 O mar absorve a maior parte desses aumentos na temperatura, justamente por conta do calor retido na atmosfera e é armazenado nos oceanos. Se não fosse ele, o planeta já teria chegado a mais de 50°C, porém isso afeta diretamente a temperatura e o fluxo da água.  

Vulnerabilidade

O relatório de 2020 produzido pela Rede Global de Monitoramento de Recifes de Coral (GCRMN) afirma que o aumento da temperatura da superfície do mar já provocou a perda de 14% dos corais desde 2009. De acordo com o relatório, os recifes de corais em todo o mundo estão sob o stress implacável do aquecimento causado tanto pelas alterações climáticas quanto por pressões locais como a pesca excessiva, o desenvolvimento costeiro insustentável e o declínio da qualidade da água. 

Essas ondas de calor provocam um efeito nos corais, conhecido como branqueamento, de acordo com o professor titular do Instituto Oceanográfico da USP (IO-USP), Alexander Turra. “Esse fenômeno ocorre pela rejeição das microalgas, chamadas de zooxantelas, que vivem em simbiose com os corais. Esses organismos unicelulares fazem fotossíntese e contribuem para a nutrição do coral, o que é muito importante para o recife como um todo. Diante da eliminação dessas microalgas, ele fica branco, justamente, pela perda desses simbiontes, e pela redução no conteúdo de clorofila. As zooxantelas possuem pigmentos capazes de capturar a luz do sol e assim fazem a fotossíntese ”, explica o biólogo. 

As ondas de calor geram danos no aparato fotossintético das zooxantelas, e a partir disso, elas passam a liberar grandes quantidades de espécies reativas de oxigênio que vão se difundem para otecido do coral hospedeiro, e como uma forma de se defesa diante desse estressor ele expulsa essas zooxantelas para erradicar essa fonte geradora de espécies reativas de oxigênio, explica detalhadamente o professor do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da USP e pesquisador associado do Projeto Coral Vivo, Samuel Faria.

Até 98% da energia dos fotossintatos produzidos pela fotossíntese são translocados ao coral, explica o especialista,  Samuel Faria. “Graças à simbiose com essas zooxantelas, os corais são animais que conseguem viver em regiões com escassa quantidade de alimentos, e isso justifica a ocupação  por recifes de coral em locais isolados, onde as águas são muito pobres em nutrientes”, afirma o especialista.

Complexidade e importância 

Apesar de muitas pessoas acharem que os corais são plantas ou pedras, ele é um animal, explica o  Professor e pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), Miguel Mies. “Os corais são umas das formas mais simples de animais, eles são compostos apenas por dois tecidos, muito diferente de nós humanos que temos três tecidos na nossa composição, por exemplo. O esqueleto deles é composto por carbonato de cálcio branco e é encoberto por uma camada de tecido mole”, explica. 

O também coordenador de pesquisa do Projeto Coral Vivo ressalta que a importância desse organismo é tremenda por diversos fatores. “A estrutura dos recifes de corais é tridimensional, os corais constroem essa estrutura feita de vários corais através dos esqueletos compostos por carbonato de cálcio. Esses recifes têm muitos nichos, habitats e condições diferentes, e esses fatores colaboram para o desenvolvimento de uma diversidade elevada, justamente por isso eles abrigam vários organismos e 25% da diversidade marinha”, ressalta o especialista.

Além da importância biológica, é importante frisar a importância socioeconômica que os corais carregam por ter uma grande biodiversidade, esse ecossistema abriga muitas espécies de peixes e acaba fornecendo tanto alimento quanto uma forma de renda para os pescadores. Existe também o fator do turismo que é muito atrativo, e gera um comércio local muito grande, com passeios de barco e mergulhos. Outro fator de extrema importância é o valor biotecnológico. Diversos compostos farmacêuticos são extraídos dos corais e sintetizados em laboratório, um exemplo disso são alguns remédios para o tratamento de câncer que tem componentes retirados de corais.

Ambos os especialistas salientam que os recifes têm uma importância fundamental quanto à proteção costeira. “Pelos recifes serem uma barreira submersa, o papel deles é essencial. Quando ocorre uma tempestade em direção à costa, essa barreira desempenha um papel na proteção contra a erosão. A energia das ondas se dissipa quando elas chegam até os recifes de corais e, com isso, o impacto que chegaria até a área costeira é diminuído”, salientam os especialistas.

Preservação

Hoje os principais estressores que os recifes de coral enfrentam são o aquecimento global, a acidificação dos oceanos, a sobrepesca, o turismo e a poluição. O especialista Alexander Turra afirma que as duas ações principais para combater a perda dos corais é cessar as mudanças do clima. “Isso é fundamental e vai ser benéfico não só pros corais, mas para a sociedade como um todo. Então é importantíssimo que os países  apoiem o acordo do clima e coloquem em prática as decisões pactuadas de redução das emissões”, afirma o professor.

Já a pesca e o turismo são fatores de preocupação quando não regulamentados e seguidos da forma correta, esclarece Miguel Mies. “A pesca e o turismo podem ser descritos como aquela velha história da faca de dois gumes. Eles são muito bons e geram renda de maneira sustentável, só que caso isso passe de certos limites, eles começam a fazer mal para os recifes e geram uma série de problemas. Então tudo isso precisa acontecer respeitando o recife”, esclarece.

O papel das universidades é essencial para essa preservação também, ressalta Samuel Faria. “Popularizar a ciência, e torná-la acessível para as pessoas é muito importante. Com isso, elas poderão entender diversos fatores como: o que é um recife, como o recife funciona, quais são os impactos negativos que a nossa ação pode provocar neles. E isso acaba gerando uma consciência maior”, ressalta o especialista.