Doulas auxiliam no parto humanizado; conheça a profissão

Doulas são profissionais que dão apoio emocional e psicológico às mulheres durante a gestação, parto e pós-parto.

Reportagem especial

Postado em 23/05/2022

A palavra doula significa “mulher que serve”. Crédito: Pedro Ventura/Agência Brasília

A palavra doula vem do grego e significa “mulher que serve”. Essas profissionais são responsáveis por dar apoio emocional e psicológico às mulheres no período de gestação, parto e pós-parto. De acordo com os pesquisadores Klaus e Kennel, a presença de doulas auxilia em uma experiência de parto mais humanizada. Os autores constataram redução no número de cesarianas e do uso de analgesia peridural, além da diminuição do tempo do trabalho de parto.

Em março deste ano, o Senado aprovou um projeto de lei que regulamenta a profissão de doula. O projeto, de autoria da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), prevê que as mulheres que atuam por mais de 3 anos podem exercer a profissão. Nos outros casos, é exigido ensino médio completo e curso técnico de doulagem. A senadora destacou que o ofício é recomendado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para Marilda Castro, doula e educadora perinatal, a importância do trabalho dessas profissionais está no fato de que elas ocupam um espaço de atenção integral à mulher. “O foco da doula é na grávida”, resume a profissional, que também é presidente da Associação de Doulas do Distrito Federal e Entorno. Ainda de acordo com Marilda, a relação entre a doula, familiares e a equipe médica costuma ser tranquila. “Nossa posição é de profissional, apesar de ter ainda uma dificuldade de entendimento das pessoas sobre o papel da doula. Não podemos nos confundir com família ou qualquer outro profissional”, afirma.

Dados da pesquisa Nascer no Brasil apontam que 45% das mulheres gestantes atendidas pelo SUS são vítimas de maus-tratos. O levantamento foi realizado entre 2011 e 2012 pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-Fiocruz) e é o maior estudo acerca de nascimentos no Brasil até então. Ainda segundo a pesquisa, a chance de parir sem intervenções médicas no país é de apenas 5%. Além disso, um estudo da Fiocruz revela que uma a cada quatro mães de recém-nascidos no país têm depressão.

De acordo com Lucila Nagata, médica ginecologista e obstetra, “a literatura existente e a chamada medicina baseada em evidências mostra que a presença de um acompanhante da confiança da paciente em trabalho de parto ajuda e muito neste processo, no sentido de se sentir segura, amparada e com alguém lhe dando palavras de conforto e ajudando a superar alguma dificuldade que possa surgir”.

A médica afirma que já presenciou desentendimento entre doula e equipe médica, por isso destaca que é necessário haver diálogo. “Geralmente, quando não conheço a profissional que vai trabalhar junto comigo e com a paciente, peço para que nas últimas consultas a paciente traga a doula que contratou para conhecer e para acertamos como iremos trabalhar e colocar os limites de onde começa o meu trabalho e o dela”, explica.

“Para mudar o mundo, primeiro é preciso mudar a forma de nascer”. A frase é do médico francês Michel Odent e inspirou Camila Martins a entrar nesse ramo. Para ela, ter tido uma doula durante o trabalho de parto foi essencial para que se sentisse segura e que procedimentos cirúrgicos desnecessários fossem evitados. Camila, que atuava como jornalista, diz que a doulagem é fundamental no bem-estar das mulheres. “Ser doula para mim é um auxílio que eu dou para a saúde pública”, declara.

Fisiologia do parto, puerpério, amamentação até 40 dias, emergências obstétricas e educação perinatal são alguns dos principais pilares para a formação de uma doula, a fim de que ela possa prestar o devido apoio às gestantes, parturientes e puérperas. “A assistência não faz parte do trabalho das doulas, o que as diferenciam das parteiras”, ressalta Marilda Castro. Ainda nesse sentido, Camila Martins enfatiza que as funções de qualidade técnica do parto não são atribuições dessas profissionais. “Ela não pode ficar responsável por auscultar o coração do bebê, fazer exame de toque ou administrar medicamentos”, elenca.

No Distrito Federal, o Estatuto do Parto Humanizado (Lei nº 5.534/2015) e a Portaria nº 868 asseguram que as mulheres podem ter a presença de uma doula e acompanhante se desejarem. No entanto, esse direito por vezes é negado, tendo que fazer a escolha entre um ou outro. “Muitas vezes nos hospitais do SUS, as mulheres têm que tentar no Ministério Público por meio de liminar para que isso seja possível”, critica Camila.

Taxas de cesarianas continuam aumentando

A comunidade médica internacional, desde 1985, considera que a taxa ideal de cesáreas seria entre 10% e 15%. No entanto, dados da OMS mostram que a taxa de cesarianas continua crescendo, correspondendo a 21% dos partos. Até 2030, o número pode chegar a 29%. Camila Martins afirma que as doulas não são contra a realização de cesáreas, mas defendem que sejam feitas apenas se forem realmente necessárias.

A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) esclarece que situações de parto prolongado ou obstruído e sofrimento fetal são um dos motivos em que a cesárea é necessária. No entanto, os procedimentos cirúrgicos eletivos podem trazer riscos para a mãe e para o bebê. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) apontam que hemorragias, complicações respiratórias, dificuldades para amamentar e infecções puerperais são alguns dos impactos que cesarianas sem necessidade podem causar.

“Como doula, o meu principal papel é informar as mulheres para que façam as melhoras escolhas, indicando hospitais que tenham as melhores práticas e obstetras que não vão levá-las a uma cesariana desnecessária, isso é o que chamamos de educação perinatal”, conta Camila Martins. “Doulas não são psicólogas, mas temos ferramentas e estratégias voltadas ao parto para ajudar as mulheres a lidarem com o medo e ansiedade”, complementa.

Crédito: Mariana Raphael/Arquivo-SES

Nova Cartilha da Gestante

No dia 4 de maio, o Ministério da Saúde lançou a sexta edição da Caderneta da Gestante. A nova cartilha repercutiu negativamente entre especialistas e parlamentares, pois traz à tona conceitos polêmicos e já superados acerca do trabalho de parto. O documento trouxe orientações em favor da amamentação como método contraceptivo, cesáreas eletivas, episiotomia (corte no períneo) e a manobra de Kristeller – que pressiona o útero da mulher para acelerar o parto.

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) publicou uma nota em que avalia a cartilha como um retrocesso. “Recomendamos que o material seja recolhido e reelaborado, de acordo com as evidências científicas disponíveis. As mulheres brasileiras têm assegurado o direito de recusar intervenções que violem sua integridade. Relativizar violência obstétrica é um retrocesso para a assistência ao parto no Brasil e não contribui para a melhoria dos indicadores de assistência materno-infantil”, diz a nota. A deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) também se manifestou contrária às orientações. “É um absurdo que a violência obstétrica seja institucionalizada e métodos abusivos virem padrões”, defendeu a deputada em postagem nas redes sociais.