Mariana Filizola: “educação midiática deve ser ensinada desde a infância”
Coordenadora-geral de Educação Midiática na Secom da Presidência da República comenta sobre algoritmos, pensamento crítico, checagem de fatos e enfatiza compromisso do governo na formação de professores e profissionais da saúde nesse tema até 2026
Postado em 11/06/2024
Em um mundo cada vez mais digitalizado, onde a informação se propaga à velocidade da luz, como diferenciar fatos de opiniões? Como produzir e compartilhar mensagens com responsabilidade? É nesse contexto que converso com Mariana Filizola, xoordenadora-Geral de educação midiática da Secretaria de Políticas Digitais, que faz parte da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República.
Mariana destacou a importância de iniciar a educação midiática desde cedo, dada a crescente interação das crianças com os meios digitais, discutiu a relevância de desenvolver consciência crítica sobre algoritmos e a necessidade de verificação de fatos para combater a desinformação, e enfatizou o compromisso do governo com a formação de professores e profissionais de saúde na área da educação midiática até 2026.
Qual seria a idade ideal para começar a aprender sobre educação midiática?
Acho que não existe uma idade ideal, mas é importante que a gente tenha em mente que a partir do momento em que começamos a interagir com os meios digitais e com o [meio] informacional, precisamos conhecer aquilo [com] que estamos lidando.
Hoje em dia, a mídia não se trata mais só da televisão, rádio ou revista. Ela está dividida em muitos segmentos. Como trabalhar essa fragmentação? É possível?
É realmente um desafio. Essas barreiras são muito difíceis de conseguir enxergar. Um conceito que a gente tem usado muito para conseguir ter o entendimento desse ecossistema de forma mais ampla é a noção de integridade da informação. O que é isso? Você entender que todo mundo tem direito a acessar informações íntegras e confiáveis. Isso envolve tanto a atenção na regulação das plataformas quanto o fortalecimento do jornalismo.
Como superar a desigualdade socioeconômica pensando na educação midiática?
Bom, isso é um desafio que perpassa várias áreas. Quando a gente fala na educação, por exemplo, você consegue ver que é muito difícil achar que tem um público homogêneo, quando você tem escolas no Brasil que têm um nível de conectividade x e outras que nem têm conectividade. Isso mostra pra gente como existe uma disparidade social muito grande. Então não dá pra gente achar que vai ter uma solução específica em relação à educação midiática quando esses problemas são muito estruturais também. A nossa estratégia foi de criar uma política não só de educação midiática, mas de integrar nas políticas que o MEC (Ministério da Educação) já tem e que já levam em consideração esses desafios territoriais, como, por exemplo, o programa Escola em Tempo Integral.
Por causa dos algoritmos, os conteúdos apresentados de pessoa pra pessoa variam completamente. De que forma a educação midiática pode driblar os algoritmos?
O objetivo da educação midiática não é mexer nessa lógica, mas de ajudar as pessoas para que elas tenham uma consciência crítica em relação a como essa lógica funciona. Então, o próprio fato de você, Estefania, saber que o conteúdo que você recebe quando procura chocolate, por exemplo, é diferente do que eu recebo, já demonstra que você tem um nível de literacia [alfabetismo] midiática. Nosso objetivo é esse, [fazer com] que as pessoas entendam como funcionam esses algoritmos e tenham essa alfabetização.
De que maneira a educação midiática poderia amenizar o alcance das desinformações em situações como a do Rio Grande do Sul?
Quando você recebe uma informação, antes de você passar ela adiante, você verifica, você vai atrás para ver de onde ela veio, quem produziu, se existe uma outra informação similar àquela produzida de forma jornalística e confiável. Ter essa análise crítica em relação ao que você recebe é essencial para que você não seja vítima dessa desinformação.
Dentro da pauta da educação midiática, tem algo que mais preocupa o governo?
Sim, com certeza. Só que é válido dizer que a gente não está [trabalhando] numa lógica de qual é o principal problema, e sim de qual pode ser a solução com maior alcance. E aí, nesse sentido, a nossa prioridade é a formação de professores, porque a gente entende que os professores são os principais multiplicadores desse entendimento em sala de aula. A gente tem esse compromisso de formar 300 mil educadores em educação midiática e também 400 mil profissionais de saúde.
Na Estratégia Brasileira de Comunicação Midiática (Ebem), lançada pela Secom em outubro de 2023, é usado o termo “soberania digital”. O que seria essa soberania digital, na perspectiva do governo, e o que a Secom tem feito para alcançar esse objetivo?
A soberania digital diz respeito à nossa capacidade de acessar e utilizar a internet de forma autônoma, enquanto preservamos nossos direitos e deveres. Pensar na soberania digital é compreender que tanto indivíduos quanto a sociedade como um todo têm direito à informação e à liberdade de expressão.
Já se passaram mais de seis meses desde a publicação da primeira Ebem. Em que pé você diria que estamos?
Uma das nossas grandes conquistas foi estruturar essa articulação com o Ministério da Educação. Recentemente, lançamos o primeiro grupo de cursos dentro de uma coletânea de educação midiática para a formação de professores, que é o principal eixo da Ebem. Até a semana passada, tínhamos cerca de 2.100 professores inscritos nos três primeiros cursos de educação midiática na plataforma do MEC. Esse número ainda é pequeno comparado aos 300 mil que precisamos formar em quatro anos, mas significativo. Além disso, outro progresso que demonstra a importância dessa articulação é o programa Escola em Tempo Integral, sobre o qual comentei anteriormente. Junto com parceiros da sociedade civil, criamos um conjunto de diretrizes técnicas e pedagógicas para orientar gestores, diretores e professores sobre como implementar essa iniciativa nas escolas. Por último, mas não menos importante, tivemos um avanço no edital do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), que distribui livros didáticos para escolas de todo o Brasil. Pela primeira vez, o edital do PNLD inclui um eixo de educação midiática. Os próximos livros destinados ao ensino de jovens e adultos deverão contemplar esse tema.
Na Ebem também tinha algo sobre a necessidade de já ser feita uma nova Ebem, possivelmente para 2025. A Secom já vem trabalhando em uma nova estratégia? Quais diferenças e novidades ela trará nessa segunda versão?
Então, já. Temos uma consultoria contratada que está trabalhando na atualização da segunda versão. As principais novidades serão os avanços e a consolidação das propostas iniciais. Anteriormente, apresentamos os eixos e agora iremos mostrar como estão sendo implementados na prática. Além disso, pretendemos mapear boas práticas de educação midiática no país, criando um catálogo e iniciando uma rede de educadores que desenvolvem essas experiências. Queremos incluir isso na segunda edição e estamos trabalhando para alcançar esse objetivo.
Esse ano a Secom esteve em missão na Dinamarca e na Finlândia, e ano passado estreitou cooperação com a Inglaterra. Como o Brasil tem trabalhado essas relações internacionais?
O tema da educação mediática a nível de política pública começou agora aqui no Brasil, mas em outros países do mundo ele já é tratado como prioritário há algum tempo. Quando a gente começou a construir a estratégia, assim como a gente ouviu as demandas das pessoas no Brasil, a gente também bateu na porta de alguns países que já têm um avanço significativo nessa construção. E a partir disso, assinamos alguns acordos de cooperação para desenvolver mais atividades específicas nessa área. Com a Dinamarca e com a Finlândia foi pelo fato de os dois países já desenvolverem políticas públicas específicas sobre isso há mais de 20 anos. A Finlândia, especialmente. Foi muito bom ouvir como foi o processo de criação da estratégia deles também, o que funcionou, o que não funcionou e ouvir o que eles acham da nossa estratégia.
Teremos eleições esse ano. Como lidar com as fake news?
Acho que é importante ressaltar que esse ano o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pela primeira vez proibiu o uso de inteligência artificial para criar e propagar conteúdos falsos nas eleições. Deep fakes, por exemplo, são proibidas e todo conteúdo que for criado com uso da IA precisa ter um aviso [de uso]. Acho que isso é um primeiro passo importante: estar consciente dessa proibição, saber que a gente, como cidadão, tem o dever de reportar isso, de denunciar. E ao mesmo tempo, entender que o seu papel enquanto alguém que tem essa literacia midiática, é verificar [as informações] antes de repassar para outra pessoa. Basicamente, as mesmas habilidades que você tem com qualquer outra informação.
Mariana Filizola é formada em Comunicação Social/Relações Públicas pela Universidade Federal do Amazonas, mestre em Mídias Digitais e Educação pela University College London e atualmente Coordenadora-Geral de Educação Midiática na Secom da Presidência da República.
Foto: Arquivo pessoal.