Medo do futuro e sensação de atraso são sinais da “crise dos 20 e poucos anos”
Conceito de “Adultez emergente” (AE) surgiu na Psicologia para explicar as dificuldades na transição entre a adolescência e a fase adulta
Postado em 08/05/2024
Nas redes sociais, são muitos os relatos de jovens de 18 a 29 anos que dizem estar vivendo a “crise dos 20 e poucos anos”. Esses jovens, que constituem um democgráfico de aproximadamente 50 milhões de pessoas no Brasil, se queixam do medo de um futuro incerto, da sensação de atraso perante outros jovens e seus pais, da constante pressão por alta performance e desempenho, entre outras questões. Pensando em explicar as causas para esse sentimento de crise, estudos recentes da Psicologia apontam para o conceito de Adultez Emergente (AE).
Adultez Emergente, para a psicóloga Graziela Scarpelli, se refere ao período de transição entre a adolescência e a idade adulta jovem. “A Adultez Emergente vai falar sobre essa pessoa que está postergando compromissos do adulto”, diz ela. Esse “atraso” nem sempre é de total responsabilidade do jovem, uma vez que o conjunto de fatores econômicos e sociais em muito interfere na concretude de alguns marcos da vida adulta, explica a psicóloga. Alguns desses “compromissos” são: a saída da casa dos pais e compra do primeiro imóvel, a realização profissional em um bom emprego e a formação de uma família, por exemplo.
Guilherme Trindade, de 26 anos, é um desses jovens que dizem estar vivendo a “crise dos 20 e poucos anos”. “Quando tinham a minha idade, meus pais já tinham a casa em que vivemos hoje, trabalhavam nos empregos que ainda hoje sustentam a família e já eram pais. Eu, com 26 anos, ainda vivo debaixo do teto deles e não me vejo construindo uma família tão cedo. Me sinto sufocado só de pensar que não tenho a menor ideia de quando conseguirei conquistar tantas coisas que esperam de um adulto”, explica ele.
Uma pesquisa de 2022 do Kantar Ibope Media apontou que, de fato, os jovens estão demorando mais para sair da casa dos pais, casarem, terem o primeiro filho, comprarem o primeiro imóvel, dentre outras demandas socialmente estipuladas para a vida adulta. De acordo com a pesquisa, o brasileiro está saindo da casa dos pais e tendo o primeiro filho com, em média, 26 anos. O casamento e a compra do primeiro automóvel, ainda de acordo com o estudo, também acontecem perto dessa idade. A pesquisa aponta que a compra da primeira casa ou apartamento, por sua vez, acontece mais tarde, depois dos 35 anos.
O que causa a “crise dos 20 e poucos anos”?
Cada jovem vem de um contexto muito particular. Por isso, não é possível traçar um motivo único que leve a essa sensação de crise. Para Guilherme, a questão financeira é o fator central para as suas aflições com a vida adulta. “Tudo custa muito caro. Vejo esses anúncios de imóveis e carros como uma fantasia que está muito distante da minha realidade”, diz o jovem. Já Karolina França, de recém-completados 20 anos, diz que o motivo da sua crise é outro: a sensação de tempo perdido. “A pandemia e os anos de isolamento roubaram momentos valiosos da minha adolescência. Sinto que fui ‘jogada’ na vida adulta sem antes ter vivido tanta coisa, e hoje já é tarde para recuperar esse tempo e essas memórias”, lamenta a jovem.
Neurologicamente, a Adultez Emergente é causada pela necessidade de um amadurecimento rápido para as demandas sociais, sem acompanhar o tempo adequado para o amadurecimento neurológico, explica a psicóloga Graziela. “Hoje são muitas demandas. Somos demandados a rapidez em função de tecnologia para ações que, às vezes, poderiam ser postergadas e tratadas com mais calma”, conclui.
Comparações entre gerações e papel das redes sociais
A comparação com os pais e avós, que vieram de gerações onde as exigências para a vida adulta eram diferentes, também é um fator de peso para a Crise dos 20 e poucos anos. Porém, esse fenômeno não é exclusivo para os jovens de hoje, tendo também acontecido com os jovens do passado. “Quando a gente olha para as gerações anteriores, essa inter-geração sempre tem essa questão”, diz a psicóloga Graziela. Para ela, o avançar do tempo e das tecnologias vai modificando o “lidar” da geração com as demandas de vida, alterando também a maneira pela qual as gerações vão lidar com a dureza da vida adulta e com o quão cedo o jovem vai ter que assumir responsabilidades. Graziela também explica que “essa comparação sempre aconteceu, só que agora é um fenômeno mais acelerado, com as diferenças um pouco maiores”.
Ainda de acordo com a psicóloga, outro fator central para a Adultez Emergente é a influência das redes sociais. Nessas plataformas, se cria um ideal que não é atingível para todos, levando a um “esvaziamento de sentimento, uma sensação de incompetência” para aqueles que não estão atingindo as mesmas marcas. Graziela enfatiza, porém, que essas marcas são irreais e não podem servir como comparação para os jovens.