Coffice: Conheça o criador do selo que qualifica cafeterias ideais para trabalho remoto
Em entrevista para o portal, Guilherme Lobão conta como surgiu a iniciativa e quais são suas expectativas para o futuro do “home” office em cafés
Postado em 04/05/2024
Originado a partir da junção de “coffee” e “home office”, o termo Coffice foi criado por Guilherme Lobão para caracterizar a prática do trabalho remoto em cafeterias. O selo homônimo avalia a qualidade da comida, da atmosfera e do acolhimento aos nômades digitais e pode ser solicitado pelo estabelecimento ou designado voluntariamente pelo curador.
Lobão é jornalista, possui PhD em comunicação na Universidade de Brasília (UnB) e fez seu estágio de doutorado em gastronomia na Università degli Studi di Scienze Gastronomiche di Pollenzo, na Itália. Ele é idealizador e administrador do Comida de Pensar, um espaço virtual dedicado a críticas, pesquisas e tutoria no setor gastronômico. O espaço abriga o Coffice, uma newsletter semanal de curadoria de cafeterias que deu origem ao nome do selo.
Confira a entrevista completa com Guilherme Lobão:
Como surgiu a ideia para a criação do selo Coffice?
Foi a partir da minha newsletter que ele nasceu com o intuito de discutir o fenômeno do trabalho remoto. O selo surge para poder certificar ou classificar algumas cafeterias que tem um propósito claro e um conceito muito central para essa prática que eu estou chamando de Coffice, ou seja, de usar a cafeteria como um espaço de trabalho.
Não confunda com o co-working, porque a ideia do Coffice é você fazer seu trabalho em um ambiente agradável, e que consiga aproveitar o espaço da cafeteria para consumir.
Você tem estágio doutoral em gastronomia em uma universidade italiana, possui um blog especializado na área e oferece cursos práticos. De que forma seus conhecimentos influenciam na curadoria dessas cafeterias? Quais fatores você observa em relação à comida nos cafés?
Selo Coffice de 2023. – Reprodução: Redes Sociais @comidadepensar
Meus conhecimentos vêm justamente do ofício de crítico de Gastronomia, que eu trabalho desde 2010. Então eles vão me influenciar na curadoria das cafeterias. Isso me ajuda a ter esses critérios, esse olhar.
A comida nas cafeterias segue um roteiro de tendências. Antigamente, quando se pensava em cafeteria, era pensado mais em padaria ou em confeitaria do que em cafeteria. É importante fazer uma distinção técnica. Dentro da área de consultoria a gente trabalha com pelo menos dois conceitos, que é o de cafeteria e o de lanchonete. A ideia de lanchonete é mais ampla. Embora muitos estabelecimentos se considerem como uma cafeteria, mas conceitualmente ou tecnicamente, são lanchonetes. As cafeterias mesmo são aquelas que têm como trabalho central a torra e a extração de cafés, muito embora tenha comida também.
O que eu observo na comida é que ela segue uma ou várias tendências, que unem em uma certa imensa geral. Aquilo que se espera numa cafeteria vai acontecer com influências de fora, da Europa, onde tinham as primeiras cafeterias neste modelo moderno que a gente conhece e também dos Estados Unidos. Também existe uma influência das redes sociais hoje em dia.
O que você classifica em específico como uma cafeteria acolhedora para trabalhadores remotos?
Ela é classificada primeiro pela conversa franca com os donos da cafeteria para saber se ela de fato é apropriada. Algumas vão ter até como missão da cafeteria. Se você olhar o Nitrogênio Café, na Asa Sul, ou o Café de Andrade, no Sudoeste, vai estar lá descrito que “é um local para produção de trabalho remoto. Então venham aqui trabalhar, colocar seus computadores”. A própria logística e a forma como as mesas são dispostas já apontam para a possibilidade de serem abertas ou acolhedoras para trabalhadores remotos, como o fato de você ter mesas ou individuais ou menores para duas pessoas próximos a ponto de tomada, com wi-fi dentro do estabelecimento aberto para seus clientes.
Acrescento que, para o Coffice, entende-se que faz parte da experiência ser recepcionado ou ter à disposição uma água da casa e ter café de boa qualidade, porque isso faz parte do critério avaliativo. Essa combinação de fatores permite que a gente entenda que essa cafeteria pode ser acolhedora.
Qual é a importância do selo para esse setor e qual é a credibilidade dele?
É muito legal realmente conferir às cafeterias um valor que elas podem colocar como seu e entenderem que estão certificadas por fazerem um trabalho bem feito nessa seara, sendo uma cafeteria não só acolhedora, como também de qualidade para atender pessoas que estão em trabalho remoto. A importância do selo é mais para fortalecer o segmento e estimular a economia por parte de cafeterias que vão ter vários momentos de ociosidade na sua agenda do dia e que trabalhadores remotos podem preenchê-la.
A credibilidade do selo está sendo construída. Ela existe da minha parte. Eu tenho trabalhado já com crítica gastronômica há quase 15 anos, então acaba que essa associação gera uma credibilidade.
Você pretende expandir o selo para o resto do Brasil e fora do país?
O Coffice já atesta a qualidade de cafeterias em Brasília, Goiânia, Belo Horizonte e São Paulo, e Curitiba também. Então, temos já essas cinco capitais em que o selo está chegando. Falta chegar o selo físico, mas elas já foram certificadas. A ideia é que se expanda para o Brasil inteiro e também que vá para fora do país.
Algumas das cafeterias que receberam o selo em BH, Brasília e Goiânia. – Reprodução: Redes Sociais/@comidadepensar
Você acha que as discussões sobre o termo Coffice irão crescer nesse mercado?
Não sei se o termo “Coffice” vai crescer, mas eu tenho trabalhado para que ele seja reconhecido com esse critério de credibilidade. Mas a discussão sobre a atividade do trabalho remoto de cafeteria está crescendo no mercado. É impossível você hoje abrir uma cafeteria ou qualquer negócio com mesas, que vai ficar aberto durante o dia, sem pensar em como acolher pessoas que vão passar ali para trabalhar. É claro que você não é obrigado a fazer isso e essa eu acho que é a maior polêmica que tem. Essa discussão existe e vai ter muita gente contra trabalhar em cafeteria, mas não é questão de ser contra ou não. É uma questão muito mais de otimizar os espaços e utilizar a cidade, porque, afinal de contas as cafeterias e restaurantes são espaços privados. No entanto, eles são de função pública, o que abre brecha para essa discussão ser feita.
No Brasil, houve um boom na abertura de cafeterias. Após a pandemia, esses locais viraram abrigo para os que procuram um local para fazer trabalho remoto. Quais são as suas expectativas para o futuro dessa tendência e desse mercado?
Você tem um futuro que aponta para o mercado de trabalho que vai ser muito individualizado e que vai exigir novos arranjos de trabalho. A cafeteria é um local que convida você a se reunir e a conversar tomando café. Inclusive as pessoas não marcam uma conversa, as pessoas marcam um café, não é isso? Muitas vezes pessoas estão marcando este café para tratar de questões de trabalho.
Eu entendo que esse mercado tem tudo a expandir e se a gente for pensar no exemplo de um microcosmo de Brasília, ele está expandindo. Temos abertura de pelo menos 5 cafeterias novas por ano em Brasília, em média, nos últimos anos, sendo que logo após a pandemia esse número foi muito maior. Isso não é nenhuma pesquisa, mas é uma conta que eu fiz de quem já tem frequentado as cafeterias e conhece esse segmento desde 2010.