Diabetes: o cuidado vai além da insulina

Além das mudanças nos hábitos alimentares e o uso da insulina, o diagnóstico da diabtes alerta para a importância do cuidado com a saúde mental. Saiba mais sobre a relação entre a diabetes e os transtornos mentais

Reportagem especial

Postado em 17/07/2023

Ana Vitória Lopes, Lara Marques e Victor Duarte

A relação entre transtornos mentais e diabetes é um campo de estudo em constante evolução, e há pesquisas que exploram essa conexão. Alguns estudos mostram que o diagnóstico da diabetes pode estar relacionado a um maior risco de desenvolvimento de transtornos mentais, como depressão e ansiedade, devido a fatores como a mudança no estilo de vida e restrições do tratamento.

Segundo o estudo “The prevalence of comorbid depression in adults with diabetes: a meta-analysis”, cerca de 30% dos pacientes com diabetes apresentaram quadro de depressão. A análise “The association between diabetes and depression: a very disabling condition” aborda que 20% a 30% dos pacientes com diabetes (tanto do tipo 1, quanto do tipo 2) sofrem de transtornos depressivos clinicamente relevantes.

Ainda, segundo o estudo, cerca de dois terços dos pacientes diabéticos que sofrem de transtornos mentais não são diagnosticados corretamente e, consequentemente, tratados para sua síndrome depressiva.

A diabetes, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), é uma doença crônica na qual o corpo não produz insulina ou não consegue regular adequadamente a insulina que produz e o seu diagnóstico pode ser classificado em três: tipo 1, tipo 2 e gestacional. Já os transtornos mentais são definidos pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) como uma combinação de pensamentos, percepções, emoções e comportamento anormais, que também podem afetar as relações com outras pessoas.  

A doutora Claudia Pieper, coordenadora do Departamento de Psiquiatria, Psicologia e Transtornos Alimentares da SBD, explica a ligação entre diabetes e transtornos mentais: “Os transtornos mentais mais comuns são os quadros clínicos de depressão, ansiedade, transtornos alimentares e o chamado distress de diabetes. Pessoas com diabetes são 2 a 3 vezes mais propensas a ter depressão como também  transtornos alimentares do que pessoas sem diabetes”. 

O diagnóstico e o tratamento da diabetes exigem mudanças no estilo de vida, como a aquisição de hábitos alimentares mais saudáveis, prática regular de atividades físicas e, a depender do paciente, o uso de insulina e outros medicamentos.

A neuropsicóloga Mônica Galvão explica que algumas das limitações impostas a partir do diagnóstico da diabetes podem estar diretamente relacionadas à necessidade do acompanhamento psicológico para estes pacientes.  “Quando a gente fala de pessoas com doenças físicas, não só mentais, a gente fala de pessoas que também têm suas angústias e pessoas com diabetes têm algumas limitações, restrições alimentares e correm até risco de problemas maiores fisicamente”, afirma.

“É importante que ele (paciente diabético) faça mesmo terapia para ele aceitar a condição que se encontra ali naquele momento e não agrave mais ainda a situação, porque corpo e mente andam de mãos dadas. Então, descobri que estou com diabetes? Preciso aceitar essa condição, preciso fazer um tratamento correto e preciso agora também cuidar do meu emocional para aceitar melhor”, completa Mônica.

“Quando a gente fala de pessoas com doenças físicas, não só mentais, a gente fala de pessoas que também têm as suas angústias”

– Mônica Galvão

Tratamento pelo SUS

Quando o assunto é o tratamento de algum problema de saúde, logo de cara surgem diversas preocupações: “Quais os custos que vou ter com isso? Como vou conseguir esse tratamento? Onde vou conseguir a medicação”? Entre inúmeros outros que passam pela cabeça após o diagnóstico, e não é diferente com a diabetes e os transtornos mentais.

Na rede pública, os pacientes podem ser acompanhados por equipes especializadas do Sistema único de Saúde (SUS), que abrange do atendimento primário ao mais complexo, por exemplo da medição de glicose até o transplante conjunto de rins e pâncreas para diabéticos tipo 1.

“A partir do diagnóstico, impõe-se o tratamento medicamentoso e faz-se a orientação sobre mudança de estilo de vida e acompanhamento com nutricionista. Nos locais onde há disponibilidade, é fornecido o acompanhamento multiprofissional”, explica o médico da família e comunidade pelo SUS, Odarlone Orente, sobre o processo de acompanhamento do paciente diabético na rede pública.

Quanto ao tratamento de transtornos mentais para pacientes já diagnosticados com diabetes, o indivíduo pode recorrer à equipe de medicina da família para ser encaminhado para a avaliação psicológica. No entanto, apesar da oferta, a grande procura por atendimento gera filas de espera para a marcação de consultas.

“Os usuários que manifestam interesse/necessidade de acompanhamento psicossocial devem ser direcionados aos serviços de saúde de seu território para avaliação, orientações e encaminhamentos necessários. A integralidade da atenção à saúde é um dos princípios do SUS e abrange a articulação de ações voltadas para o cuidado individual e coletivo”, explica a assessoria de imprensa da SES-DF.

A Secretaria ainda ressalta a importância do indivíduo que está submetido à doença, procurar a unidade básica de saúde (UBS) responsável pelo território da família, mais próxima de sua região para melhor fazer o acompanhamento com ajuda dos profissionais da rede pública.

Sobre o acompanhamento de pacientes com doenças crônicas na rede pública, Odarlone explica: “As equipes de saúde previamente conhecem seus pacientes com doenças crônicas, aqueles que estão compensados, o acompanhamento e registro deve ser a cada 6 meses, com solicitação de alguns exames conforme protocolos clínicos”.

Além da assistência médica, os pacientes diagnosticados com diabetes e/ou transtornos mentais e que precisam de tratamento medicamentoso também encontram alguns dos remédios disponíveis de forma gratuita no SUS.

A mudança de rotina, cuidados diários e acompanhamento psicológico são essenciais para o tratamento da diabetes. Medicamentos e insumos como a insulina podem ser adquiridos pelo SUS. (Estephany Monique/Arquivo pessoal)

Cuidados diários

“A maior dificuldade é aceitar a doença. Por inúmeras vezes me pergunto o porquê, entre tantas pessoas, eu ter sido a escolhida”. Ana Karolina da Silva, 21 anos, estudante de nutrição, recebeu o diagnóstico da diabetes aos 15 anos. Após sair com alguns amigos e passar mal durante diversos dias, ela acordou no hospital com o diagnóstico: “Acordei após uma grave crise de cetoacidose diabética, em que tiveram que fazer o processo de reanimação, pois eu não estava mais respondendo”, relembra a estudante.

Ana Karolina precisou dar início ao tratamento ainda no hospital e, desde então, realiza o acompanhamento com o endocrinologista, além de outros especialistas, como nutricionista e psicólogo.

Além do diagnóstico, durante a adolescência, ela também precisou lidar com a morte da mãe de forma precoce. “O diabetes foi só uma parte do problema. Um ano antes do diagnóstico eu perdi a minha mãe, então, eu vivi no piloto automático e acabou que 2019 foi o estopim. Eu sabia que precisava de ajuda, mas achava que eu mesma conseguiria ser essa ajuda.”

Após identificar que precisava de tratamento adequado, ela procurou por um profissional “agora, fazendo o acompanhamento com a psicóloga e com medicamentos, estou melhorando”.

A maior dificuldade é aceitar a doença. Por inúmeras vezes me pergunto o porquê, entre tantas pessoas, eu ter sido a escolhida

– ANA KAROLINA

Já o Carlos Lopes, jornalista, passou por um processo inverso: ao procurar atendimento psiquiátrico em virtude de uma compulsão alimentar, o profissional demonstrou preocupação em relação ao estado de saúde do paciente e indicou a realização de alguns exames que o levou à descoberta de que estava pré diabético, além de hipertenso e com outros exames alterados.

O jornalista identifica a ansiedade como uma das dificuldades no seu tratamento. “É algo que me acompanha. Não sei quando ou se vou me ver livre dela. Preciso me blindar todos os dias de qualquer coisa que mude meu emocional, ou acabo tendo uma recaída e comendo demais. Parece que é uma válvula de escape. E isso afeta meus níveis de açúcar. Hoje eu tento não comer doces e substituí o açúcar por adoçante. Agora já me acostumei, mas foi difícil no início”, explica.

Apesar da idade, a Estephany Monique, de 13 anos, também relata como recebeu o diagnóstico da diabetes e a forma como mudou sua rotina. “Eu estava passando mal e minha mãe me levou ao hospital, me internaram durante dez horas e aí descobriram que eu tinha diabetes”, conta a adolescente. “Minha vida mudou muito em relação a alimentação e cuidados comigo”, completa Estephany.

Luis Henrique relata que seu pai, José Lino não fez nenhum tipo de tratamento para a diabetes, e acabou se afastando pro conta dos surtos psíquicos causados pela doença.
(Luis Henrique e José Lino/ Arquivo pessoal)
Confira a reportagem sobre a importância da rede de apoio para os pacientes diabéticos que lidam com transtornos mentais.