Imigrantes se adaptam à cultura e ao ensino brasileiro

Conheça história da imigrante Nimra Bibi, um dos milhares de estrangeiros que escolheram o Brasil como seu novo país

Noreen Jaral

Postado em 20/11/2021

Segundo o Observatório das Migrações Internacionais, no relatório anual de 2020, o Brasil registrou mais de um milhão de imigrantes, considerando todos os amparos legais, durante os anos de 2011 a 2019. Com muitos destes procurando o Brasil como país para se estabelecerem, inicialmente, barreiras linguísticas e culturais podem gerar dificuldades na integração e socialização desses estrangeiros, principalmente para os jovens. Esse foi o caso da paquistanesa, Nimra Bibi, de 17 anos, que se mudou com sua família para o Brasil em 2014.

Com a intenção de se estabelecer com sua família no Brasil, além de se adaptar ao novo país e cultura, Nimra precisou ser matriculada na rede de ensino brasileiro para dar continuidade aos seus estudos. Por vir de um país que tem como língua oficial o urdu, e a língua comercial o inglês, ter que estudar em português foi mais um desafio que encontrou em sua experiência no novo país. 

No início, Nimra traduzia para o inglês todo o conteúdo que os professores passavam durante as aulas. Foto por: Noreen Jaral

De qual cidade do Paquistão você é? 

Eu morava em Sialkot (229.4 km de distância da capital, Islamabad), é uma cidade na província de Punjab.

localização, distância da capital)

Quando chegou ao Brasil, quantos anos você tinha? E por que veio para cá?

Eu tinha 10 anos, cheguei em setembro de 2014. Como meu pai está na Europa, eu vim junto com a minha mãe e meu irmão mais novo morar com o meu tio e a família dele, que também são paquistaneses, mas que já estavam morando aqui no Brasil há alguns anos.

Como chegou aqui muito nova, teve várias coisas para se adaptar, mas na questão do ensino, no Paquistão o estudo também era diferente? 

No Paquistão o ensino é dividido diferente. Aqui tem ensino infantil, fundamental, ensino médio e superior, lá o ensino fundamental é até o décimo ano, que seria o primeiro ano do ensino médio aqui. E o ensino médio são só dois anos, que seriam o onze e doze, como são chamadas as séries no Paquistão. A partir do nono ano você escolhe se quer estudar arte ou ciências. Se você escolher ciência, você só estuda matemática, física, química e a ciência. Se você escolher arte, você estuda história, geografia, e matérias assim. E aqui só tem que fazer o Enem ou PAS quando faz o ensino médio. Lá no Paquistão, nas escolas do governo, a partir do quarto ano, tem provas desse tipo, e elas são obrigatórias a partir do décimo ano.  

Até que série cursou no ensino paquistanês?

Eu completei o quarto ano no Paquistão e tinha começado o quinto, mas não terminei. E quando entrei na escola brasileira comecei no sexto ano, então na verdade pulei o quinto ano. 

Quando chegou no Brasil ficou algum tempo sem estudar?

Eu cheguei em setembro e só comecei a estudar no outro ano, em fevereiro de 2015. Eu tentava não pensar nessa questão de começar em uma nova escola, e em um novo país. Para mim era normal eu ter que ir para escola e estudar, só me preocupava com a língua, como que eu entenderia o que estavam ensinando.

Como foi o processo de adaptação?

Quando cheguei aqui eu não falava português e foi uma muçulmana brasileira que me ajudou no início. Quando fui na escola no primeiro dia, todo mundo estava curioso, as meninas vinham e tentavam falar comigo, mas como eu não respondia deixavam para lá. Eu não entendia a língua e pensava ‘Como eu falo com elas se eu não sei o que estão falando, e elas não entendem o que eu falo?’, por isso eu não conversava com ninguém. Até hoje lembro que só falava quando precisava de ajuda em alguma coisa que eu não sabia. E como hoje eu já entendo, converso com as minhas colegas de escola, e quando eu preciso de ajuda, elas me ajudam, e quando elas precisam eu ajudo.  

E como foi com os professores, como era a comunicação entre vocês?

A minha dificuldade foi só com o português, na matéria de português. Em outras matérias, como matemática, eu tirava nota máxima, então alguns professores tentavam falar comigo em inglês. Quando estava no segundo bimestre do sexto ano, eu conheci a Vicentina Couto na escola em que eu estudava, que é professora de inglês e português. Ela me ajudou muito, me passava em inglês todo o conteúdo que os professores davam, usamos muito o Google Tradutor para poder nos comunicar. Eu também pude fazer as provas com ela em uma sala diferente e no turno contrário me ensinava português, então eu chegava 8h no colégio e só ia para casa às 19h. Teve outra professora de português da escola que me ensinou a escrever com letra cursiva, porque no Paquistão a gente escreve com letra de forma e o alfabeto também é diferente. Várias vezes fui aluna destaque pelas minhas notas.

Como foi a recepção na escola?

Os professores e os colegas de classe foram tranquilos, nunca sofri preconceito por ser de outro país, nem pela minha religião ou por usar hijab, pelo menos eu não. Eu vestia a blusa do uniforme e colocava o hijab por cima e nunca tive problemas com isso dentro da escola. Por eu ser muçulmana as pessoas tinham curiosidades e vinham me perguntar para saber mais. Eu só não gostava dos olhares, me sentia desconfortável. Então, para tentar me esconder, eu ficava na biblioteca ou na sala dos professores. No início eu não usei o hijab dentro da escola pra tentar me adaptar, mas quando eu percebi que os meninos daqui ficam olhando, eu voltei a usar porque não gostava de receber essa atenção. 

Aconteceu algum episódio que te deixou desconfortável? 

Aconteceu uma coisa quando ainda estava no ensino fundamental. Uma mulher, que era professora de inglês de outra escola, todo dia me esperava na frente do meu colégio para ficar falando sobre o que é Jesus, e o que ele fez de bom, tentando me converter para a religião dela. Eu tentava falar que nós, muçulmanos, também acreditamos em Jesus e explicar as coisas, mas não adiantava. Mas na escola não aconteceu nada, eu só me sentia desconfortável para fazer educação física, eu tinha que usar uma roupa mais adequada, não usava legging, e tinha que ficar tomando cuidado para, durante as atividades, meu hijab não cair. 

Pretende continuar morando e estudando no Brasil ou quer ir para o exterior?

Meus pais querem que eu seja médica, como todas as mães e pais paquistaneses, não importa em qual país, mas o que eu realmente quero é fazer a graduação e trabalhar no Paquistão. Quero ser médica militar de lá. Se eu não conseguir, vou estudar na Europa, que é onde meu pai mora, ou então no Canadá.