No Olho da Rua: coletivo audiovisual preserva o legado do Cine Brasília

Interrupção das atividades no espaço impulsiona a inciativa independente

Ana Luisa Souza

Postado em 26/03/2024

Um mês desde que as portas do Cine Brasília se fecharam. Um mês desde que o último cinema de rua candango se despediu, temporariamente, de seu devoto público e da cena cultural da capital brasileira. A previsão de retorno às atividades do espaço ainda se mostra incerta, sob os holofotes de especulações abrangendo entre 60 a 90 dias a partir da suspensão de atividades. Com a falta de roteiro do Governo do Distrito Federal (GDF), cinéfilos de diversas inclinações rebobinam a fita do patrimônio brasiliense em uma mistura de nostalgia e protesto, retornando ao bom e velho cinema itinerante que iniciou a jornada do herói desse adorado ambiente.

“Lugar de memória individual” em estêncil, no estacionamento traseiro do Cine Brasília, ilustrando o apego brasiliense com o local/Foto: Ana Luísa Ferreira de Souza

Apesar da tela de projeção imponente e o Dolby Stereo que preenchia a sala de exibição do antigo cinema, foi entre as cadeiras Barcelona que encontramos nosso enredo. O coletivo Cinema no Olho da Rua se conheceu no ambiente de forma despretensiosa, unidos pelo amor ao audiovisual e o vislumbre de um projeto independente de cinema de rua. Porém, foi apenas com essa interrupção que eles tomaram protagonismo. “Acredito que foi a falta de espaço que causou essa iniciativa. O Cine Brasília fechou, a gente já tinha uma ideia de fazer um cinema itinerante e com filmes de pouca visibilidade. Veio tudo a calhar, a situação criou o movimento,” relata Raphael Omar, cinéfilo graduado em Administração e um dos organizadores da iniciativa.


Cine Paradiso: a memória afetiva se torna protesto


Diferentemente de James Dean e seus companheiros em “Juventude Transviada”, o projeto tomou vida com uma rebeldia determinada e justificada. Alice Lopes, graduada em Design de Moda e apaixonada por cinema, ressalta a luta contra o sentimento de impotência em frente ao descaso com os espaços culturais de Brasília, destacando a importância do valor comunitário que dirige o cinema. “Eu acho que existe um movimento, mas tem mais uma sensação de fraqueza em não saber o que pode ser feito. A partir do momento em que transformamos essa pauta em um protesto físico, a dimensão do público fica muito mais clara,” expressa a jovem.


Acostumada com os números de bilheteria, a estudante de cinema Bárbara Augusto relata o sucesso da primeira amostra que organizou com seus amigos. No dia 29 de fevereiro, a caixa d’água do Cine Brasília contou com mais de 600 visitantes que se reuniram para assistir aos curta-metragens ali projetados, contribuindo com doações em dinheiro para auxiliar no financiamento do projeto que, de acordo com Omar, tem perspectivas de se tornar mensal. “Exibições de qualidade são caras. Desembolsamos uma ‘grana’ para a primeira amostra, e acredito que conseguimos entregar algo à altura dos filmes que exibimos para o público. Mas é um projeto bem numeroso nesse sentido.”, completa Lara Alves, arquiteta e integrante final do elenco agora familiar.


Ao mencionar a qualidade dos obras expostas, os cinéfilos também comentam sobre o processo de curadoria em suas sessões. Raphael Omar afirma que No Olho da Rua oferece um espaço de visibilidade para filmes subestimados. “Os curtas da última exibição provavelmente não passariam em uma sala de cinema comercial, então abrimos espaço para cineastas independentes ganharem reconhecimento. Ultimamente a gente abriu um formulário para receber inscrições de filmes e poder passar nas próximas amostras,” acrescenta o jovem.

Lara Alves, Bárbara Augusto e Raphael Omar/Foto: Ana Luísa Ferreira de Souza


Com os créditos finais distantes em sua perspectiva, a equipe aceita o famoso chamado à aventura em sua narrativa, expressando ideias de expansão do projeto e uma crescente rede de apoio no ambiente brasiliense para fazer o papel do mentor. Incluindo tramas que envolvem a ampliação das exibições para outros locais e a contestação da negligência governamental com a cultura no centro-oeste, o coletivo resgata a essência não apenas do Cine Brasília, como do cinema em seu caráter clássico: um grito de resistência que reúne todos os tipos de arte e comunidade.