A força das mãos habilidosas: o trabalho invisível dos costureiros
Passada de geração em geração, a costura se transformou e hoje, os trabalhos magníficos dos profissionais brilham nas principais passarelas do mundo
Postado em 17/07/2023
Por Bruna Ricco, Dayanne Vieira, Fernanda Matos e Maria Eduarda Ferreira
Com mãos habilidosas e precisas, eles são os verdadeiros artistas por trás das roupas que vestimos, transformando tecidos em obras-primas e garantindo que cada detalhe esteja perfeito. Eles têm o poder de transformar um simples pedaço de tecido em uma peça de vestuário que reflete a personalidade e o estilo de quem o veste.
Quando se pensa em homem e costura a palavra alfaiate já vem à mente. Mas apesar do usual, costura também é lugar de homem, sim senhor! Claro, os números não podem nem ser comparados, mas existem. Ao contrário do que se vê hoje, até o século 17, os homens predominavam no cenário da costura, enquanto as mulheres faziam – apenas – pequenos ajustes.
De acordo com a Associação Brasileira do Vestuário, o número de costureiros passa de 1,3 milhão, sendo 87% mulheres. Por ano, são movimentados mais de R$ 4 bilhões pela categoria, correspondendo a 5% do faturamento total do setor de vestuário.
No entanto, por trás do talento e dedicação desses profissionais, há uma realidade muitas vezes invisível. Eles enfrentam condições de trabalho desafiadoras, longas jornadas e remuneração – muitas vezes – insuficiente. Nos bastidores da moda, onde o glamour se sobrepõe à realidade, esses profissionais lutam para garantir sua sobrevivência e sustentar suas famílias.
A arte e precisão das costureiras
No universo da moda, onde os holofotes geralmente se voltam para os estilistas renomados e modelos deslumbrantes, existe uma figura essencial que muitas vezes permanece nas sombras, mas é responsável por dar vida às criações: os profissionais de costura.
As costureiras podem ser classificadas de diferentes formas. A faccionista trabalha em oficinas de costura como autônoma e tem como principal habilidade a capacidade de copiar fielmente a montagem da peça, partindo da peça piloto. Sob medida é a que trabalha em vários tipos de ateliers e é capaz de reproduzir as peças por fotos ou esboços. A pilotista é a responsável por montar as peças piloto, ou seja, os protótipos da roupa.
A artesã trabalha em máquinas de costura para confecção de peças de artesanato e a industrial participa da montagem de peças na linha de produção. Ela é responsável por montar uma parte específica da peça, até que a roupa seja totalmente finalizada. Além disso, tem a costureira que apenas lida com o conserto de roupas.
A costureira Eliana Silva aprendeu a costurar com sua cunhada e explica que no início era muito difícil, pois ela errava e precisava desfazer a costura. “Depois de lutar muito para aprender, eu fui trabalhar com minha cunhada fabricando roupas íntimas. É até engraçado citar isso pois as clientes chegavam no ateliê e olhavam as peças com desdém, como se não fôssemos capazes de fazer”, conta Eliana. “Normalmente, as pessoas não querem pagar o valor correto porque acham que como é você que está fazendo, então precisa ser inferior a uma loja”, explica.
De acordo com o dissídio de 2023, a média salarial no DF para uma jornada de trabalho de 44 horas semanais é de R$1.536,03. Para o cálculo são analisados os salários de profissionais contratados e envolvidos em convenção coletiva, acordo coletivo ou dissídio de costureira em geral, totalizando 374 amostras. Costureiras autônomas, em média, costumam ganhar entre R$900 a R$5 mil por mês, mas o valor é variável de acordo com o tipo de serviço ofertado e o tempo trabalhado.
É comum vermos costureiras sem nenhuma formação acadêmica ou técnica. Algumas profissionais começaram tentando sozinhas ou aprendendo com as mães e avós, e a precariedade das condições de vida, em muitos casos, é o ponto de partida para alguns trabalhos. Mas hoje, órgãos como Sebrae, Sesi, Senai, Fábrica Social, Senac, além de universidades (UDF, Iesb, Estácio, entre outras), oferecem cursos na área de moda e costura.
Após 1827, a costura é introduzida com todas as forças na sociedade. Desde então, enraizou-se na cultura feminina como uma habilidade necessária para boas donas de casa. De acordo com relatório feito pelo Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS), juntamente com Ministério Público do Trabalho (MPT) e ONU Mulheres Brasil, a respeito das mulheres na confecção, a presença das mesmas é notável no setor, mas não totalitário.
Mesmo assim, a minoria masculina ainda é melhor remunerada. Enquanto os homens recebem uma média de 1,71 salário mínimo, a classe feminina recebe 1,56. A pesquisa de 2022 ainda afirma que as mulheres ocupam 72% do total de empregos formais e estão concentradas, em sua maioria, nos estados de São Paulo e Santa Catarina. Ao considerar os trabalhos informais, especialistas confirmam que o número é crescente.
Francisca Íris costura há mais de 20 anos e dedica sua vida a essa arte, envolvendo talento e paixão nas peças. Apesar dos diversos desafios que encontra em seu caminho, Íris é experiente e reconhecida em sua comunidade. “Desde criança eu conheço e faço parte desse mundo por conta da minha mãe que fazia nosso uniforme. Hoje moro em Goiânia e sou costureira de facção, faço peças para grandes fornecedores de roupas”, explica Francisca.
Além disso, sua mãe Raimunda Edereuza é costureira há mais de 40 anos e hoje trabalha apenas com consertos de roupas por conta do trabalho pesado que enfrentava com roupas sob medidas.
“Eu comecei a costurar quando morava no Ceará, não conhecia ninguém e por isso precisei fazer os uniformes dos meus filhos. Eu errei muito! Desmanchava e tentava outra vez. É um trabalho cansativo, mas eu faço por amor. Hoje costuro só para família e amigos. Infelizmente não recebi o reconhecimento e remuneração justa pelo meu trabalho, me sinto invisível aos olhos daqueles que admiram as roupas que produzo”, lamenta Raimunda.
Raimunda, Íris e Eliana concordam que a profissão exige dedicação e perseverança. Elas enfrentam desafios diários, desde prazos apertados até a pressão pela perfeição. Mas a paixão inabalável pela costura é fundamental para a indústria da moda. Ambas dominam as técnicas, mas também são guardiãs de tradições e conhecimentos transmitidos ao longo das gerações. Assim como sua mãe a ensinou, Francisca passa todo seu conhecimento para suas filhas e, assim, preserva a arte e passa adiante para capacitar novos talentos.
A jornada das costureiras empreendedoras
Em diversas comunidades, costureiras se tornam empreendedoras e abrem seus próprios ateliês, sustentando famílias e comunidades, mas cada história tem seu começo. Essas profissionais enxergam, em sua paixão, uma oportunidade de empreendimento e sustento próprio. São grandes trabalhadoras que, de forma discreta e muitas vezes esquecida, fomentam a economia local e mundial, e caracterizam-se por serem artistas produtoras de arte em forma de vestimentas.
De acordo com pesquisa da Universidade Católica de Brasília (UCB) – fomentada pela Fundação de Apoio à Pesquisa (FAPDF) – em 2022 a economia criativa teve participação de cerca de 3,5% no Produto Interno Bruto (PIB), gerando mais de R$9 bilhões à economia do DF. Por isso o marketing deve estar alinhado de forma correta ao produto a ser vendido, pois uma boa publicidade faz uma marca alavancar.
Os cursos ofertados pelos órgãos e faculdades no Brasil contam com as modalidades presencial, online e EAD. Rafaela de Castro Lacerda é mestranda em design na UnB e dá aula de design de moda no Centro Universitário IESB. Ela conta que, no curso, os alunos até têm a prática na máquina de costura, mas por ser uma graduação de dois anos, essa prática é muito rápida. Os alunos também aprendem sobre a parte empreendedora da moda com a criação de marcas, entendimento de logotipos e pesquisa de público alvo.
Já Débora Bitencourt, estudante de psicologia, conseguiu inovar no quesito aprendizagem. Ela começou a aprender no início de 2020 e foi completamente por acaso – por meio de um vídeo na plataforma do TikTok. Ver meninas da mesma idade costurando e mostrando técnicas de transformação de roupas fez o interesse surgir, e assim, ela foi procurando tutoriais, na própria plataforma, do que queria aprender.
“Poder fazer roupas diferentes que eu via na internet e que eu não podia comprar” foi uma das motivações da estudante. E apesar de ter a costura como um hobby, Débora viu nesse mundo uma oportunidade de fazer as próprias roupas pensando na sustentabilidade.
Já a estudante Kali Vieira, encontrou na pandemia uma oportunidade extra. “A faculdade tinha parado por tempo indeterminado e como minha mãe [que também é costureira] estava tendo dificuldade em conseguir serviço por conta da pandemia, eu vi nisso uma forma de realizar uma vontade antiga, que era de ter algo relacionado ao ramo da moda”, explica. Ela e a mãe têm uma loja online de fantasia.
Ela buscou na costura uma forma de ajudar nas despesas da casa. Mas as dificuldades foram grandes: “O material foi ficando cada vez mais caro e as pessoas não costumam ver valor nas peças de roupa”. Isso evidencia um dos problemas no mundo da moda: quanto vale uma peça? A diferença de um vestido feito por uma costureira “anônima” e outro que fica na vitrine de Oscar de la Renta, de forma generalista, pode ser apenas a grife.
Na reportagem abaixo, a professora de design de moda do Centro Universitário IESB, Thaís Maria, fala um pouco a respeito da valorização e forma de trabalho dos profissionais.
Muitas costureiras têm potencial e talento suficiente para se tornarem grandes profissionais, mas enfrentam a falta de investimento inicial, ou correto. Alguns dos cursos ofertados trazem, além da parte das roupas e técnicas, um pouco sobre como empreender nessa área – algo importante quando se leva em conta possíveis cenários novos que estão em alta, como o e-commerce.
Outro fator que se mostra de grande importância e deve ser levado em conta é o da publicidade. Dentre muitos elementos envolvidos, é importante ter uma boa foto ou vídeo da peça a ser divulgada e tudo o que estiver envolvido deve estar de acordo. Uma modelo arrumada, um ambiente adequado e técnicas de fotografia e vídeos que possam valorizar a peça. Porém, isso gera um gasto extra ou mais uma “especialização necessária” por parte da costureira.
Damasia é costureira desde os 10 anos de idade e saiu do interior de Minas Gerais com sua mãe, por necessidade. “A gente plantava algodão, colhia, fiava e tecia para fazer nossa própria roupa ou ficava nu, não tinha escolha”, conta. Com o passar do tempo as coisas melhoraram para a costureira e, hoje, ela ajuda outras pessoas a aprenderem a arte da costura de forma simples, produzindo suas próprias roupas.
Blogs, empresas e órgãos, como o Sebrae, afirmam que uma boa forma de empreender nesse meio é estar atento às demandas da sociedade.
As ideias são muitas: serviços de ajustes sempre tem muita demanda, então se tornam um bom meio para começar; canal no YouTube ensinando outras pessoas, o que te dá a oportunidade de monetizar o canal ou atrair público para vendas posteriores; nichos que tenham grande procura, como o vestuário infantil, dentre outras.
*A WGSN produziu, para o ano de 2022, um ebook com perfis de consumidores, que ajudam lojas a se guiarem.
Costureiras por trás das grandes marcas
Nos bastidores da indústria da moda, essas costureiras trabalham incansavelmente, em ateliês – muitas vezes ocultos – dedicando suas habilidades e paixão para concretizar a visão dos estilistas e designers. São elas que conferem forma e estrutura às criações, tornando-as realidade. No entanto, seus nomes raramente são conhecidos e suas histórias, raramente contadas, embora sejam essenciais para que essas marcas tenham sucesso.
“Foram 20 anos trabalhando para a Dress To. Era um trabalho exaustivo por conta da alta demanda e perfeição que era exigida. O trabalho era feito na minha casa, eles enviavam as peças pilotos e eu reproduzia as roupas”, relata a costureira Michele Barbosa da Fonseca. Ao todo, são 25 anos de trabalho com uma máquina e ela conta que aprendeu na prática. “Foi com minha mãe”, afirma. Hoje Michele trabalha de forma autônoma, com uma rotina mais livre, carga horária de oito horas e faz de tudo: consertos e produções de peças.
Além dos desafios enfrentados no ambiente de trabalho, as costureiras também estão sujeitas às pressões da indústria da moda em relação à ética e à sustentabilidade. Elas são as primeiras a lidar com os resíduos gerados pela produção em massa e, muitas vezes, são testemunhas do impacto negativo causado pela busca incessante por novas tendências.
Muitas das grandes marcas de moda têm suas próprias fábricas, onde as costureiras trabalham em linha de produção. Essas fábricas podem estar localizadas em diferentes países, dependendo do local onde a marca decidiu produzir suas roupas.
Algumas marcas também terceirizam a produção de suas roupas. Elas contratam empresas que cuidam da produção em massa, incluindo as costureiras. Embora isso possa reduzir os custos, também torna mais difícil controlar o processo de produção e garantir que as condições de trabalho sejam justas e seguras para as costureiras envolvidas.
Dentro desse mundo, muito se fala a respeito da diferença entre costureira e estilista, até onde vai o trabalho de cada um ou até mesmo a valorização correta de cada profissional. Por isso, a professora Rafaela explica o assunto.
Infelizmente as condições de trabalho das costureiras, muitas vezes, são precárias, incluindo longas horas de trabalho, salários baixos e falta de proteção contra acidentes. Além disso, frequentemente essas trabalhadoras enfrentam situações de exploração e abuso por seus empregadores.
Michele é um claro exemplo disso. Ela conta que a falta de sono é algo rotineiro, já que as entregas devem ser feitas. “O ruim dessa profissão é isso. Tem data para entregar as roupas e a pressão excessiva gera um alto estresse”, afirma. Mas também existem as vantagens: trabalhar por conta própria, fazendo seu salário de acordo com a produção, e estar sempre atualizada com a moda.
O tema da costura (de forma geral e análogo à escravidão) já foi retratado em alguns momentos nas grandes telas. No documentário “The True Cost”, o diretor Andrew Morgan retrata a realidade das principais fábricas do mundo e os desfiles mais importantes. Ele também oferece algumas soluções para um futuro melhor para a moda e, consequentemente, o mundo.
Laís Maria Serra é administradora, mas tem sua própria marca. A La Rossiê ganhou vida em 2021 e é voltada para o e-commerce, mas Laís pensa em ampliar o sonho à loja física. Ela sempre gostou de moda e assim, começou a costurar. Hoje ela faz cursos com outras costureiras e se mantém sempre atualizada. A administradora atua como costureira pilotista da marca. “Tem todo um estudo por trás, as peças são mais sofisticadas e elegantes. Eu faço a modelagem e a peça piloto para ver se deu certo, se ficou ótimo no corpo e tudo mais”, avalia.
Ela também conta que já passou por algumas situações complicadas com clientes, mas a maior dificuldade no trabalho com costura é, sem dúvida, achar uma costureira que seja boa e não tão cara. O relacionamento entre ambas também é importante e levado em consideração na hora da escolha.
Uma preocupação que tem crescido e alguns profissionais têm dado uma atenção maior é o descarte excessivo de roupas. De acordo com Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, mais de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis, como roupas velhas, retalhos e peças de couro, são descartados no Brasil. Amy Holroyd, Jennifer Farley e Colleen Hill afirmam no livro Perspectivas históricas sobre moda sustentável (Historical perspectives on sustainable fashion) que vários especialistas declaram: a moda sustentável não pode existir enquanto houver uma obsolescência na produção, exagerada, das grandes coleções.