Aumento de lesões por esforço repetitivo no ambiente de trabalho chama atenção no DF
Entre 2014 e 2023, foram reportados 1.356 casos no DF. Destes, 691 foram notificados apenas em 2023
Postado em 23/04/2024
O Distrito Federal tem enfrentado um crescimento preocupante nas notificações de Lesões por Esforços Repetitivos (LER), conforme revelado pelo mais recente Informe Epidemiológico em Saúde do Trabalhador, divulgado pela Secretaria de Saúde (SES-DF). Estas lesões, também conhecidas como Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort), vêm ganhando destaque nos registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
Entre 2014 e 2023, o Sinan reportou um total de 1.356 casos de LER/Dort no Distrito Federal. Destes, 691 foram notificados somente em 2023, evidenciando uma tendência de crescimento nos últimos anos. De acordo com o ortopedista Moacir Silva Neto, especialista em medicina esportiva e pós-doutor em fisiatria por Harvard, as LER são causadas por atividades e movimentos repetitivos contínuos que sobrecarregam as estruturas osteomusculares.
Os sintomas característicos incluem dor crônica, fadiga muscular, sensações de formigamento ou dormência, também conhecidas por parestesia. Manifestam-se principalmente no pescoço, coluna vertebral, membros superiores e nos membros inferiores, como os joelhos e tornozelos.
O especialista destaca que é uma condição bastante comum, muitas vezes resultante de fatores como falta de alongamento e problemas no alinhamento dos membros, como a má postura. “Uma pessoa que joga os joelhos muito para dentro ao se agachar – que é o que chamamos de valgo dinâmico -, aumenta o risco de ter um desalinhamento ou sobrecarga nessa articulação, resultando em um processo inflamatório maior dessa articulação”. Além disso, a musculatura enfraquecida ou encurtada pode aumentar o risco de desenvolver essas lesões, especialmente em pessoas sedentárias.
O ambiente de trabalho pode desempenhar um papel significativo no desenvolvimento dessas lesões. Embora muito associada a escritórios e ao ato de digitar, outras atividades repetitivas podem contribuir para a condição. “Tocar piano, dirigir caminhões, fazer crochê são alguns exemplos. Poderíamos, inclusive, citar também lesões comuns nos esportes, como por exemplo, um nadador que faz milhares de braçadas em uma semana. Isso acaba aumentando o risco de tendinite no ombro”, explica Moacir.
Tendo em vista esses fatores de risco, o ortopedista chama atenção para a adoção preventiva de exercícios de fortalecimento e pausas para alongamento durante a jornada de trabalho, práticas fundamentais para a prevenção de lesões por esforços repetitivos.
Um exemplo prático é o caso do João Costa, de 26 anos, que recebeu o diagnóstico de condropatia patelar grau II no joelho esquerdo após experiência como garçom em uma rede de restaurantes. Além das longas jornadas de trabalho em pé, o restaurante tinha uma prática de atendimento obrigatória chamada “Eye Level”: todas as vezes que o garçom atendesse alguma mesa, deveria se agachar a modo de ficar com o olhar no mesmo nível dos olhares dos clientes durante todo o atendimento, fosse ele rápido ou demorado. Nos horários de pico, como o jantar, chegava a atender cerca de 15 mesas simultaneamente, fazendo com que ele tivesse que repetir o mesmo movimento de agachar e levantar diversas vezes por dia.
“Eu trabalhava em uma escala de 5 dias na semana, com expedientes de 8 horas de trabalho e 3 horas de intervalo todos os dias, Desde o primeiro expediente, percebi que seria complicado. Na primeira semana comecei a sentir um incômodo nos joelhos, e logo troquei as palmilhas do sapato do uniforme por palmilhas mais confortáveis. Após mais de um mês de trabalho intenso, a dor foi aumentando e virando persistente. Meu joelho começou a falhar, o que me levou a pedir demissão, já que não conseguia mais suportar as demandas físicas do trabalho”, compartilha.
Após diagnóstico, João realizou 30 sessões de fisioterapia, seis meses de tratamento com cápsulas de colágeno não hidrolisado, e passou a treinar musculação com foco em fortalecimento das musculaturas ao redor do joelho. “Hoje, quase dois anos depois, já consigo fazer praticamente tudo que fazia antes. No entanto, tenho menos força, equilíbrio e resistência na perna esquerda, e sinto muita fadiga no joelho após atividades esportivas e passar longos períodos em pé.”
“É um desgaste irreversível. Mesmo tomando todos os cuidados, sei que nunca mais terei a mesma mobilidade que tinha antes de me lesionar”
Condições prévias podem ser precedentes
Vale ressaltar que as LER não se limitam apenas a novas condições desenvolvidas no ambiente de trabalho, mas também podem abranger lesões ou condições preexistentes que são agravadas ou mantidas pela rotina laboral repetitiva. Isso significa que trabalhadores que já apresentam determinados quadros ou lesões podem experimentar uma piora de seus sintomas devido às demandas físicas específicas do trabalho.
As alterações na cartilagem, como a condropatia patelar, são comuns mesmo em pessoas sem histórico de dor no joelho. Um estudo com 250 indivíduos sem dor no joelho constatou que 57% já apresentavam alguma lesão na cartilagem patelar e 30% tinham lesões nos meniscos aos 40 anos de idade, mesmo sem sintomas. Essas lesões na ressonância magnética não garantem dor, mas quando associadas a esforços repetitivos intensos, desequilíbrios musculares, fraquezas, encurtamentos e má postura, aumentam o risco de dor no dia a dia.