Desafios enfrentados pelas escolas públicas durante a pandemia

70,9% das escolas de ensino privado ficaram fechadas em 2020. Por outro lado: 85,9% das escolas estaduais, 97,5% das municipais e 98,4% das escolas federais

Joana Lacerda

Postado em 07/05/2022

A preparação para ser um estudante do ensino médio não é fácil. Somada à pressão para tirar notas boas, estudo para fazer vestibulares e conseguir um bom desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No entanto, ter que se preparar para tudo estando em uma pandemia é ainda mais difícil. 

Segundo a pesquisa Resposta Educacional à Pandemia de Covid-19, nove em cada 10 escolas não retornaram ao ensino presencial no ano de 2020, o que significa 90,1% em todo o Brasil. Sendo que 70,9% das escolas de ensino particular ficaram fechadas no mesmo ano. Enquanto isso, o número da rede pública é bem maior: 85,9% das escolas estaduais, 97,5% das municipais e 98,4% das escolas federais.

Jardiele Silva, 16 anos, é aluna do 3º ano do ensino médio no Colégio Democrático Estadual Anísio Teixeira (CDEAT), na cidade de Potiraguá-BA. Ingressou no ensino médio em fevereiro de 2020, quando o assunto pandemia estava prestes a vir à tona. Quando percebeu que a pausa nas aulas não duraria apenas 15 dias e teria que estudar sem nem saber quando tudo voltaria ao normal, Jardiele conta que foi um choque. “A gente ficou sem saber como iríamos fazer para aprender os assuntos, ainda mais estudar para o Enem, entender redação e essas coisas.” 

estudante jardiele
A estudante Jardiele se preparando para o Festival Anual da Canção Estudantil (Face) / Divulgação: Instagram/CDEAT

De acordo com dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), há uma grande perda de aprendizagem entre os alunos que estão no 3º ano do ensino médio em 2021, chegando a 74%. Com o retorno às aulas presenciais, a expectativa é que esse número caia. “Muitos alunos da minha sala e de outras turmas não sentem mais aquela vontade de ir para a escola, as pessoas não têm mais ânimo. Quem entrou na escola em 2020, por exemplo, é um fruto da pandemia. Nós entramos e estamos saindo na pandemia, mas eu creio que vamos conseguir vencer tudo isso”, expressou Jardiele.

A estudante conta que foi muito difícil estudar dessa forma. “Dificuldades dentro de casa, ficar presa sem contato com os outros e isso gerou mais um tormento mental, foi um choque de realidade”. Alice Gomes, 19, terminou o ensino médio em 2021 no Centro Educacional 02 do Cruzeiro, quando a situação no Brasil ainda começava a normalizar. “Tive um ano e meio de aula remota. Minha maior dificuldade foi ter foco nas aulas online”. Alice relata que conseguia estudar durante o período, porém, o foco era bem menor comparado aos estudos quando não existia a pandemia. 

Tecnologia nas escolas

Em um levantamento divulgado pela UNICEF (Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância), em novembro de 2020, quase 1,5 milhão de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não frequentavam escolas no Brasil em 2020. Entre esses números, 31,2% tinham de 15 a 17 anos. Sobre a tecnologia nos colégios, Alice disse que a escola tentou disponibilizar internet e computadores para quem não tinha acesso. “Não deram auxílio a todos, mas eles faziam o possível para tentar dar suporte a muitos alunos. Eles não estavam preparados para lidar totalmente com isso, faltou bastante investimento na tecnologia, mas, com o tempo eles foram tentando ajustar isso”. 

Dados informam o rendimento dos estudantes no período do ensino remoto em 2020

Jardiele informou que o CDEAT deu suporte aos alunos. “Tivemos a escolha de fazer as atividades pelo celular ou buscá-las na escola. Então toda semana tinha um determinado horário para ir buscar as atividades na escola. As pessoas que não tinham condições de ter uma internet em casa ou a possibilidade de estudar pelo celular, tinham acesso às atividades na escola mesmo”.

A estudante ainda continuou dizendo que a escola tinha uma sala com computadores disponíveis para quem não conseguia completar as atividades em casa. Jaira Couto, coordenadora do CDEAT, confirmou que o colégio teve estruturas para auxiliar os alunos. “Nós montamos sala de multimídia, instalamos internet para os alunos e adquirimos novos computadores para o planejamento dos professores e pesquisa dos alunos”. 

Ricardo Silva, professor há 22 anos, que atualmente trabalha no Colégio Democrático Estadual Anísio Teixeira lecionando como professor de Educação Física, falou um pouco sobre o período de aulas remotas no colégio. “Mesmo sem uma resolução do governo estadual, que demorou para fazer um plano de ação para o andamento das aulas em várias escolas estaduais, nós do CDEAT não paramos durante a pandemia, oferecemos aulas síncronas e assíncronas, e para os estudantes sem acesso à internet, oferecemos material impresso”.

“Somente no segundo semestre de 2020 é que a SEC-BA começou a disponibilizar atividades, tanto que foram criadas ferramentas para comunicação, grupos de líderes e de salas no Whatsapp, formulação de horários de aulas síncronas usando videoconferência e sala de aula virtual”. Ricardo diz que foi complicado no começo devido a velocidade da internet, mas depois foram sendo ajustados e deu para correr tudo bem.

Para o professor, foi fácil a adaptação às aulas on-line, pois já possuía algumas habilidades com muitas ferramentas educacionais, como formulários, Google Classroom e gravação de aulas para serem postadas no canal do YouTube. Ao ser perguntado sobre as maiores dificuldades que presenciou dos seus alunos, prontamente respondeu. “Para quem não tinha a internet, foi a comunicação. Para quem tinha internet, foi a velocidade do acesso. Também a dificuldade foi a falta de resolução do Governo Estadual em validar o ano letivo, pois o mesmo protelou demais e, no meu modo de ver, prejudicou bastante a credibilidade dos estudantes que se dedicaram durante o período de maior pandemia, ano de 2020.”

Retorno às aulas presenciais

Jaira informou que o retorno às aulas presenciais ocorreram de forma segura. “Temos dispenser de álcool em gel em todos os espaços, distanciamento social, higienização de mãos, alimentação segura e temos o apoio dos funcionários. Todos com assertividade, respeito e segurança.”

Ricardo Silva diz que vê diferença no desempenho dos alunos em relação ao ano de 2021. “Esse ano os estudantes estão mais engajados, pois em 2021 o governo do estado, para premiar aqueles que não trabalharam em 2020 e parte de 2021, resolveu criar o “100% aprovação” e deram um ‘cavalo de Tróia’ mostrando para os estudantes que eles já entram no desafio sendo vencedores. O medo de ter altos índices de reprovação e tentar ser mais “humanos e empáticos” veio maquiar a desorganização e falta de ação de muitos órgãos ligados à educação, que ficaram perdidos aliados com o descompromisso de muitos profissionais da educação, pois muitos se esconderam por trás de uma pandemia e de problemas que poderiam ser sanados para o cumprimento de sua função. Também foi notada a desatenção de muitos responsáveis e pais de estudantes que se digladiaram para que o filho ou filha concluísse o estudo de qualquer forma, pouco importando se adquiriu ou não habilidades e competências”. 

Por fim, o professor concluiu dizendo que o grande desafio desse ano vai ser colocar na cabeça do estudante o quanto ele vai ter que se esforçar para adquirir competências e habilidades, e que 2022 não será 2021. “Afinal, ano passado foi um despertar de um sonho tranquilo que começou infernal e terminou com final feliz”, concluiu.