Espiritismo pode ajudar na superação do luto

Presidente da Comunhão Espírita de Brasília entende como luto as mais variadas perdas e explica que todas as dores merecem ser cuidadas, atendidas e, com o tempo, curadas

Luara F. Oliveira

Postado em 10/04/2025

O luto é descrito como um sentimento de tristeza profunda, um pesar intenso pela perda de alguém. Para alguns, o luto é um processo longo, não apenas ligado à morte, mas também a acontecimentos como um divórcio ou a perda de um trabalho. Nessa jornada tão dolorosa alguns se apegam a novos hobbies, outros se fortalecem na família e há quem busque o caminho espiritual. 

Dentre esses vários caminhos está a doutrina espírita. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil é o país com o maior número de espíritas no mundo: 30 milhões de pessoas. O espírita crê na vida após a morte; que o desencarne do espírito do corpo não é o fim e sim o começo de uma nova jornada. 

Tereza dos Anjos perdeu o companheiro de longa data após 52 anos de casamento e entrou em uma depressão profunda. Preocupada, a filha que frequenta um centro espírita em São Paulo, levou a mãe ao local para que ela pudesse encontrar um pouco de paz. Dona Tereza começou o processo de cura e viu no espiritismo a possibilidade de se abrir para um novo mundo aos 70 anos. “Eu não acreditava na vida após a morte e isso era muito doloroso; eu pensava ‘Poxa, nunca mais vou poder ver o meu marido’. Mas quando comecei a frequentar o centro eu entendi que isso aqui não é o fim e que eu poderei ver o meu marido em breve e que ele me acompanha”, conta.

Adilson de Moraes Mariz, presidente da Comunhão Espírita de Brasília – Foto: Luara F. Oliveira

Baseado na crença da imortalidade da alma, a doutrina espírita oferece uma nova perspectiva sobre a separação física, guiando aqueles que não conhecem os dogmas através dos ensinamentos sobre o ciclo da existência, planos espirituais, o eterno vínculo com os que já se foram e a aceitação.

Adilson de Moraes Mariz, presidente da Comunhão Espírita de Brasília, entende como luto as mais variadas perdas e explica que todas as dores merecem ser cuidadas, atendidas e, com o tempo, curadas. O espiritismo busca trazer evolução para o espírito de quem busca ajuda e todos os outros que o cercam. “Incorporados e os desencarnados nos acompanham, tanto nessa e de outras existências. Paulo Tarso, em suas cartas, já falava que nós somos acompanhados por uma nuvem, essa nuvem são os espíritos, eles estão à nossa volta, nos acompanhando na vida.”

“A dor de cada um é respeitada dentro da sua intensidade.” 

Adilson de Moraes Mariz

Primeiros passos

 Para o presidente da Comunhão, o primeiro passo que uma pessoa em profundo sofrimento precisa tomar é buscar ajuda. Dali em diante, as pessoas mais evoluídas espiritualmente e preparadas para ofertar esse atendimento irão mostrar caminhos e guiar o paciente, respeitando os limites, vontades e disposição do paciente espiritual. “A nossa função não é dizer o que a pessoa tem que fazer, mas sim escutar e oferecer condições para que ela se ilumine”, explica Adilson. O presidente ainda expõe a necessidade de a pessoa que for procurar ajuda dentro da religião ir com o coração aberto e sem outras intenções. “Quando você procura um templo religioso, seja católico, seja evangélico, seja umbandista, quando você procura, você está abrindo o teu coração, você está abrindo a tua mente para essa espiritualização. Você está buscando um canal, mas você tem que buscar isso com amorosidade. Não busque com outros interesses, que não seja o bem.”

Aldair de Moraes conta que para a sua própria evolução espiritual é importante não ter apenas o coração aberto, mas sim a mente aberta. “Se você só tem visão para um lado, eu não posso pegar você à força para estar aqui. É você que tem que encontrar a sua solução. Então, quando você é convidado a ter esses conhecimentos, você passa a ter uma visão diferente da vida.”

Dona Tereza conta que por alguns momentos da sua jornada no espiritismo seu coração se fechou e ela voltou algumas vezes para o estado primário que se encontrava antes. “No inicio foi muito difícil, por mais que eu estivesse aberta a aprender, eu queria voltar para o meu mundo solitário, porque sentia que ninguém me entendia, mesmo muitas pessoas realmente sabendo pelo o que estava passando. Eu precisei trabalhar alguns sentimentos e emoções em mim antes de estar realmente disposta a tentar.”

“A rotina espírita faz uma cura em teu coração se você se espiritualiza” 

Adilson de Moraes Mariz

Vale dos suicidas

 O suicidio é considerado por diversas religiões, incluindo o espiritismo, o maior pecado que uma pessoa pode cometer. No entanto, o que difere a religião espírita das demais são as consequências do ato. 

 Para o espiritismo, o Vale dos Suicidas é o plano espiritual onde aqueles que interromperam suas vidas ficam após o desencarne. O plano espiritual não é uma punição eterna, mas sim um espaço temporário, onde os espíritos suicidas passam por um período de reflexão e aprendizado e, se evoluírem, podem passar para um novo plano ou até mesmo reencarnarem novamente. Segundo Adilson, a experiência com o vale varia para cada espírito, dependendo do seu nível de consciência e redenção. “O Vale dos Suicidas não é um inferno ou um castigo divino, mas uma consequência natural dos sentimentos de dor e desespero que levaram a pessoa ao suicídio”, explica o líder espírita. 

Além do espírito conseguir evoluir sozinho, outra possibilidade e ajuda que eles têm é o amor e preces daqueles que ficaram no mundo carnal. As preces ajudam o espírito a se elevar e encontrar guias, que em nenhum momento os desamparam, mas que, por conta de toda dor, eles não os enxergam.

Cátia Rodrigues, espírita há pouco mais de 5 anos, encontrou na fé e nos ensinamentos espíritas forças e conforto para lidar com a partida precoce de sua sobrinha, que tirou a própria vida aos 16 anos. “Cresci num lar evangélico, então desde sempre nos foi ensinado que esse era o pior pecado, que a pessoa iria diretamente para o inferno e fim. Quando minha sobrinha desencarnou, precisei buscar algo que abrisse não só os meus olhos, mas os da minha família também, porque o processo de luto não saía da parte da raiva. Foi através do espiritismo que eu entendi que aquele não precisava ser o fim dela e através de muitas orações e trabalhos espirituais, que eu sei que ela está em um lugar melhor”, relata Cátia. 

“Como é que eu posso dizer que essa pessoa vai sofrer eternamente e não vai ter uma oportunidade?

Quem julga é porque desconhece as dores do outro”

Adilson de Moraes sobre os suicidas 

Cartas psicografadas

 As cartas psicografadas são vistas como um dos maiores instrumentos de conforto para aqueles que perderam entes queridos. Através da mediunidade, espíritos podem se comunicar com os vivos, trazendo mensagens que ajudam no processo de aceitação, na diminuição da saudade e na superação do luto. 

As mensagens são as mais variadas possíveis, indo de um recado amoroso até um pedido de ajuda angustiante por parte do espírito. Adilson conta que algumas cartas não são passadas aos familiares por conta do conteúdo delas e por aquelas pessoas ainda não estarem preparadas para receber notícias dolorosas do outro lado. “Quando recebemos uma mensagem e a carta é escrita, ela não é entregue diretamente ao familiar, passa antes por uma pessoa que analisa o conteúdo e vê se é apropriado a entrega. As cartas psicografadas devem ter um cuidado grande, porque é realmente uma experiência fantástica”, explica o espírita. 

No entanto, Adilson alerta que infelizmente é preciso ter cuidado com charlatões que usam a dor alheia e escrevem cartas falsas e mentirosas, trazendo a falsa sensação de acalanto e muitas vezes o aumento da dor do familiar. Além disso, espíritos malignos podem tentar entrar em contato e confundir a mente dos vivos com mensagens, por isso a necessidade da avaliação. 

Henrique Dias, espírita desde nascença, conta que já teve diversas experiências com cartas psicografadas de familiares e amigos que desencarnaram. A primeira foi uma tia, que morreu quando ele tinha 12 anos. “Eu recebi minha primeira carta aos 15 anos, da minha tia que faleceu por conta de um câncer. Ela era uma das minhas pessoas favoritas no mundo e eu sofri muito quando ela se foi, mas toda minha família falava sobre como ela estava melhor e mais feliz, mas eu sempre ficava com aquela dúvida. Receber a carta foi uma virada de chave para mim, eu tive muito mais ânimo e vontade de estudar, aprimorar minha mediunidade e seguir dentro da religião.” 

“Chico era Chico, ninguém faz igual a ele.” 

Adilson sobre cartas psicografadas 

Atendimento

Dentro da Comunhão Espírita de Brasília, o atendimento para as pessoas que estão passando por um período intenso de dificuldade é realizado por médiuns evoluídos. Quem precisa de ajuda pode buscar orientação na recepção da casa de oração e será encaminhada para um profissional espiritual. Dentro da comunhão, o atendimento recebe o nome de Atendimento Fraterno. Essa orientação, ajuda por ano, mais de 300 mil pessoas, de acordo com o presidente Adilson. “Na Comunhão temos um total de 5 mil voluntários e recebemos muitas doações para manter toda a estrutura da nossa casa e ajudamos por ano 300 mil pessoas”, conta o presidente. 

Entrada das salas de atendimento – Foto: Luara F. Oliveira

A primeira parte desse longo processo é uma conversa aberta e livre sem medo de julgamentos, os sentimentos são expressados e ouvidos de forma empática. Durante a conversa, conselhos e ensinamentos do espiritismo são passados, não impondo uma nova crença, mas apresentando uma nova perspectiva sobre perdas. Adilson vê o atendimento fraterno e o tratamento como uma espécie de UTI, destinada apenas às pessoas em profunda dor e que se veem sem saída. 

Com base nessas trocas, o atendente fraterno sugere tratamentos espirituais e físicos; um desses tratamentos seria o passe. O tratamento espiritual pode ser por algumas semanas ou por alguns meses, dependendo da necessidade de cada paciente e não trata apenas o paciente, mas sim a nuvem, explicada por Paulo Tarso. 

Para espiritualizar a pessoa, ensinar os caminhos que existem após o desencarne e mostrar que a morte não é o fim, o paciente é convidado a participar de palestras, leituras espíritas e momentos de oração.

“As suas experiências são únicas, suas emoções, experiências, ações e conquistas é que vão abrir o teu campo do outro lado.”

Adilson de Moraes Mariz, presidente da Comunhão Espírita de Brasília