Excesso de telas na infância compromete aprendizado e interação

Exposição precoce também pode afetar a memória e o controle emocional

Paola Cieglinski Lobo

Postado em 15/04/2025

A pesquisa TIC Kids Online Brasil (2024) revela um dado preocupante: 93% dos jovens brasileiros entre 9 e 17 anos, cerca de 25 milhões de pessoas, são usuários ativos da internet. Mas o que mais chama atenção é que esse acesso precoce não se limita apenas a essa faixa etária. Um estudo de 2023 do Ministério da Saúde em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal mostra que um terço das crianças brasileiras com até cinco anos já passa mais de duas horas diárias em frente a dispositivos digitais. 

Ao passar muito tempo em frente as telas , as crianças têm menos oportunidade para interagir com o  mundo físico e com outras pessoas. / Foto: Freepik
Ao passar muito tempo em frente as telas, as crianças têm menos oportunidade para interagir com o mundo físico e com outras pessoas. / Foto: Freepik

Esse quadro se torna ainda mais alarmante quando confrontado com dados do Projeto PIPAS (Primeira Infância Para Adultos Saudáveis), que apontam que 24% dos lares com crianças nessa idade não possuem sequer livros, enquanto 33,2% permitem que os pequenos consumam mais de duas horas diárias de conteúdo em TVs, smartphones ou tablets. 

A neuropsicóloga Alessandra Araújo explica que o cérebro infantil, em processo de desenvolvimento, é altamente plástico e adaptável. Quando as crianças passam muito tempo em telas, há uma hiperestimulação das áreas cerebrais relacionadas ao processamento visual e à recompensa. “Isso pode resultar em uma redução na atividade de outras áreas, como aquelas responsáveis pela regulação emocional, memória e habilidades sociais”.

Estratégias para um uso saudável das telas

Diante desse cenário, especialistas destacam abordagens para equilibrar o uso tecnológico com o desenvolvimento infantil. De acordo com as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria, é importante evitar o uso de telas antes dos dois anos, e a partir dessa idade, o tempo de tela deve ser limitado e sempre supervisionado, com conteúdo educativo e apropriado. Alessandra ressalta que “durante os primeiros anos de vida, o cérebro da criança se desenvolve rapidamente por meio de experiências sensoriais e interações sociais, algo que as telas não podem proporcionar”. 

Amanda Machado, mãe de uma criança de 3 anos, compartilha sua rotina bem-sucedida: “Pela manhã, quando acorda, ele fica em torno de 1h30 assistindo algum desenho. E à noite, mais meia hora, no máximo, depois que ele chega da escola”. Ela destaca a importância de selecionar os conteúdos em plataformas e afirma que prefere aplicativos de streaming, onde pode controlar o que é exibido, ao invés do YouTube com seus vídeos automáticos e muitas vezes inadequados.

Além de limitar o tempo, é essencial observar a qualidade do conteúdo, sugere a psicóloga infantil Beatriz Ramos. “Desenhos interativos que ensinam formas, cores e palavras, como Number Blocks, podem ser benéficos quando usados com moderação”. Ela recomenda que os pais criem “momentos de tela compartilhada”, assistindo e interagindo junto com a criança, transformando o consumo passivo em uma atividade interativa.

Os tipo de conteúdo que são benéficos para o desenvolvimento infantil são aqueles que estão dentro da idade e que são educativos. / Foto: Freepik
Os tipo de conteúdo que são benéficos para o desenvolvimento infantil são aqueles que estão dentro da idade e que são educativos. / Foto: Freepik

O impacto das telas para crianças no espectro autista

No caso de crianças no espectro autista, como João, de 5 anos, filho de Juliana Fragoso, os desafios são ainda maiores. “Ele procura vídeos que estejam ligados ao hiperfoco dele, que são letras, números, formas e planetas. Acaba ficando mais agitado e não consegue dormir cedo, evita comer ou até ir ao banheiro para não sair da TV”. Esse comportamento é explicado por Beatriz, às vezes, as crianças dentro do espectro autista já têm uma tendência maior ao isolamento e dificuldade de socialização, nesses casos a tela funciona como uma válvula de escape.

Alessandra observa que crianças autistas frequentemente têm uma sensibilidade maior a estímulos sensoriais e podem se fixar em atividades repetitivas, como o uso de telas. Ela ressalta que isso pode exacerbar desafios relacionados à interação social e comunicação, áreas já impactadas pelo TEA (Transtorno do Espectro Autista). 

Juliana encontrou estratégias que funcionam para seu filho, o matriculou em escola integral e com a política de zero telas. Quando estão em casa,  ela tenta tirar um tempo para interagir com ele, fazer maquetes do sistema solar, imprimir letras e números, fazer fantasias, entre outras atividades.

Ela também destaca que mesmo sendo difícil conciliar com os afazeres da casa e o trabalho, aconselha tentar estabelecer limites e encontrar alternativas a partir dos hiperfocos. “Tenha muita paciência, busque ajuda profissional e use a própria tecnologia ao favor”.

Os especialistas e pais entrevistados concordam que não se trata de demonizar a tecnologia, mas de usá-la com consciência. Amanda Machado afirma que as telas têm esse potencial de oferecer conteúdos que sejam positivos para o desenvolvimento, mas acha que o principal ponto de atenção é que o tempo de tela não ultrapasse o tempo de interação social.

O guia “Crianças, Adolescentes e Telas” lançado pelo Governo Federal, em março deste ano, reforça essa visão, pois oferece estratégias para ajudar famílias e educadores a preparar as novas gerações para um mundo que está cada vez mais digital.