Influenciadores digitais emergem como agentes chave na promoção da leitura

Hábito de leitura cai 4% em 4 anos; influenciadores digitais são principal indicador de leitura para mais de 60% dos leitores

Jéssica Sousa

Postado em 27/03/2024

A pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, conduzida pelo Instituto Pró-Livro e Executivos de Pesquisa e Consultoria (IPEC), identificou uma série de mudanças nos hábitos de leitura dos brasileiros. De acordo com os resultados mais recentes, de 2020, apenas 52% dos brasileiros mantêm hábitos de leitura, o que representa uma queda de aproximadamente 4,6 milhões de leitores em comparação com dados de 2015.  Entretanto, em meio a esse cenário desafiador, um fenômeno vem ganhando destaque: o papel crescente dos influenciadores digitais como agentes influentes na promoção da leitura, que foram apontados como o principal indicador de leitura para mais de 60% dos leitores.  

Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) em 2019 revela que 44% da população não pratica o hábito da leitura e 30% nunca comprou um livro. Fotografia por Jessica Lorrane.

Os porta-vozes da leitura 

A influenciadora digital Rafaella Lobão Chagas, de 21 anos, acumula quase 43 mil seguidores em seu bookgram: uma conta para falar sobre livros com representatividade no Instagram. Rafaella criou sua conta em 2020, para se distrair de um transtorno de ansiedade acentuado pela pandemia. 

“Eu fico cada vez mais chocada com o quanto os influenciadores têm ajudado com a divulgação da leitura no Brasil. Principalmente no TikTok, é incrível o trabalho que os grandes influenciadores literários têm feito para distribuir livros, unir leitores e tornar a leitura mais acessível. Me sinto muito honrada. Até hoje não caiu a ficha de que existem pessoas que já leram livros só por minha causa. Recebo mensagens dizendo que consegui ajudá-las a recuperar o hábito de leitura e é muito gratificante”, compartilha a estudante de biomedicina. 

Para Rafaella, a chave para tornar a leitura mais atraente e acessível a quem não possui o hábito é a seleção cuidadosa do livro, alinhando-se aos interesses do leitor. Ela acredita que as redes sociais possuem um papel fundamental em unir jovens em torno da leitura, criando uma comunidade de interesses compartilhados e incentivando o diálogo e a troca de recomendações literárias, contribuindo para a difusão da leitura no Brasil e unindo as pessoas através de uma paixão comum pelos livros, apesar dos obstáculos. 

“O maior desafio para os brasileiros em relação à leitura é, sem dúvida, o acesso. Os livros se tornaram itens de luxo. Embora haja muitos fatores que influenciam o preço elevado dos livros, espero que possamos encontrar maneiras de tornar a leitura mais acessível para todos no futuro”, conclui. 

No entanto, o poder de influenciar não está restrito ao mundo digital, nem aos jovens. Há quase cinco décadas o livreiro Francisco de Carvalho, de 63 anos, tem sido uma presença marcante nos corredores da Universidade de Brasília (UnB). Testemunhando as transformações do mundo acadêmico e da leitura desde 1975, Francisco – ou Chico, como é carinhosamente conhecido – vendeu livros de mão em mão, e eventualmente ergueu a renomada “Livraria do Chico” na ala norte do campus. 

Francisco de Carvalho exibe foto antiga na qual aparece comercializando livros na Universidade de Brasília. Fotografia por Jessica Lorrane

Chico enfatiza a importância do contato com o livro na experiência de leitura, e se entristece com a falta de interesse dos jovens, atribuindo esse fenômeno principalmente ao tempo vicioso dedicado às redes sociais: “Nos anos 80/90, quando a tecnologia não dominava como hoje, eu vendia inúmeros livros. Hoje em dia, as pessoas não têm mais o hábito de ler como antes. Eu tenho muito apoio, mas muitos dos que vêm até aqui na livraria buscam apenas tirar xerox. É triste acompanhar o processo de desuso do livro físico.” 

O piauiense acredita que é fundamental que a leitura tradicional no Brasil seja retomada. Esquecer um pouco a internet, porque ela tomou uma proporção muito grande na vida das pessoas. 

Leitores 

Os benefícios da leitura são vastos e bem documentados, abrangendo aprimoramento da escrita, aumento da bagagem cultural, redução dos níveis de estresse em até 68%, proteção contra doenças neurodegenerativas como demência e alzheimer, desenvolvimento de empatia e pensamento crítico. 

Ana Cecília Bezerra, universitária de 20 anos, redescobriu seu amor pela leitura em gêneros como ficção científica, drama, fantasia, romance e slasher (um subgênero de terror), graças às recomendações de influenciadores digitais. 

A hashtag ‘‘BookTok’’ acumula por volta de 215 bilhões de visualizações no aplicativo TikTok, e a hashtag ‘‘BookTokBrasil’’ 20,4 bilhões de visualizações. Ana, que faz parte desses números, compartilha que costuma sentir vontade de ler algum livro após vê-lo ser comentado na internet: “Tenho uma pasta no TikTok só com indicações de livros salvos. Acredito que seja o maior meio de divulgação”. Ela explica que a leitura exerce a função de entretenimento em sua vida, por buscar se desconectar do mundo real, mas já aprendeu muitas coisas com o que consome: “A leitura recorrente me trouxe muitos benefícios, fora ler mais rápido e melhoria na escrita, eu também passei a me comunicar melhor com as pessoas ao meu redor”. 

Maria Gabriela Pedro, estudante de Engenharia Civil, encontrou na leitura um meio de expressão e emoção. Para Maria, a leitura atuou como um refúgio e trouxe fluidez à sua fala, à medida em que a jovem aprendia a se expressar. 

Lívia Diniz de Aguiar, de 18 anos, utiliza a leitura para vivenciar uma gama de sentimentos e passar o tempo, e costuma encontrar suas leituras através das redes sociais ou recomendações de amigas: ‘‘Grande parte das leituras que já fiz foram devido a algum vídeo no TikTok ou Instagram. Meu próprio hábito de ler teve início por causa desses vídeos de recomendação. Geralmente, leio cerca de 500 páginas por semana. Ler com maior frequência me ajudou muito nos tempos de estudo para o vestibular. Como tinha muito repertório, desenvolvia minhas redações com mais facilidade. Conforme a frequência de leitura aumentava, conseguia ler mais páginas mesmo com as distrações do ambiente”, compartilha a estudante de psicologia. 

As redes sociais e as recomendações de amigos são fontes valiosas para encontrar novos livros, como compartilhado por Deborah Natalia Bueno dos Santos, estudante de 20 anos. Ela acredita que a leitura é um portal para a criatividade e um meio de explorar ideias que vão além da realidade cotidiana, proporcionando relaxamento e aprendizado sobre novas culturas.