Jovens se queixam do medo de voltar a se relacionar devido à pandemia
Essa apreensão é explicada pela sigla em inglês F.O.D.A, criada para designar a dificuldade e os bloqueios desenvolvidos durante o período de isolamento social
Postado em 11/09/2021
O isolamento social recomendado para conter a transmissão do novo coronavírus trouxe à tona novas síndromes e a acentuação de outras já existentes. O Fear of Dating Again (FODA), em tradução livre, medo de namorar novamente, foi uma delas. O termo, que surgiu no exterior, se popularizou após um estudo feito pelo aplicativo de relacionamento Hinge e foi usado pela primeira vez no jornal britânico Metro.
O psicólogo Pedro Bonaldo explica que esse medo é resultado da necessidade de ficar por muito tempo em casa. O especialista conta que, durante esse período, as pessoas ficaram mais fechadas e as habilidades sociais mais restritas, sobretudo as românticas. “Para quem já era tímido, ou até mesmo para quem tinha certa habilidade de relacionamento, por conta da pandemia, é como se essas habilidades ficassem enferrujadas. Leva um tempo até que as pessoas possam novamente conseguir se conectar aos outros e desenvolver essas práticas que ficaram atrofiadas”, esclarece.
A estudante Victória Cavalcante, 21, se identifica com o transtorno pandêmico. Sem ir a encontros românticos desde o início da pandemia, Victória diz que antes desse período era muito mais fácil interagir, conversar e socializar, agora existe um sentimento de incômodo e um aumento de ansiedade.
A jovem não é uma das únicas a deixar de frequentar encontros presenciais. De acordo com um levantamento feito pelo PoderData, 63% dos brasileiros solteiros não vêm encontrando outras pessoas durante a pandemia. Desse total, 68% correspondem a mulheres e 55% são homens. O estudo ainda mostra que, apesar dos baixos percentuais, os jovens de 16 a 24 anos são os que mais saem para encontros, correspondendo a 35% do percentual de solteiros.
Gabriel Menezes, estudante, 24, chegou a frequentar encontros românticos, mas a dinâmica foi completamente diferente de como acontecia antes do período pandêmico. Para ele, desde a escolha do lugar, ao modo de se comportar, e até as palavras usadas, viraram motivo de preocupação.
“Pelo fato de estar saindo menos, de ter ficado muito tempo sem flertar, sem conversar, sem interagir com essa intencionalidade de ficar com alguém, foi muito difícil. Teve um date que eu tive um tempo atrás, que eu saí com a menina e não tive coragem de beijar ela. Eu fiquei muito preocupado”, explica Gabriel.
Aplicativos de relacionamento são uma alternativa?
O psicólogo Pedro Bonaldo esclarece que é melhor ter o contato virtual do que não ter nenhum contato e acrescenta que “para o desenvolvimento pleno da saúde mental é necessário esse contato físico, pessoalmente”.
Para a Psicóloga Iara Cortez, os aplicativos de relacionamento interferem nesse interesse de sair do virtual para o presencial: “Para uma pessoa passar por esse crivo de chegar a um encontro presencial é muito mais complicado que antes da pandemia. Envolve todo um risco, toda uma exposição para que esse encontro aconteça. O papo da pessoa tem que valer muito a pena, se assim podemos dizer”.
A profissional analisa que, no virtual, os indivíduos tendem a assumir uma persona diferente do que é no contexto presencial, que, mesmo sem querer, vulnerabilidades são expostas com mais facilidade. “Por ter que suprir uma expectativa que talvez não seja atendida, nós nos prendemos a ficar atrás de uma tela”, explica.
Como um usuário bastante ativo antes da pandemia, Gabriel Menezes não considera os aplicativos como uma boa alternativa. Para ele, as redes funcionam para encontrar novas pessoas e conhecê-las de forma rasa, pois acredita ser necessário o encontro presencial para o início de uma conexão maior.
“Eu fiquei muito preocupado [de sair com pessoas] por conta do coronavírus. A gente às vezes acaba não sabendo se a pessoa se cuida e isso me fechou um pouco para continuar usando os aplicativos”
O futuro dos solteiros
“Aos poucos a vida vai retomando”, aponta Cortez. Para a redução dos impactos comportamentais causados pela pandemia, a psicóloga recomenda a criação de hábitos que ajudem a exercitar a comunicação e o ato de dar e manter a atenção no outro. A especialista sugere que, tomando todos os cuidados, as pessoas resgatem o hábito de sair de casa para fazer coisas que as tragam para a realidade.
“A partir do momento que eu volto ao mundo real, que eu começo a praticar uma atividade física lá fora, começo a me encontrar com um grupo pequeno de amigos, começo a dar atenção a essa questão da comunicação, eu consigo ir treinando e voltando à vida”.
Quanto aos solteiros que estão na pista, o uso de máscara e de álcool em gel, além da vacinação, é um pré-requisito exigido por muitos.
“Eu fiquei muito criterioso. Agora eu vou tentar me relacionar com pessoas que têm certo nível de responsabilidade em relação a situação que estamos vivendo. Acho que por bastante tempo eu não vou me relacionar com alguém que tenha colocado a vida de outros em risco por uma questão individualista de querer se aglomerar de maneira irresponsável”, afirma Gabriel Menezes.
E quanto aos cuidados com a saúde mental, o psicólogo Pedro Bonaldo sugere que, caso o comportamento comece a atrapalhar de forma intensa, a causar ansiedade ou tristeza aguda, o recomendado é buscar um acompanhamento terapêutico para evitar qualquer tipo de agravamento.