Minha roupa diz quem sou
Nas periferias, moda é discurso, rebeldia e identidade
Postado em 08/04/2024
Na esteira de uma revolução estilística, a comunidade periférica está redefinindo os paradigmas da moda, destacando uma identidade cultural própria que irradia resistência, criatividade, autenticidade, crenças e os valores de uma comunidade.
Segundo a análise da antropóloga e socióloga Mariana Costa, a moda nas comunidades periféricas transcende a mera vestimenta, sendo uma expressão de identidade e uma ferramenta política. Nas palavras da especialista, o modo como as pessoas se vestem nessas regiões é uma forma de posicionamento, destacando-se a adoção da moda da “ostentação” como uma maneira irônica de desafiar o sistema. Essa escolha estilística, de acordo com a socióloga, carrega consigo narrativas políticas que refletem os valores e aspirações das comunidades periféricas.
Marcas globais como a Oakley, conforme observado por Mariana, representam mais do que um capital material, sendo principalmente um capital simbólico envolvido em uma negociação identitária. Para ela, essas marcas são símbolos quase totêmicos de identidade, cujo consumo aprofunda as desigualdades sociais. No entanto, na periferia, há um movimento emergente para promover um empreendedorismo associado ao desenvolvimento técnico como meio de mudança social, reestruturando as noções de consumo, status e pertencimento social.
“Na periferia a moda existe como uma fonte criativa de resistência simbólica, e vem mobilizando simbolicamente um novo comportamento de motriz cultural. O que se entende como moda periférica hoje molda uma estética contracultural mesmo nos centros das cidades. O que tem potencializado uma emancipação identitária dessas identidades por meio de transformações de uma autopercepção individual e coletiva que são substanciais nas representações sociais desses grupos e da forma como estes acionam demandas e pautas políticas.” – Mariana Costa
Marcas como Oakley, Cool Cat, Cyclone desempenham um papel crucial nesse cenário. Elas não são escolhidas apenas por suas características, mas também por representarem um estilo de vida e uma forma de pertencimento a uma comunidade.
O estilista Victor Soulivier, fundador da marca Tela Ambulante, considera que a moda brasileira tem raízes profundas na periferia, refletindo a essência e os valores dessa comunidade marginalizada. No entanto, mesmo com grandes marcas que se apropriam esteticamente desse contexto, há uma sensação de exclusão e inacessibilidade para aqueles que realmente representam essa estética. A ausência de artistas periféricos na criação dessas coleções e a falta de retorno dessas marcas para a sociedade periférica revelam uma apropriação cultural e uma invisibilidade dos verdadeiros protagonistas. Enquanto peças com estética de ostentação são glamourizadas e vendidas a preços exorbitantes, as pessoas pobres que adotam o mesmo estilo enfrentam violência e marginalização diárias.
Segundo Victor, a popularidade de marcas como a Oakley nas periferias está ligada a um desejo de sucesso e aceitação, muitas vezes associado a um estilo de vida incompatível com a realidade. Essas marcas seriam vistas não apenas como produtos de moda, mas como vendedores de um estilo de vida “falso” e “tóxico”, que seduz as pessoas a aspirarem a um padrão inalcançável. A ostentação e a busca por status estariam entre os motivos que impulsionam o consumo dessas marcas. No entanto, essa tendência levanta questões sobre a verdadeira natureza da moda e seu impacto nas comunidades periféricas, destacando a importância de repensar padrões de consumo e valores estéticos.
Vozes da periferia: Uma reflexão sobre estilo e identidade
No contexto da moda urbana, adentrar nesse cenário diversificado significa mergulhar em uma realidade onde estilo, funcionalidade e identidade se entrelaçam de forma única. É dentro desse contexto que Camyle Soares, 18 anos, uma entusiasta das marcas urbanas, compartilha sua visão sobre a Oakley, uma das marcas que mais atraem sua atenção. Para ela, a Oakley não é apenas uma marca de moda, mas sim um símbolo de qualidade, inovação e até mesmo status, onde cada peça representa mais do que apenas um item de vestuário.
“Para mim, as peças garantem conforto e me fazem sentir lindíssima. Apesar de alguns usarem para se gabar pela peça ser cara, ou seja lá o que for, muitos que tem esse estilo “mandrake” acabam sofrendo uma certa discriminação, mas eu nunca passei por discriminação pelo meu estilo.” – Camyle Soares
Já Diogo Cardoso, 20 anos, acha que sua criação no meio dos “maloqueiros” influenciou muito sua percepção do que é considerado bonito ou não. Ele descreve seu estilo como “cria” e se atrai pelas estampas e pela marca em si, enfatizando que gosta de estar bem vestido. No entanto, ele reconhece que esse estilo é frequentemente julgado, e está ciente das dinâmicas sociais que envolvem essa estigmatização.
Marcos Paulo, 20 anos de idade, relata que gosta tanto do estilo que já fez parte do grupo BDO (Bonde da Oakley), ele relembra com nostalgia o prestígio da marca em sua comunidade
desde a infância, destacando o sonho de todo adolescente de possuir uma botinha da Oakley. Apesar dos preconceitos em relação ao estilo de roupa, Marcos afirma que não se importa com as opiniões alheias e que se sente confortável com sua própria identidade. Sobre a Coolcat, Marcos destaca sua abordagem mais ousada, que se destaca com roupas coloridas e bermudas com desenhos, diferenciando-se de muitas outras marcas.
Henrique Siqueira, 22 anos, conta que sua atração pelas marcas, especialmente a Oakley, vem das roupas que oferecem, e acredita que seu estilo é muito influenciado pelo ambiente em que cresceu, onde via seu irmão mais velho usando essas roupas desde criança, o que sempre o fez se identificar com elas, geralmente pelas estampas. Embora muitos jovens usem essas marcas, ele não se importa se seu estilo é aceito ou não pela maioria, e acredita que um diálogo educado pode dissipar os preconceitos.
As marcas Oakley, Cyclone e Cool Cat já estão enraizadas no dia a dia do Davi Matheus, 20 anos de idade, ele descreveria seu estilo como “flagrante”, pois vê essas roupas como uma representação genuína de quem ele é, ao contrário de uma gola polo engomadinha que ele diz não se identificar. As estampas sempre chamativas e diferenciadas nas camisas e bermudas, com desenhos de dinheiro, palhaços e mulheres, são elementos que Davi aprecia e que ressoam com o ambiente da quebrada, onde recebe elogios e admiração. Porém, fora desse ambiente, em locais mais sofisticados, ele percebe um olhar diferente e por vezes preconceituoso, que denota uma certa distância social. No entanto, ele sente satisfação ao frequentar lugares frequentados por pessoas de outras classes sociais usando roupas das marcas Cyclone e Cool Cat, mesmo que alguns possam julgar sua origem pela sua vestimenta.