Novo ensino médio: entenda o que muda na estrutura curricular
Segundo o MEC, novo modelo de educação deve ser totalmente implementado até 2024
Postado em 31/03/2022
Alunos do ensino médio das redes pública e privada viverão alterações em sua grade curricular. Em 2022, escolas de todo o país começam a implementar o novo ensino médio, que prevê três grandes mudanças: adoção da formação geral básica, aumento da carga horária e a escolha de itinerários formativos. As modificações ocorrerão gradualmente, começando pelo 1º ano. Em 2023, a implementação segue com o 1º e 2º anos e, em 2024, completa-se o ciclo com os três anos do ensino médio.
O novo formato de educação propõe que os estudantes já saiam do ensino médio com uma formação técnica. Se antes a grade curricular visava a entrada no ensino superior, agora está mais voltada ao mercado de trabalho. Para a diretora do Colégio IESB, Dila Lira, a expectativa é grande. “Com o novo ensino médio a gente espera que os alunos possam trabalhar melhor habilidades e competências em suas áreas de interesse, e, assim, saírem do ensino médio melhor preparados para a graduação e também para o mercado de trabalho. Ele abre a possibilidade de uma formação mais completa e direcionada às reais aptidões de cada aluno.”
Por outro lado, Eustáquio Vidigal, professor de história e especialista em gestão escolar, diz que o novo modelo agrava a desigualdade educacional. “Quando a gente coloca isso dentro da realidade do nosso país, a gente percebe que não é tão bonito assim. Eu acredito que estamos tendo um retrocesso, voltando para os anos 1940 e transformando a nossa educação em uma educação voltada exclusivamente para a elite. Boa parte da população acaba ficando de fora do processo de engajamento que é proposto pelo novo ensino médio.”
A formação geral básica (FGB)
A FGB é o conjunto de aprendizagens comuns e obrigatórias a todos os estudantes. No novo ensino médio, essas aprendizagens se organizam em 4 áreas de conhecimento e seus componentes curriculares. Essas áreas abrangerão todas as disciplinas que já eram abordadas no antigo modelo, sendo assim, nenhuma delas será excluída da grade. Além disso, a escola poderá acrescentar dois Projetos Integradores que serão trabalhados.
Aumento da carga horária
No antigo ensino médio, a grade curricular era realizada através de 12 disciplinas divididas em 4 áreas de conhecimento: Matemática, Linguagens, Ciências Humanas e Ciências da Natureza. A carga horária mínima obrigatória ao longo dos três anos era de 2.400 horas, sendo 800 horas anuais.
Agora, além das 4 áreas de conhecimento, também haverá formação técnica e profissional. A carga horária foi ampliada para 1.000 horas anuais, ou seja, 3.000 horas no período de três anos. O acréscimo será voltado às disciplinas obrigatórias estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as quais serão destinadas 1.800 horas, e aos itinerários informativos, que terão, no mínimo, 1.200 horas.
De acordo com o MEC (Ministério da Educação), o propósito do aumento da carga horária é fazer com que haja menos evasão escolar. Um levantamento feito pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) aponta que, em 2020, mais de 155 mil alunos abandonaram o ensino médio. A especialista em educação, Lilian Dornelas, acredita que não seria necessário criar um novo modelo de educação para diminuir a evasão. “É necessário estrutura familiar e políticas públicas. Um ambiente onde o aluno tem, além do direito, condições de ter qualidade de vida é essencial. Responsáveis que sustentam a família toda com um salário mínimo, muitas vezes não conseguem suprir as necessidades do lar. Então, quando o jovem estudante vê a dificuldade que os responsáveis têm para dar tudo aquilo que ele precisa, ele vê a necessidade de trabalhar.”
Itinerários formativos
Os itinerários formativos são atividades formativas de aprofundamento de acordo com a escolha dos estudantes e serão montadas a partir do projeto de vida dos alunos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) prevê que os itinerários poderão ser definidos pelas próprias redes de ensino, com isso, existirão formas de organização diferentes, porém, todas vinculadas à BNCC.
Os itinerários, parte flexível do currículo, são compostos por:
- Aprofundamento: Tem como objetivo ampliar os aprendizados promovidos pela formação básica estabelecida pela BNCC. É importante que sejam disciplinas atreladas a temáticas atuais e que sejam de interesse do aluno.
- Projeto de Vida: É focado em ajudar o estudante a planejar o futuro, identificando interesses, habilidades e potenciais. Com auxílio dos professores, os alunos definirão seus objetivos, tomarão decisões e agirão com responsabilidade e autonomia
- Eletivas: São unidades curriculares com duração recomendada de um semestre onde o estudante tem autonomia para escolher de acordo com seus interesses. Entre as áreas de conhecimento pelas quais podem optar estão linguagens, ciências humanas e sociais, ciências da natureza, matemática e formação técnica. Empreendedorismo, processos criativos e investigação científica são alguns exemplos de Eletivas.
Para Eustáquio, esses itinerários funcionarão bem em escolas particulares, mas na rede pública, o abismo será maior. “Vai ser gritante essa disparidade, ela já existe, mas o novo ensino médio traz isso mais à tona. Uma coisa é você ter uma escola que tem computadores e acesso a internet para colocar em prática esses itinerários impostos pelo ensino médio. Outra coisa é você chegar numa escola que mal tem um banheiro funcionando e falta de professores. A desigualdade é gigantesca”, disse.
Em contrapartida, Dila acredita que o novo ensino médio conseguirá diminuir a desigualdade e seguir parâmetros igualitários de oferta. “Ele (o novo ensino médio) permite que os professores das áreas de conhecimento enfatizem aquelas áreas em que os alunos têm mais necessidade ou mais habilidade. Com as disciplinas optativas é possível que se trabalhe o que cada comunidade tem de melhor. O novo ensino médio pode ajudar a diminuir a desigualdade a partir do momento em que ele enfatiza o que cada comunidade precisa e o potencial que cada comunidade tem para crescer e desenvolver o aluno”.
O Enem também muda
O novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) começará a valer a partir de 2024. Em coletiva realizada no dia 17 de março deste ano, o até então ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que o novo formato teve como base “a legislação e as melhores referências nacionais e internacionais”. O Enem será realizado em duas etapas, e cada uma contemplará um instrumento: A primeira, a Formação Geral Básica, com disciplinas definidas pela BNCC, com questões interdisciplinares que meçam a capacidade de raciocínio e argumentação do participante. A segunda, os itinerários formativos, focado nas áreas de conhecimento escolhidas pelo aluno.
O estudante do novo ensino médio, Dylan Crepalde, relata que o modelo do novo Enem é desanimador. “Se eu tinha alguma chance de conseguir passar numa universidade, com essa possível mudança, a chance sumiu. A meu ver, só vai dificultar mais as coisas, assim como o novo ensino médio”.