O aniversário é meu, mas a festa é de todos

Professora e contadora de histórias, Nyedja Gennari comemora a data junto de quem mais precisa

Fernanda Rodrigues Ferreira

Postado em 11/04/2022

Quem nunca na vida teve aquele estalo de “o que eu posso fazer para ajudar o próximo?” A professora e contadora de histórias Nyedja Gennari, 45 anos, viu que precisava fazer algo a mais do que o figurino exigia. Do desejo, partiu para a prática. Tudo começou na sala de aula da rede pública na região administrativa do Recanto das Emas, onde ela notou que seus alunos, da Educação de Jovens e Adultos, não se concentravam nas aulas pois estavam com fome. Nyedja começou a levar pão com margarina para que pudessem prestar mais atenção. “A educação sozinha, se não tiver um amparo psicológico, um amparo social, ela não funciona,” afirma. 

Há seis anos, quando completou 40 anos, Nyedja tomou a decisão de transformar sua festa de aniversário em uma ação social, com bazar de roupas, contação de história e café da manhã; 50 pessoas participaram, entre alunos e familiares. 

No ano seguinte, através de um projeto de educação do governo, Nyedja levou o seu dom de contar histórias e lecionar à expansão da comunidade de Santa Luzia, na Estrutural, onde as pessoas sobreviviam da reciclagem do antigo lixão, desativado em 2018, considerado o maior da América Latina. Lá ela continuou a celebrar seu aniversário, agora para mais famílias.”Fiz inicialmente para 200 famílias, com sobra para 50; e dito e feito, foram 250 famílias. Em 2018, a festa aconteceu para 350 e no ano seguinte para mais de 400″, relembra. 

Em 2020, a festa seria para 750 famílias, mas veio a pandemia. Gennari continuou a arrecadar doações- juntou 100 cestas básicas – e mesmo com medo de sair de casa foi à expansão no final de março sabendo que a situação lá estava pior, com tudo sendo fechado. Foi quando encontrou Jaqueline Pereira, 32 anos, moradora e líder da expansão, que estava passando fome com os quatro filhos. Elas se aproximaram e Jaqueline se tornou seu contato com a comunidade. 

A expansão da Santa Luzia fica atrás da Cidade do Automóvel, na Estrutural. Foto: Nyedja Gennari

Hoje Jaqueline é uma das responsáveis por administrar uma planilha que controla quem recebeu doação, uma forma de tentar, na medida do possível, atingir boa parte dos moradores. “Tenho mais de 500 famílias cadastradas; assim reunimos as famílias em situação de vulnerabilidade e fazemos a distribuição de cestas, roupas, calçados. Já foram mais de 3 mil famílias atendidas graças a amigos e parceiros que nos ajudam, e com esse trabalho de formiguinha ela está matando a fome de muita gente aqui”, conta Jaqueline. 

Com o contexto pandêmico, Nyedja se viu na situação de ajudar os moradores ao longo de todo o ano. E apesar de receber, sempre que possível, apoio de quem sabe de seu trabalho, ela ainda retira uma parcela de seu salário para que a ajuda não cesse. “Eu entendo que as pessoas não têm como arcar com um compromisso que eu mesma assumi,” diz

Neste ano, para celebrar seus 46 anos, Nyedja enfrenta o desafio de conseguir vender suas rifas para que ao menos a ação de Páscoa possa ser realizada. Ela pretende também reunir as pessoas para um almoço na comunidade.

A cesta básica foi um dos itens que mais encareceu na pandemia. Foto: Nyedja Gennari