O debate sobre moda não é uma pauta moral

A fala é da jornalista e ativista de moda Iara Vidal, representante da Fashion Revolution Brasília

Bruna Teixeira Ricco

Postado em 06/05/2022

Quase dez anos depois de um dos maiores desastres industriais da história, o mundo celebrou a Semana Fashion Revolution, de 18 a 24 de abril. O movimento tenta trazer a conscientização sobre os problemas mais imediatos da indústria da moda, ao mesmo tempo em que a celebra como uma influência positiva e examina as práticas do setor. O objetivo não é fazer com que as pessoas se sintam culpadas, mas, sim, reconhecerem o poder que elas têm para uma mudança positiva.

O último dia da Semana marca o aniversário do desastre, ocorrido em 2013 no edifício Rana Plaza em Bangladesh. Foram mais de 3,5 mil vidas impactadas com o desabamento do prédio e as vítimas eram, em sua maioria, mulheres jovens. O caso tomou notoriedade por haver a fabricação de marcas globais no local. Jornalista, moda ativista desde 2017, e representante do movimento em Brasília desde 2018, Iara Vidal, conta que essa revolução é parte de um processo de mudança no olhar que as pessoas têm para a moda.

A indústria da moda é uma das poluentes do mundo. Segundo o relatório Fashion Climate , do Global Fashion Agenda com a McKinsey and Company, as empresas que confeccionam roupas e acessórios emitiram, em 2018, cerca de 2,1 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa. / Foto: Fashion Revolution.

O Brasil detém o 4º lugar mundial no setor têxtil e de confecção e fatura bilhões ao ano. Em contrapartida, produz  170 mil toneladas de resíduos têxteis descartados também ao ano, sendo 85% em aterros e lixões. Os números são absurdos e os impactos, enormes. Esgotamento de recursos, mudanças climáticas, sofrimento animal, poluição da água, destruição do habitat, insegurança alimentar, poluição do ar, abusos dos direitos humanos.

“Eu considero a moda a filha predileta do capitalismo. Se você quiser entender o modelo basta observar os movimentos dessa indústria.” A fala da ativista diz respeito a grandes marcas que queimam estoque para não se “popularizarem” na sociedade. A necessidade do ter e ser que o capitalismo traz ao ser humano tem cegado a sociedade para assuntos de extrema relevância. Pesquisas mostram que 88% dos consumidores querem que as marcas ajudem eles a serem mais ecológicos.

“O mundo da moda é aquele em que a gente vive. Ela interfere e é interferida por tudo que acontece na nossa sociedade”, Iara Vidal. / Foto: Fashion Revolution.

Mas números mostram que se a indústria da moda não mudar a forma de trabalho, até 2050, será responsável por 26% do carbono mundial. Iara conta que vê a consolidação de um novo olhar sobre questões de consumo. “A gente precisa enquadrar a indústria têxtil de confecções na política nacional de resíduos sólidos. O Fashion Revolution Brasil lançou no dia 24 a agenda legislativa da moda ética, então é um debate sério. Além de achar muito injusto quando colocam sobre os ombros do consumidor a responsabilidade por uma mudança.”

A luta do movimento é pelo fim da exploração humana e ambiental. É por uma indústria global que trabalhe para conservar recursos preciosos e regenerar ecossistemas. Por uma cultura de transparência e responsabilidade. Pelo fim da cultura do descartável e a mudança para um sistema em que os materiais são usados por muito mais tempo e nada é desperdiçado. É alcançar uma indústria global que conserva e restaura o meio ambiente e valoriza as pessoas acima do crescimento e do lucro.