O dress code de mulheres jornalistas
Profissionais adotam trajes mais formais para evitarem assédio e comentários machistas
Postado em 20/04/2022
No livro Mulher, roupa e trabalho: como se veste a desigualdade de gênero, de Mayra Cotta e Thais Farage, a moda é abordada a partir das suas raízes políticas, tendo como referência a roupa das mulheres no espaço de trabalho. É muito comum ouvir que moda é expressão, logo, a roupa comunica algo do indivíduo que a usa. As mulheres jornalistas, por exemplo, ao exercerem seu ofício, acabam por adotar um dress code mais formal. E qual seria a razão disso?
Pesquisas da Fenaj e da Abraji confirmam que o Brasil é um dos países mais hostis com as mulheres jornalistas, vítimas de violências verbais e assédio sexual durante o expediente. Essas violências sofridas na maioria das vezes é relacionada ao gênero. De acordo com a Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas, durante o governo Bolsonaro, 26% das mulheres jornalistas sofreram ataques, em sua maioria com viés machista e misógino. Essas profissionais são as mais atacadas virtualmente, ofendidas na integridade e vida pessoal. Um caso que ganhou notoriedade à época aconteceu com Júlia Guimarães, repórter da TV Globo, vítima de assédio na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, no meio de uma reportagem ao vivo.
O termo Dress Code significa um código de vestimenta, que varia de acordo com a área, biotipo do profissional e gênero. “Eu já tive casos de mulheres dizendo que eram assediadas e não queriam mais passar por isso no trabalho. Infelizmente, se você estiver com um decote profundo é capaz que isso aconteça. Não deveria, mas é uma realidade”, lamenta Janaina Megda, supervisora de Imagem Estilo/Figurino da Record TV Brasília.
Ambientes majoritariamente ocupados por homens na liderança ainda possuem pouco ou nenhum suporte para as funcionárias diante de comentários machistas travestidos de elogios. “Já aconteceu de eu ser “elogiada” por estar “enfeitando o ambiente com a minha beleza”, quando tratava-se de uma reunião na qual decisões importantes seriam tomadas e eu não tinha o mínimo de intimidade com os envolvidos”, relata Suellen Siqueira, assessora de comunicação do Ministério da Defesa.
Luiza Melo, 19 anos e estagiária de jornalismo no mesmo ministério acredita que o governo atual tem grande influência no aumento de hostilidade contra jornalistas. “Eu acho que esses dados cresceram bastante no governo Bolsonaro, porque ele abertamente faz críticas a jornalistas e as hostiliza tanto nas suas redes sociais quanto em manifestações presenciais”, diz.
E para conquistar respeito e até mesmo reconhecimento profissional, a mulher precisa se esforçar muito mais para provar o seu valor. “Acredito que a maior parte de nós, mulheres, comumente somos elogiadas pelos atributos físicos, pela aparência, pela feminilidade e sensualidade. E, em menor grau, somos reconhecidas por nossos talentos, conhecimentos e potenciais. Ser considerada inteligente, bem articulada e qualificada me agrada mais do que ser considerada bonita. Reconheço que sou e posso ser tudo isso, sem que a estética se sobreponha e o respeito prevaleça”, enfatiza Suellen Siqueira.
Jéssica Nascimento, repórter da Record TV Brasília, já escutou comentários desnecessários, que se referiam diretamente ao seu gênero e também sobre seu zelo ao se vestir para trabalhar. “Eu sempre me preocupei em estar bem vestida de acordo com a minha profissão, mas eu trabalho muito na área policial e já ouvi comentários desagradáveis e machistas. E as vezes ao cobrir polícia, onde só tem você de mulher, acontece esse tipo de inconveniente. Também por eu ser mulher e aparentar ser mais nova”, diz a repórter.
Apesar de ter passado por experiências desagradáveis, Jéssica sabe que seu modo de vestir interessa somente a ela. “A roupa não é só roupa. É uma forma de linguagem que mostra quem você é, qual o seu estilo, sua personalidade. Estando do jeito que eu gosto, consigo ser uma pessoa mais natural, feliz, alegre, tranquila e mais segura de mim mesma para trabalhar”, destaca Jéssica.