Onde há fumaça, há fogo!

Entenda os hábitos de usuários do cigarro e como é possível vencer o tabagismo e melhorar a qualidade de vida

Reportagem multimídia

Postado em 17/07/2023

Dados mostram como está a situação atual do tabagismo em Brasília

Por: Carolina Spinola, Giovana Alves, Lorrane Gomes e Sthefanny Sousa

“Não consigo ter precisão de quando me tornei viciado de verdade.” Assim começa o depoimento de Josimar Fernandes, ex-fumante que iniciou a prática aos 16 anos, mas se tornou viciado, de fato, nos anos seguintes. Hoje, com 60, o atendente conta como era comum a inserção no mundo do tabagismo na adolescência e ainda mais difícil se desvencilhar dele no decorrer da vida. 

Para ele, largar o vício de fumar só foi possível pelo medo da morte. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que o tabagismo é uma das principais causas de óbitos evitáveis no mundo.

 Josimar não está sozinho. Em Brasília, 11,8% dos adultos fazem uso de cigarro, sendo a segunda capital do país com o maior índice de fumantes, de acordo com pesquisa de 2021 da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por inquérito Telefônico (Vigitel).

Assim que inalada, a fumaça perpassa a boca e a garganta, chegando aos pulmões. A nicotina é distribuída pelo sistema circulatório, atingindo o restante do corpo e chegando ao cérebro, causando alteração no humor, relaxamento e, consequentemente, uma dependência que gera mudança nos hábitos do usuário. 

A desassociação do cigarro às atividades diárias foi uma das partes mais difíceis para o atendente. Um simples hábito como tomar um café e fazer uma refeição já remetia ao vício e, se nesses momentos o tabaco já era uma necessidade, nas horas em que o nervoso e o ócio se faziam protagonistas, não existia outra opção se não o uso.

A nicotina é a principal substância para a causa da dependência tanto do cigarro convencional como dos eletrônicos, que são derivados do tabaco, segundo informações do Ministério da Saúde (MS).

É o que vivenciou também Erivan Maia, 55. Para ele, o fumo tornou-se parte da rotina, mesmo sem a vontade do consumo em si. “Não conseguia fazer certas coisas se não fumasse. Tudo eu criava um hábito. Antes de ir ao mercado, eu saía do carro e pensava que ainda tinha tempo de fumar antes de fazer as compras. Muitas vezes nem era a vontade e nem o desejo.”

Era uma carteira por dia, 20 cigarros em 24 horas. Erivan já estava relacionando a vivência a outras práticas, como tomar café e cerveja, que não podiam ser consumidos sem a companhia do fumo. Sua rotina foi entregue ao cigarro por 40 anos. “Eu acordava e pensava no meu cigarro e ia deitar pensando no cigarro”, diz.

Melissa*, 18, faz uso do cigarro eletrônico diariamente. Para ela, o cigarro tradicional causa mais problemas à saúde e, como a maioria de seus amigos também utiliza, não é tão maléfico. Mesmo com a prática rotineira, a estudante não acredita se tratar de um vício.

“Faço uso do pod assim que acordo, antes mesmo de escovar os dentes, e durante todo o meu dia. Apesar disso, não acredito que seja um vício e que seja tão prejudicial à saúde, diferente do cigarro”, afirma. 

O cigarro eletrônico é muito comum no público jovem com a substituição de alguns pontos negativos relacionados ao convencional, como o odor e a praticidade. Popularmente chamados de “pod” e “vape”, os dispositivos têm a comercialização proibida pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda são de fácil acesso.

Entretanto, a médica Natália Costa, explica que é um mito que o cigarro eletrônico causa menos efeitos negativos à saúde. “Tem bastante substância prejudicial, cancerígena, para o  sistema pulmonar, cardiovascular. Não é uma uma substância segura, só por ser eletrônico”.

Melissa afirma que hoje vê o dispositivo como um companheiro para escapar da realidade e se acalmar com mais eficiência. “O uso, que começou em festas, acabou sendo levado comigo para quando estou estressada, precisando de um tempo sozinha”, compartilha.

Não é fácil vencer o vício e desvincular de um hábito já criado. Para cumprir o desafio, Josimar relembra como foi difícil o percurso até conseguir largar o cigarro. Durante 22 anos como fumante e duas tentativas falhas de romper o vício, em janeiro de 2001 ele deu um ponto final e mudou completamente a vida.

Como vencer o tabagismo

Vencer o tabagismo é um processo desafiador, mas recompensador, que envolve abandonar o fumo e adotar um novo estilo de vida, consequentemente mais saudável. Identificar os gatilhos e as situações que levam ao consumo é uma parte fundamental no processo de superação e, ao identificá-los, é importante que alternativas mais benéficas à saúde sejam desenvolvidas.

E como diz o ditado popular, promessa é dívida. O valor pago pelo ex-fumante foi o sacrifício da vida sem o cigarro. Esse desafio foi aceito por Josimar, que depois da promessa feita aos mais próximos, nunca mais encostou em um cigarro.

“Falei para todos os familiares e amigos mais próximos que no dia do meu aniversário (faltava mais ou menos seis meses para a data de aniversário) seria o último dia que colocaria um cigarro na boca. Repeti essa promessa diariamente para mim e para todos que estavam próximos a mim. E assim eu fiz. O último dia que fumei foi 24 de janeiro de 2001. Foram mais ou menos três meses de muita força de vontade e determinação”, conta. 

A pneumologista Gisele Rossi dá algumas dicas de como é possível parar de fumar:

É necessário muita coragem para enfrentar a mudança e a busca de auxílio médico para indicar um tratamento que cause menos desconforto nesse processo. Psicólogos e psiquiatras são os profissionais qualificados da área da saúde mental para lidar com essas situações, de forma a prevenir recaídas e auxiliar na jornada árdua. 

A psicóloga clínica Kadia Gomes explica que encontrar novas formas de estabilizar as emoções com terapias cognitivo-comportamentais é benéfico para o corpo e mente. ‘’A rede de apoio é fundamental nesse momento. Mesmo que isso seja uma decisão que parta do paciente, ele precisa ter a quem recorrer quando apresentar sinais de abstinência. Nós, psicólogos, estamos à disposição e, principalmente, preparados para acompanhar esse percurso”, declara.

Evitar ambientes onde o fumo é permitido e muito praticado é uma das estratégias recomendadas para a recuperação, além de buscar companhias que não fumem, pelo menos durante os estágios iniciais da cessação. Fomentar situações de fuga inicial, mesmo que difícil, ajuda a reduzir a tentação e as chances de recaída. Além disso, seguir as políticas de não fumar em locais públicos e evitar o contato com fumaça de segunda mão contribuem para a saúde do corpo.

Nesse processo de superação é fundamental realizar mudanças no estilo de vida e adotar hábitos saudáveis, como praticar atividades físicas regularmente, manter uma alimentação equilibrada, buscar momentos de relaxamento e dormir adequadamente. Substituir o fumo, que é prejudicial à saúde, por uma prática saudável contribui para reduzir o estresse e melhorar o bem-estar geral. 

Fausta Almeida, professora e ex-fumante, relata que é essencial estar preparado para possíveis recaídas. “É sobre celebrar cada conquista, seja um dia sem fumar, uma semana ou um mês, e continuar com motivação e autoconfiança”, compartilha.

O Ministério da Saúde (MS) oferece em seu site dicas de como parar de fumar, sempre enfatizando a importância do auxílio médico. A orientação é escolher uma data para ser o seu primeiro dia sem cigarro. Este dia não precisa ser um dia de sofrimento, fazendo dele uma ocasião especial e procurando programar algo que goste de fazer para se distrair e relaxar.

O conselho de Erivan para quem deseja parar de fumar – como ele e Josimar – é, inicialmente, tomar a decisão e imediatamente substituir o hábito de fumar por outro que possa preencher a mente, para ajudar a retomar qualidade de vida. Na tomada de decisão, o mais importante é não desistir. “É preciso ter força, coragem e determinação”, conclui.

Qualidade de vida 

De acordo com o dicionário da Oxford Languages, qualidade significa a particularidade que determina a essência ou a natureza de um ser ou coisa. Na vida do advogado Edimilson Alves, 48, isso foi sentido “na pele”. Parar de fumar foi uma decisão difícil, mas necessária, uma vez que estava afetando sua saúde física e mental.

“Hoje, comparando a vida que eu levo, percebo o quanto o cigarro era um hábito que me fazia mal. Antigamente eu não me alimentava direito, na correria do dia a dia eu substituía a comida pelo fumo. Eu perdi a sensibilidade de sentir o gosto da comida, coisa que hoje eu não só recuperei, como tenho hábitos alimentares muito mais saudáveis e encaixados certinhos na minha rotina”, conta o advogado. 

Ao parar de fumar, a função pulmonar melhora gradualmente, a tosse e a falta de ar diminuem, e o risco de desenvolver doenças pulmonares diminui ao longo do tempo. Além disso, a pressão arterial tende a normalizar, melhorando a saúde do coração e dos vasos sanguíneos.

Já para Victor Martins, 28, o melhor benefício é a economia financeira. “Não aguentava gastar todo o meu dinheiro em cigarro”, comenta. Para uma pessoa que fuma uma carteira de cigarro todos os dias, ao valor médio de doze reais, ao final do mês a compra supera os 300 reais e, no final do ano, o valor chega a 4.320 reais. “Agora eu consigo gastar em outras coisas para mim, que me fazem bem.”

“Ao largar o tabagismo, o ex-fumante adquire diversos benefícios. Além do tabaco contribuir para o envelhecimento precoce, os fumantes ativos apresentam maiores incidências de transtornos de ansiedade e depressão”, explica a psicóloga Kadia Gomes. 

É importante reconhecer os desafios envolvidos na cessação do tabagismo, mas existem muitos recursos disponíveis para ajudar as pessoas a abandonarem esse hábito. Com determinação, apoio adequado e um plano eficaz, é possível alcançar uma vida livre do tabaco e desfrutar dos benefícios de uma melhor qualidade de vida e bem-estar geral.

De acordo com o pneumologista Keydson Alves, fumar reduz a capacidade pulmonar e compromete a eficiência do sistema cardiovascular. “Ao abandonar o hábito, a função pulmonar e a circulação sanguínea melhoram, resultando em um aumento da energia e resistência física. Atividades cotidianas, como subir escadas, caminhar e praticar exercícios, tornam-se mais fáceis e agradáveis”. 

Edmilson compartilha dessa opinião. “Acredito que o grande feito depois dessa mudança de vida é que voltei a conseguir praticar minhas caminhadas diárias com mais disposição e recuperei minha autoestima me livrando do cheiro, do sedentarismo e, principalmente, dos riscos sérios de contrair uma doença em função do cigarro”, diz.

O tabagismo também está associado a distúrbios na hora de dormir, como insônia e apneia. Após parar de fumar, as pessoas apresentam uma melhoria na qualidade do sono, resultando em maior descanso e rejuvenescimento durante a noite.

Para a estudante de psicologia Julia Costa, 24,  esse foi o maior ganho na jornada de largar o cigarro. Ela conta que acordava todas as noite com vontade de fumar. “Hoje eu sei o que é dormir uma noite inteira. A insônia me trazia a ansiedade e a vontade do cigarro. Eu acordava pelo menos duas vezes para fumar, e no dia seguinte estava sempre cansada.” 

A particularidade de cada indivíduo, como retrata o significado do dicionário, se junta em uma união de benefícios na qualidade de vida. A vivência sem cigarro melhora, além da rotina, os planos futuros dos que tomam a decisão, que, apesar de difícil, compensa.