Regulamentação do ensino domiciliar pode entrar em pauta na Câmara dos Deputados em maio

Educadores são críticos à modalidade: crianças precisam interagir com os colegas e pais não têm formação de professores

Cynthia de Carvalho Lima

Postado em 27/04/2022

📷Banco de imagens/Unsplash.com

O ensino domiciliar consiste em um ensino aprendido em casa, fora de uma escola, com ajuda de tutores e familiares. Não a nada que proíba o ensino domiciliar no país, mas também nada que o autorize. Em maio, a Câmara dos Deputados deve votar no plenário da casa o projeto que regulamenta o ensino domiciliar, segundo o portal Metrópoles.  A informação foi passada por parlamentares e lideranças partidárias que acompanham o assunto, comunicando que o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), prometeu pautar a proposta.

Professores defende ensino nas escolas

O professor de Psicologia e alfabetizador de crianças, Paulo Morais, é contra o ensino domiciliar. “Nem todas as famílias têm um bom nível de instrução, preparo com as questões epistemológicas, objetivos, estratégias e técnicas didático-pedagógicas, recursos materiais e equipamentos necessários a uma educação de boa qualidade’’. Por isso, segundo o professor, seria difícil o país, o estado e o município fiscalizar, em cada domicílio, o cumprimento das diretrizes, princípios norteadores, concepções de educação, métodos, avaliações (diagnósticas, formativas e finais). Ou seja, o governo não tem recursos financeiros e nem humanos para fazer o monitoramento e avaliações. “O ensino da língua portuguesa, em todo o Brasil, é obrigatório, para se assegurar a Unidade Nacional, por exemplo, os pais estrangeiros poderiam querer ensinar ao filho outro idioma, sem ser a língua portuguesa. Então ao meu ver o ensino domiciliar forma cidadãos extremamente individualistas, egocêntricos, com dificuldades de exercitar práticas sociais. Essa educação não é inclusiva e nem democrática”.

A professora de português da rede pública Natália Zayat é contra o ensino domiciliar por conta da sua experiência no ensino remoto. “Quando começou a pandemia e fomos direcionados para o ensino remoto não tivemos curso de formação e preparação de trabalhar com os alunos, isso porque somos profissionais capacitados para ensinar, mas imagina os pais que não tem preparação pedagógica, essa dificuldade seria ainda maior.’’ Segundo a professora, o desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes é otimizado com a interação social, através de práticas e trocas coletivas ao estudante, com aprendizagem em casa a interação social não será possível.

Pais e filhos

Elisângela Leitão é mãe de três filhos e defende o ensino domiciliar. ‘’A maioria das escolas está com doutrinação, então o ensino em casa você resguarda o seu filho, além de saber o que ele está estudando, você pode controlar seus estudos.’’ Sua filha Maria Luísa Leitão, 21 anos, discorda da mãe e tem outra opinião. “A escola, além de formar um indivíduo intelectualmente, forma seres sociais, capazes de conviver e lidar com pessoas diferentes. Evita principalmente alienações provocadas pela família, visto que no ensino domiciliar provavelmente enfrentaria apenas questões unidirecionais de interesse familiar.” Apesar de mãe e filha terem divergências , uma respeita a opinião da outra.

Famílias não substituem professores

Segundo a professora Natália, as famílias não substituem os professores, pois são profissionais que foram capacitados, qualificados e fazem formação anualmente para ter uma didática pedagógica. Uma maneira de ensinar que muitas vezes os pais não dominam. “Talvez eles tenham conhecimento sobre determinado assunto, mas na hora de passar esse conteúdo, falta a didática. E essa didática muita das vezes a gente consegue na prática, quando começa a ensinar e ter contato de fato com os alunos, talvez aos pais faltem esse conhecimento técnico de como se ensinar”.

De acordo com Paulo, as famílias não substituem os professores. Os pais, muitas vezes, não terão paciência e a didática de explicar passo a passo a construção do conhecimento, além do estudante, às vezes, não ter alguém preparado para tirar as suas dúvidas. “Um aluno tímido terá vergonha de tirar dúvidas com os pais. Na escola, muitas vezes, a dúvida de um aluno é a mesma de vários outros. Então quando é sanada, termina atingindo um contingente mais numeroso e significativo, além de não precisar repetir a mesma resposta para cada aluno.”

Para a professora de Matemática Ana Paula Cordeiro, os pais não podem substituir professores, afinal são muitas matérias a se ensinar, além de sermos seres humanos que precisam de interação social para formação do cidadão. “Só ensinando a forma cognitiva do ensino, a criança não fica preparada para viver e evoluir em sociedade com outras pessoas”.

A educação domiciliar prepara os estudantes para vestibulares?

Natália afirma que desde que haja comprometimento do estudante com o ensino, talvez possa se colher bons frutos, porém só o ensino domiciliar não é suficiente para preparar o aluno. “O aluno para fazer o vestibular se considera os três últimos anos do ensino médio em que se consiste em 15 matérias. Então para o aluno fazer o mapa mental desse estudo sozinho em casa, ele terá que ter um esforço muito maior que o aluno que vai a escola de forma presencial.”

A falta de convivência com outros indivíduos interfere na vida acadêmica e social da criança e adolescente?

Para Paulo, o ensino domiciliar prejudica sim a interação social, em que vivemos a maior parte do tempo numa comunidade que faz parte da sociedade, que e complexa e plural. ” Um aluno com autismo leve ou moderado, necessita de outros alunos sem necessidade educacional especial para servir de referencial, para melhor se estruturar, aprender e com isso se desenvolver.”

Para Natalia, também prejudica a interação social. “Nós, seres humanos, somos seres sociais tanto que precisamos de contatos com outros indivíduos para nos desenvolvermos tanto na parte física, cognitiva, raciocínio e afetiva. O ensino a distância não viabiliza esse contato e interfere de fato na vida acadêmica, afinal precisamos desse contato humano.”

A escola como rede de proteção social

De acordo com Paulo, nas escolas públicas, milhões de crianças têm o apoio nutricional como a merenda escolar. No Distrito Federal, o Programa Integrado de saúde do educando (PISE) aplica flúor (bochechos), nas escolas que não têm água tratada, procura identificar as crianças com verminoses, desnutrição, pediculose, problemas sensoriais (visão e audição), às vezes, detectamos casos de negligência, maus tratos, abuso sexual ocorridos no lar das crianças e adolescentes. Se necessário, a escola notifica o conselho tutelar, o CRAS, CREAS (do Serviço Social do estado). O que será mais difícil de ser identificado se o aluno estudar somente em casa, por isso a importância do ensino nas escolas.”