Tabu com terapia pode afetar saúde mental de homens
Psicólogas relatam que a prática ainda é vista com estigmas, e que deve haver uma maior disseminação de informação a respeito
Postado em 10/04/2024
As consultas com psicólogos ainda são vistas como tabu por parte da sociedade. De acordo com a pesquisa realizada pelo Instituto Cactus, apenas 5% dos brasileiros fazem terapia. Para os homens, além desse fato, há a necessidade de ter uma masculinidade resistente e não apresentar fraquezas. Segundo uma pesquisa do QG, 80% dos homens nunca foram à terapia. Porém, a ausência dela somada à negligência de sentimentos pode afetar a saúde mental masculina.
A psicóloga, neuropsicóloga e doutora em educação, Simone Lavorato, conta que nos consultórios sempre tiveram mais mulheres do que homens. Ela fala que muito disso vem do fato que mulheres procuram ações preventivas, já os homens esperam chegar no seu limite para buscar tratamento. Porém, ressalta ter notado uma mudança no interesse da parte dos homens ao irem à terapia após a pandemia. “Depois da pandemia, a gente percebe uma mudança expressiva nesse comportamento devido aos sofrimentos trazidos. A gente vê também vários homens procurando atendimento, procurando uma ajuda”, conclui.
A neuropsicóloga, que atua na área há 7 anos, enfatiza que ainda existe muita resistência em buscar ajuda de especialistas, não só pelos homens, mas principalmente por eles, e que a ideia de que a terapia é só para “doidos” ainda prevalece na sociedade. “Ainda existe o estigma que psicólogo e terapia são coisas para doido, para quem está doente, e na verdade não é assim. A terapia vai te trazer um autoconhecimento que vai facilitar o seu relacionamento consigo mesmo e os seus relacionamentos interpessoais. Então todos deveriam fazer terapia”, finaliza.
Daniel Souza, videomaker, de 33 anos, relata que começou a fazer terapia aos 16. Ele comenta que era um adolescente tímido e acima do peso. “Minha autoestima era muito baixa e eu tinha problemas de socialização. Nunca tinha namorado e meu círculo de amigos era pequeno. Então, meus pais acharam que seria uma boa ideia eu ter um acompanhamento profissional”, declarou.
O videomaker considera ainda haver uma parcela de preconceito ao indicar terapia às pessoas, mas conta que, na época da escola, era pior. “Tinha colegas que faziam terapia e se sentiam envergonhados em tocar no assunto. Hoje, vejo mais preconceito quando menciono consultas com o psiquiatra”, expôs.
Daniel fala que a terapia o ajudou a se sentir mais seguro nas relações interpessoais e afirma que a prática é essencial para ter uma boa qualidade de vida e, sobretudo, saúde mental.
Problemas na saúde física
A psicóloga Simone acrescenta que o desleixo com a saúde mental pode prejudicar a saúde física também. Ela explica que muitas pessoas acabam somatizando problemas psíquicos e, por consequência, são gerados problemas físicos. Ela cita como exemplo a fibromialgia (síndrome caracterizada por dor musculoesquelética que afeta várias áreas do corpo). “A gente tem hoje um grande números de pessoas com problemas físicos, que vêm do psíquico. Então,tratando o psíquico a pessoa com certeza vai ter uma melhor qualidade de vida”, afirmou.
O estudante de direito, Paulo Marcus, de 21 anos, já teve experiência com terapia há um tempo e, devido ao bom feedback, retornou esse ano. Ele explica que quando fazia, obteve uma melhora no humor e percebeu ter mais calma e paciência para resolver os problemas do dia-a-dia.
Resistência da masculinidade
Paulo afirma que por conta da cultura da sociedade, ainda há um pensamento de que o homem deve ser independente e resolver seus problemas sozinho. “Acho que não são os homens que não querem falar. Alguns simplesmente não conseguem, pois nunca lhes foi ensinado, e os que conseguem (e querem) muitas vezes não o fazem por medo de rejeição”, relata.
Juliana Gebrim, psicóloga há 25 anos, explica que há um “receio arraigado” em uma parcela da população masculina em admitir vulnerabilidade e buscar assistência psicológica. Ela acrescenta que esse medo pode estar relacionado às expectativas sociais de masculinidade e autossuficiência. “É importante ressaltar que pedir ajuda é um sinal de força, não de fraqueza”, declara.
A psicóloga conta que o crescimento gradativo de homens na terapia é um reflexo do progresso na quebra de estereótipos e na promoção da igualdade de gênero no campo da saúde mental. Além disso, diz que é necessário garantir que os serviços de saúde mental sejam acessíveis e culturalmente sensíveis para que todas as pessoas se sintam confortáveis em buscar apoio.
O estudante de educação física, Gustavo Oliveira, de 21 anos, explica que tem desejo de começar a terapia para auxiliá-lo quanto ao estresse e em momentos de ansiedade. Ele relata que percebe uma singela diferença ao falar sobre seus sentimentos com familiares e afirma que um profissional da área pode ajudá-lo ainda mais.
Gustavo conta que a resistência de falar abertamente sobre sentimentos atrapalha os homens e já viu casos de amigos dele que sofrem com problemas de saúde mental, porém se relutam a procurar ajuda devido ao próprio preconceito.