Um mito em Nova York

A crônica traz um olhar sobre os discursos do Presidente Jair Bolsonaro na Organização das Nações Unidas

Khalil Silva

Postado em 03/12/2021

Naro estava muito feliz naquela tarde. Tinha um sorriso enorme no rosto, acabara de receber seu discurso, para sua primeira apresentação na sede da ONU. Lá ele pretendia mostrar as verdadeiras informações que a mídia comunista não mostrava, a verdade por trás de seu governo. O Brasil, seu país, costumava abrir o evento todas as vezes, e infelizmente não seria diferente naquele ano.

Naro já era acostumado a discursar quase que diariamente para os seus apoiadores, num lugar próximo ao seu lar, num canto apelidado pela mídia de “cercadinho”. Estava muito ansioso para discursar, tinha tanto para falar, sabia que o mundo estaria olhando para ele naquele momento.

Seus filhos lhe passavam a prosa: “O discurso tem de ser sucinto, mostrar nosso poder e respeito pelo povo” – disse o Zeroum – “Nada disso” – Contestou o Zerodois – “Ele deve mostrar quão bem anda nossa gestão, principalmente em relação ao meio ambiente e a gripezinha… digo, pandemia”. O Zerotrês nada disse, sabia que sua contribuição entraria no texto final do pai, afinal era o favorito, qualquer coisa que escrevesse o pai leria. 

No dia seguinte a comitiva saiu, ministros, amigos e o filho preferido partiram, rumando para um lugar desconhecido, chamado de recanto democrático.

No aeroporto ninguém ousou olhar torto para Naro, sabiam muito bem quem ele era. Nenhum deles usava máscara no Brasil, a doença só pegava aos fracos, Naro era forte como um atleta, apesar de constantemente receitar remédios sem qualquer eficácia cientifica para seus apoiadores e conhecidos.

Assim que pousou, a atitude pareceu mudar. Não estava mais em casa, até pediu aos amigos para que colocassem suas máscaras e passassem álcool em gel. Antes de ir para o hotel, Naro sentiu fome, a viagem tinha sido relativamente longa e exaustiva, não muito diferente como seu mandato, logo pediu ao chofer da ONU para que levasse a trupe para um restaurante.

Quando chegaram, o gerente sorriu para os convidados, e disse: “Good night, gentleman. Can i see your vaccination cards?”. O presidente entreolhou os demais e riu, como se tivesse ouvido uma piada, quando o gerente repetiu a pergunta numa feição mais fechada, ele entendeu a seriedade. E num inglês sofrível respondeu “I dunot taked the vaccine, best immunization is the infection”. O gerente balançou a cabeça negativamente, sinalizando que a comitiva não poderia adentrar o estabelecimento. Zerotrês puxou o pai, e eles terminaram a noite comendo pizza na rua. Não satisfeitos com aquela micro derrota, alguém ainda tirou foto para registrar o momento.

Depois de uma noite de sono, e muita reflexão nos pensamentos olavistas, Naro se sentia preparado para discursar no lar dos comunistas. Quando chegaram à sede da ONU, o presidente percebeu uma comoção do lado de fora, diversos cartazes criticavam seu governo “Jail Bolsonaro”, “Fora Bolsonaro” e “Genocida”. A única coisa que o presidente fez foi encarar o Ministro da Saúde:” Queiroga cumprimenta eles, aí”. O senhor de 54 anos se levantou no ônibus e começou a fazer gestos obscenos para os manifestantes. Mais uma vez Naro riu como se aquilo fosse uma piada, e uma das mais engraçadas.

Os demais se acomodaram no lugar designado ao Brasil, enquanto o Naro se sentou no lounge com outros líderes. O primeiro-ministro da Inglaterra se acomodou no sofá ao lado, exibindo seu excêntrico cabelo constantemente arrepiado. Ele parecia empolgado com a situação, e sem se conter contou aos presentes: “I have taked Astrazeneca, twice” – Em seguida ele encarou Naro, assim como o tradutor de Boris.

Como uma criança, Naro fez que não: “I have an athlete historic, i dunot need those vaccine, talkei?”. Os sorrisos dos líderes murcharam, quando começaram a constatar que o Naro era o único no salão que não tinha sido imunizado com nenhuma vacina. Assim que saiu daquela sala, o primeiro-ministro inglês correu para fazer um teste de Covid-19.

Então o evento foi aberto, o líder da ONU fez um agradecimento geral a todos os participantes ali presente, disse estar de luto por todos os mortos advindos da pandemia e pediu por dias melhores. Então ele chamou o primeiro país para discursar, sua voz não parecia tão animada quando chamou o Brasil. Lá do fundo a comitiva bateu palmas e urrou, enaltecendo Naro, ele sinalizou para eles. Tirou a máscara, por um segundo pode jurar que as pessoas se afastaram dele. Tirou os óculos do bolso, colocou. Bateu o papel no apoio. Pigarreou:

“Caros comunistas, vim aqui contra a minha vontade, para falar umas verdades que a mídia golpista insiste em não divulgar, talkei. Sobre a gestão da pandemia no Brasil, nenhuma forma de isolamento foi promovida por mim, nenhuma medida de distanciamento social foi sugerida por mim, nem mesmo uso de máscara foi apoiada por mim, se dependesse só de mim nada teria sido fechado, e se tivesse gente pegando Covid, as pessoas iam tomar a hidroxocloroquina e acabou!” – O silêncio se acometeu pela sala. Ele pigarreou mais uma vez.

“Na questão do desmatamento e queimadas aí, na minha gestão não houve nenhuma, porque eu não vi, as que teve é de gente que eu conheço, então tá tranquilo, talkei? E não existe problema ambiental, não quero ninguém se preocupando com floresta alheia, principalmente certos líderes de potências mundiais, tudo certo por lá, talkei.”. – Outro silêncio.

“No tocante das manifestações do dia 7 de setembro em minha homenagem… digo, pelo voto democrático auditável e fim do STF, foi a maior manifestação da história do planeta, me mandaram no Zap esse dado daí, fico extremamente orgulhoso do gado… digo, dos apoiadores que me seguem, eles ajudam muito, o país só chegou à onde por causa deles “. – Silêncio

“A propósito, se alguém quiser investir no Brasil, estamos abertos a diálogos. Principalmente se for com os Estados Unidos e a Índia, e se vocês ouvirem por aí que o PIB caiu, é fake news da mídia lixo, talkei.” – Ele riu ali do alto, sua risada ecoou sobre o salão silencioso.

Quando a ONU encerrou as atividades naquele dia, a comitiva foi de volta ao hotel. Lá Queiroga e Zerotrês começaram a se sentir mal, e foram imediatamente ao hospital. Quando o resultado saiu, ambos deram positivo para Covid-19 e acabaram tendo que ficar retidos aos seus quartos durante o resto da viagem. Quando a ONU soube da informação pediu cordialmente para que todos da comitiva do Brasil, mantivessem sua participação remotamente no evento, para evitar o contágio de mais pessoas. Assim que soube que não iria mais ao evento, o presidente ficou para baixo, e passou o resto do dia trancado em seu quarto. 

A esposa de Naro dormia, ela tinha acabado de ser vacinado e sofria dos efeitos colaterais da dose. Então se sentindo sozinho, Naro ligou a TV, zapeou pelos canais sem muito compromisso, até que subitamente parou num programa de entrevistas que estava prestes a começar, deixou passar, se ajeitou para ficar mais confortável na cama.

Então Jimmy Fallon, um comediante muito famoso e apresentador do programa, sorriu, acenou para as câmeras, para a banda e para a plateia. Agradeceu por todos que lá estavam e começou seu monólogo sobre a reunião da ONU, em um determinado momento ele disse algo que pegou Naro de surpresa: “O primeiro líder a falar e tratar da pandemia foi ninguém menos que o presidente não vacinado do Brasil, Jair Bolsonaro.” – Naro sorriu, como se alguém o tivesse elogiado. -” É como participar de uma conferência de perda de peso e ouvir: por favor, deem as boas-vindas ao nosso primeiro palestrante, Ronald Mcdonald”.

Lentamente seu sorriso foi desfeito quando o presidente ouviu as risadas da plateia, seu semblante se tornou desgostoso. Foi só então que Naro percebeu, ele não era nada além de uma piada, é uma das ruins, assim como seu ídolo Trump. Uma que escalonou em proporções nunca antes vistas e que no fim das contas não fez ninguém rir, apenas chorar com seu desfecho.

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