Ensino de Veterinária precisa de mais prática? Estudantes apontam desafios na formação

Estágios obrigatórios e a busca por experiência fora da faculdade levantam questionamentos sobre a formação prática dos futuros veterinários.

Gabriela Nogueira de Medeiros

Postado em 31/03/2025

Segundo o Censo da Educação Superior, o Brasil formou 11.907 médicos-veterinários em 2018, um salto de 91% em relação aos 6.229 diplomados em 2010. Porém, sete em cada dez recém-formados admitem não estar preparados para lidar com emergências ou procedimentos básicos, segundo o estudo Demografia da Medicina Veterinária no Brasil, realizado em 2022 pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária.

Apesar das 400 horas de estágio obrigatório previstas pela lei, 68% dos egressos realizaram menos de dez cirurgias completas durante toda a graduação. Dados do Ministério da Educação(MEC) mostram que 40% das instituições privadas sequer possuem hospital-escola, obrigando estudantes a aprenderem técnicas complexas apenas em simuladores ou aulas teóricas.

O problema se reflete no mercado. Pesquisa da Associação Nacional de Clínicos Veterinários revela que 85% dos recém-contratados precisam de treinamento adicional para realizar procedimentos básicos como castrações ou suturas. A situação é ainda mais crítica em áreas rurais, onde apenas 18% dos formados se consideram aptos a trabalhar com grandes animais.

A visão do especialista sobre a formação veterinária

O professor Emanoel Elzo Barros possui graduação em Zootecnia pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (1992), mestrado em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa (1999) e doutorado em Produção Animal pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (2005); atua no Departamento de Medicina Veterinária do UniCEUB e explica que a prática é essencial para a formação do veterinário, mas enfrenta desafios estruturais e pedagógicos. “As atividades práticas em cursos de Medicina Veterinária são de extrema importância para que os egressos destes cursos possam ter contato com suas áreas de competência e habilidades. Para isso, é imprescindível que as instituições que oferecem os cursos de Medicina Veterinária tenham estruturas (clínicas, hospitais veterinários escola)”, afirma.

O professor também destaca a importância das atividades extracurriculares para a complementação da experiência universitária. Ele menciona o conceito de “CHA da competência”, que envolve Conhecimento, Habilidade e Atitude, ressaltando que a proatividade e a busca por aprendizado além do currículo acadêmico são diferenciais para os profissionais que ingressam no mercado de trabalho. “O mundo do trabalho exige que os postulantes às vagas oferecidas tenham como principais habilidades o pensamento analítico e criativo, além de outras necessárias para o melhor desempenho de suas funções”, afirma.

Demografia da Medicina Veterinária do Brasil, conduzida em 2022 pelo professor Felipe Wouk em parceria com o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Paraná, revelou diversas lacunas na preparação dos novos profissionais. O levantamento indica que a transição para o mercado de trabalho pode ser desafiadora, reforçando a importância de um ensino mais voltado à prática.

A melhoria na qualificação dos estudantes de Medicina Veterinária passa pela ampliação das oportunidades de estágio e por uma abordagem pedagógica mais voltada à prática. Emanoel acredita que, além das iniciativas institucionais, cabe aos alunos buscarem aprimoramento contínuo. “Também é necessário que o discente tenha interesse e comprometimento com o seu processo de aprendizagem, percebendo que a construção do conhecimento extrapola os limites das salas de aulas”, conclui.

Estudantes relatam desafios na prática veterinária

Clara Terayama, 21 anos, estudante do sétimo semestre de Medicina Veterinária, acredita que a carga horária prática do curso não é suficiente. “Em uma matéria que tem aulas práticas, temos em torno de 5 horas práticas das 75 horas totais. Isso não é o bastante para um aprendizado eficiente”, comenta.

O conhecimento teórico não garante a capacidade de lidar com situações reais, que exigem habilidades desenvolvidas com a experiência.  A estudante ressalta que, apesar de os laboratórios serem bem equipados, o acesso a animais para treinamento ainda é um desafio, pois a faculdade solicita que os próprios alunos tragam animais para as aulas.

Maria, estudante de medicina veterinária. Foto: Gabriela Nogueira

Os estágios obrigatórios são uma parte fundamental da formação, e os estudantes podem escolher onde realizá-los. No entanto, Clara observa que muitos alunos buscam estágios extracurriculares para suprir a falta de prática oferecida pela graduação.

A estudante Aline Victoria, 22 anos, que também cursa o sétimo semestre de Medicina veterinária, compartilha uma visão semelhante. “No início do curso, não temos tantas aulas práticas, mas do meio do curso para frente isso melhora. No meu sétimo semestre, temos pelo menos uma aula prática por semana.”

Para a estudante, o estágio é considerado  como um dos momentos mais importantes para a formação, pois permite vivenciar o atendimento direto a animais e tutores. No entanto, ela ressalta que a qualidade do estágio pode variar bastante. Em algumas experiências, ela precisou realizar todas as funções dentro da clínica, enquanto em outras apenas acompanhava o veterinário sem participação ativa.

Quando questionada sobre como a formação poderia melhorar, Aline sugere mais aulas práticas e mudanças na grade curricular. “Ao invés de matérias como ‘projeto de vida’, deveríamos ter disciplinas focadas na rotina clínica.”