“Liberdade de expressão não pode ferir o direito, a dignidade ou a existência do outro”
Fábio Felix tornou-se o primeiro parlamentar homossexual assumido presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar
Postado em 27/09/2021
Eleito com mais de 10 mil votos, pela coligação PSOL e PCB, Fábio Felix tornou-se o primeiro parlamentar homossexual assumido presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar. Além de assumir a liderança da Minoria na Câmara Legislativa. Conheça a história desse ativista:
Fábio, inicialmente gostaria de pedir para que você se apresentasse tanto como representante político quanto pessoa para nossos leitores e contasse como é a sua relação com seus eleitores?
Olá, leitoras e leitores do Portal de Jornalismo IESB. Eu sou assistente social de formação, professor, ativista LGBTI+ e de direitos humanos, servidor público do sistema socioeducativo e atualmente também exerço meu primeiro mandato como deputado distrital na Câmara Legislativa do DF pelo PSOL.
Desde que tomei posse no início de 2019, procuro estar em constante diálogo com a população do Distrito Federal. Tanto com as pessoas que me confiaram quatro anos de mandato, quanto com as pessoas que não votaram em mim, mas passaram a acompanhar minha atuação parlamentar ao longo desses últimos três anos.
Tanto eu como a minha equipe de trabalho acolhemos o máximo possível todas as críticas, sugestões de projetos e ações legislativas, reclamações sobre serviços públicos e encaminhamos de acordo com o que está dentro da nossa atuação enquanto parlamentar.
Essa troca acontece tanto virtualmente, através dos diversos canais de comunicação como Instagram, Twitter, Facebook, grupos de Whatsapp e Telegram e e-mail, como presencialmente. A pandemia dificultou esse contato direto e olho no olho com as pessoas, mas assim que tivermos condições sanitárias seguras pretendo retomar com força total as agendas e visitas locais em todas as regiões administrativas do DF.
Temos presenciado muito nos canais de comunicação digital um novo formato de interação político-eleitoral. Qual sua opinião sobre o uso das mídias sociais (e da tecnologia como um todo) como uma ferramenta de expressão política?
Eu acredito que quando bem utilizada, as mídias sociais e as novas tecnologias e ferramentas de comunicação podem ajudar a aproximar mais as pessoas do cotidiano e dos debates políticos.
É imprescindível que a população participe de forma mais ativa e democrática da construção e formulação das políticas públicas do país, que fiscalize-as e os parlamentares que foram eleitos para representar os anseios de diferentes tipos de grupos e setores sociais. E isso não deveria acontecer apenas de quatro em quatro anos, durante o período eleitoral.
Infelizmente, há muitos atores políticos que se aproveitam, de forma mal-intencionada, da facilidade que as redes sociais nos proporcionam para estarmos conectados de forma mais direta e sem intermediários com as cidadãs e os cidadãos.
A criação e disseminação de mentiras, notícias falsas – ou o que se chama de ‘fake news’, acaba minando a credibilidade de jornalistas sérios, da imprensa que se dedica a apurar seriamente os fatos e, consequentemente, a nossa democracia acaba ficando mais fragilizada com tanta desinformação circulando por aí.
Ao longo da sua gestão foi fortemente presente a preocupação e o envolvimento em projetos de cunho social e minoritários, como a iniciativa rede “Proteção LGBTI+ DF” e a sua participação na CPI do Feminicídio. Como é a sua trajetória como defensor das minorias e qual o sentimento de ser um representante tão importante na luta por direitos?
Minha luta em defesa dos direitos humanos começou quando iniciei o curso de serviço social na Universidade de Brasília. Ao mesmo tempo em que aquele ambiente com diferentes tipos de pessoas me ajudou a aceitar minha própria homossexualidade, também me deu mais consciência sobre as mazelas sociais que precisam sem enfrentadas.
A partir dali não parei mais com meu engajamento político. Fiz parte do movimento estudantil, participei da ocupação da reitoria em 2008 enquanto coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes, me filiei e ajudei a fundar o diretório do PSOL aqui no DF.
Depois que me formei, continuei defendendo os direitos humanos como servidor do socioeducativo – em especial os direitos das crianças e dos adolescentes. Toda essa minha trajetória me deu a oportunidade de conhecer de perto as desigualdades que afetam cada canto do DF.
Ser o primeiro deputado distrital abertamente LGBTI+ a ocupar uma cadeira na CLDF me impõe uma responsabilidade muito grande. Todas as ações que eu faço acabam repercutindo sobre o imaginário que a sociedade faz de toda essa comunidade aqui no DF, mesmo sobre aquelas LGBTI+ que não tenham votado em mim ou não se identificam ideologicamente com as pautas que defendo.
Ainda sobre a luta por direitos, é cada vez mais notória a polarização dos grupos sociais em embates sobre quais direitos são ou não válidos em relação ao desenvolvimento do coletivo. Já houveram percalços enfrentados em sua gestão na elaboração desses projetos? Para você, como deputado, como construímos um convívio mais igualitário em tempos de discursos tão opostos?
A democracia pressupõe que todos os grupos e setores sociais podem e devem se ver representados no parlamento. Infelizmente as mulheres, os negros, os índios, as pessoas LGBTI ainda são bastante subrepresentadas, o que faz com que a discussão sobre seus direitos sejam decididos por uma maioria que ainda é composta por homens brancos, ricos, cisgêneros e héteros.
Essa maioria quer manter a continuidade dos seus privilégios e resiste a qualquer tipo de mudança e progresso social. Daí nascem esses embates e discussões que ultimamente têm transbordado em propagação de ódio e violência contra as minorias sociais.
Na época em que estávamos realizando uma audiência pública sobre a criação da praça em memória de Marielle Franco na capital, tivemos alguns embates com uma deputada de extrema-direita que exerceu o mandato por poucas semanas enquanto outro deputado distrital estava afastado. Contudo, ela era uma voz única e barulhenta, tão logo deixou de exercer o mandato conseguimos aprovar a criação da praça sem muitas dificuldades.
Felizmente o nosso mandato conseguiu aprovar muitos projetos e leis a favor das minorias e dos direitos humanos nos últimos três anos. Devo essa conquista, principalmente, a postura de diálogo e respeito que adoto em relação aos meus colegas parlamentares.
Acredito que o caminho para restabelecermos a pacificação social no país passa por não enxergarmos como inimigos quem pensa ou tem uma ideologia diferente da nossa. O outro não precisa ser eliminado ou tratado de forma desumana porque não pensa igual a mim.
Claro que não se pode confundir a prática de crimes com opinião. A liberdade de expressão não pode ferir o direito, a dignidade ou a existência do outro.
A respeito da gestão pública do GDF, com qual perspectiva você avalia o cenário de desenvolvimento social e econômico atual do Distrito Federal?
Na Câmara Legislativa faço oposição ao governo Ibaneis (Rocha – Partido). E na minha avaliação essa gestão tem sido desastrosa para a maioria da população, sobretudo as pessoas mais pobres e em situação de vulnerabilidade.
A saúde pública foi terceirizada e logo fomos atingidos por uma das piores pandemias da história. Ibaneis escolheu se alinhar com o negacionismo e políticas anticiência do governo Bolsonaro, isso fez com o DF abandonasse muito cedo as medidas necessárias para controlar a disseminação do coronavírus e que a nossa campanha de vacinação fosse prejudicada. O resultado é o caos completo na saúde, o IGES-DF estampando as manchetes de corrupção, UPAs que não são entregues e os hospitais sofrendo com a falta de atendimento, de insumos básicos, de profissionais e com superlotação nos corredores.
Ficamos em 12º lugar no ranking do enfrentamento à pandemia, segundo dados do Instituto Votorantim. Só a falta de gestão explica esse desempenho vergonhoso de uma Unidade da Federação tão rica e com uma população pequena em relação aos outros Estados.
Mesmo que a pandemia tenha agravado a desigualdade social e aumentado a pobreza, o desemprego e a quantidade de pessoas em situação de rua, Ibaneis vetou a lei que aprovamos e que criaria um auxílio emergencial distrital no DF. O governador também entrou na justiça para derrubar parte da Lei Distrital 6.657/2020, de nossa autoria, que proibia remoção forçada e despejos durante a pandemia.
O governo Ibaneis já está marcado pelo governo que só olha para os mais ricos, enquanto passa o trator em cima dos mais pobres.
Quais são suas expectativas sobre as próximas gestões de governo a partir das eleições de 2022? Qual o papel das eleições no próximo ano neste processo?
A eleição do ano que vem será decisiva. Há uma expectativa muito grande de derrota de Bolsonaro que reflete um dos piores momentos da história do nosso país.
Retrocessos inomináveis e teremos, como campo progressista, o desafio de sair da defensiva e começar a apontar novos rumos de mudança social mais profunda. O ideal seria que Bolsonaro saísse antes pelos crimes pelos quais já é investigado, mas se isso não acontecer as eleições de 2022 vão ser muito importantes.
O que te motivou a entrar na política? Depois de todo esse tempo, considera-se um homem feliz? Quais suas palavras sobre sua trajetória até aqui.
Eu comecei a fazer política quando saí do armário, aos 16 anos. Se declarar LGBTI+ nessa sociedade que ainda reprime nossos desejos e nossos corpos já é um movimento político.
A minha grande motivação foi o desejo de tornar o mundo menos preconceituoso e difícil para as novas gerações de LGBTI+ e para quem de alguma forma é diferente e não se encaixa nos padrões sociais que nos são impostos.
Eu me considero feliz, sim. Olhando toda minha história até aqui, eu consegui transformar minha luta pessoal por respeito e liberdade numa luta por direitos coletivos para muito mais pessoas.
Independente do que o futuro me reserva, ficarei realizado se conseguir deixar um legado que faça com que mais pessoas fortaleçam o combate às violações de direitos humanos aqui no coração do nosso país.
Em sua gestão, quais realizações merecem destaque?
Tenho muito orgulho de ter democratizado e ampliado o acesso das pessoas ao orçamento público. Implementamos a realização de editais voltados para a área da cultura, educação e saúde, rompendo com a velha dinâmica de uso das verbas parlamentares.
Como presidente da Comissão de Direitos Humanos, conseguimos colocar a comissão em atividade novamente e fazê-la uma referência de acolhimento e atendimento às pessoas que têm seus direitos violados todos os dias aqui no DF.
Na presidência da Comissão da Vacina pressionamos o GDF para não deixar as pessoas sem vacinas contra a Covid-19, bem como realizamos diversas diligências e fiscalizações nas condições das UTIs dos hospitais normais e de campanha.
Conseguimos fazer um raio-x da violência de gênero através da CPI do Feminicídio, da qual fui relator e que tocamos junto com os movimentos de mulheres. A partir do relatório, aprovamos o “Pacto Pela Vida de Todas as Mulheres”, um conjunto de leis que já está em vigor e fortalecerá a proteção da vida das mulheres.
Também fizemos com que o DF se tornasse a primeira UF do Brasil a ter repúblicas LGBTI+ como política pública de acolhimento em moradias coletivas. Graças a destinação de nossas emendas parlamentares, três casas de acolhimento já estão em funcionamento.
Em relação ao próximo ano eleitoral, o que os eleitores podem esperar daqui para frente de seus projetos? O eleitor pode contar com o nome Fábio Félix nas urnas de 2022?
Seguiremos firmes nas batalhas contra os retrocessos nos direitos sociais e humanos. Nosso mandato continuará atuando de forma independente e comprometida com uma agenda de lutas! Ainda estamos debatendo as eleições de 2022 e não queremos adiantar o calendário eleitoral, mas a hora é de seguir focado nas tantas tarefas legislativas que ainda temos.