Suicídio afeta a vida de mais de 12 mil famílias anualmente

A campanha do Setembro Amarelo deve abrir espaço para o debate sobre a situação dessas famílias, indica especialista

Isadora Mota

Postado em 14/09/2021

Mês dedicado à valorização da vida e de prevenção ao suicídio, setembro chama atenção a necessidade do debate que se deve ter também em relação a familiares e amigos que passam pela perda de um ente querido. Fenômeno verificado em todas as regiões do globo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 12 mil famílias perdem conhecidos para o suicidio anualmente. Representando 1,4% das mortes por ano, o Brasil é o segundo país do mundo em número de mortos. 

Sem se conhecerem, Ana Clara Galvão, 21,  e Isabela Costa, 24, estudantes, apresentam histórias em comum: ambas perderam amigos para o suicidio e fazem parte das estatísticas. O processo de luto das jovens foi distinto, mas as duas passaram por momentos de culpa, questionamentos e sentimento de impotência. 

De acordo com a psicóloga Vivian Vasconcelos, a morte por suicidio tem um impacto muito grande em familiares e amigos. “Quando isso acontece, os pensamentos e emoções ficam confusos por vários motivos, como por exemplo o porquê da pessoa ter feito aquilo ou o fato de que ela não estará mais ali. É extremamente necessário voltar a atenção para essas pessoas que ficam”, explica. 

As últimas memórias de Isabela Costa com o amigo são de mensagens que enviou a ele sobre estar sentindo saudades. Vivendo um dia de cada vez, após longo processo, a jovem diz que, a partir da ressignificação de sentimentos, conseguiu se conformar. Hoje, não mais em forma de dor, lembra do amigo com o carinho que construíram um pelo outro nos diversos momentos bons que viveram juntos. Apesar da aceitação, a estudante ainda se culpa por não ter ido a cerimônia de enterro. 

O primeiro luto da jovem Isabela Costa foi pela morte do amigo, que tirou a própria vida em 2017

“Eu não tive coragem de ir no enterro, isso até me envergonha um pouco porque eu estava covarde de não querer ter essa última memória. Ninguém quer sentir o desconforto da tristeza. Foi um processo para superar. Querendo ou não, a dor latente vai diminuindo, e hoje eu consigo falar com tranquilidade porque fica a saudade”, conta Isabela costa. 

Para Ana Clara Galvão, que perdeu dois amigos para o suicidio,  a notícia das perdas despertou ira. Sem conseguir compreender o que era a morte para alguém que sempre esteve tão vivo em suas memórias, a jovem passou por crises e se questionou sobre o que fazer com os sentimentos confusos: “Passei meses em crises existenciais constantes do “por que”, “para que” e “ para onde”. Hoje sinto que eu vivo por eles, e por todos aqueles que não tem pelo que viver. Eu me inspiro neles para me trazer força. Força de aguentar o amanhã”. 

Terapia para os que passam pelo luto

A psicóloga Vivian Vasconcelos avalia que lidar sozinho com a perda pode fazer com que a dor não seja externalizada por completo, o que pode atrapalhar a continuidade da vida. “Os pensamentos, questionamentos e emoções ficam cada vez mais confusos, aumentando e intensificando a tristeza e prolongando o processo do luto. Falar, nem que seja com alguém próximo de confiança, já é algo que pode ajudar”, explica a profissional. 

Nos casos em que o sofrimento afeta significativamente a rotina do indivíduo, a especialista recomenda o acompanhamento psicológico: “O ideal é que a pessoa não lide sozinho e caso não possa ter a ajuda especializada, busque apoio com outras pessoas próximas. Mas claro, é importante ressaltar que a terapia é uma ótima ferramenta para ressignificar a dor e lidar melhor com o processo de luto”. 

A psicóloga Vivian Vasconcelos considera ser extremamente necessário buscar rede de apoio em pessoas de confiança após a perda de um ente querido 

Uma alternativa são as comunidades e redes de apoio para as pessoas lutuosas. Vasconcelos aponta que, a partir da troca de experiências, os indivíduos externalizam suas dores, se sentem acolhidos e buscam, em conjunto, melhores alternativas.

Setembro Amarelo

Colocada como uma campanha extremamente necessária, Vivian Vasconcelos chama a atenção para a falta de seriedade por parte da sociedade e do próprio governo em relação ao tema.  “Parece que as pessoas só falam sobre a depressão e suicídio no mês de setembro, o que faz ser vista por algumas pessoas como uma campanha hipócrita”, esclarece. 

Também é o que acha a estudante Ana Clara: “Nós nos matamos todos os dias com pequenas coisas. Com os empregos que não nos dão espaços para ócio ou criatividade.  A gente se mata por não nos dar voz. Não dar voz aos nossos sentimentos no sentido mais amplo”, desabafa. 

Para Isabela Costa, saúde mental deveria ser uma pauta recorrente, mas é melhor ter um mês pensado para dar ênfase ao assunto, do que deixá-lo cair no esquecimento, como acontece no resto do ano. 

Se cada pessoa fizesse sua parte de não julgar e ser mais empático, de ouvir e se colocar no lugar do outro todos os meses do ano, a campanha do setembro amarelo seria mais eficaz”, comenta a psicóloga. Como profissional, apoia, acha necessário e importante que se fale cada vez mais sobre o tema, mas pontua a necessidade de uma melhor prática da sociedade como um todo.  

Precisa de ajuda?

É importante procurar ajuda de um profissional habilitado sempre que necessário, para isso o Ministério da Saúde indica os seguintes canais: 

– Unidades de Pronto Atendimento 24h (UPA), SAMU 192, prontos socorro e hospitais.

– CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde).

– Centro de Valorização da Vida (CVV), que pode ser acionado através de ligação gratuita por meio do telefone 188 ou pelo site www.cvv.org.br para chat, Skype e e-mail, realiza apoio emocional e prevenção ao suicídio. Os atendimentos realizados por voluntários são gratuitos. O CVV funciona 24 horas por dia, durante toda a semana.