Diagnóstico tardio de TDAH pode afetar vida pessoal e profissional
Doenças crônicas evitáveis, dificuldades nas relações interpessoais e tendência a vícios podem estar atrelados ao transtorno
Postado em 21/05/2024
O diagnóstico tardio do Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) pode causar complicações específicas, como a potencialização de vícios como alcoolismo e tabagismo, e dificuldades em manter relações interpessoais e realizar tarefas comuns do dia a dia. O diagnóstico de TDAH é feito de maneira clínica, podendo ser realizado por um psicólogo, psiquiatra ou neuropsicólogo.
O TDAH é caracterizado como um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e no desenvolvimento (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-V). Ainda de acordo com o DSM-V, a pessoa com o transtorno possui dificuldade em prestar atenção em detalhes, tem dificuldade em realizar simples tarefas ou atividades lúdicas e frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra diretamente.
Jessica Giuliana (31), analista técnico, foi diagnosticada com TDAH apenas aos 26 anos de idade, e relata que desde criança percebia alguns comportamentos que indicavam o transtorno, mas por conta de falta de informação, teve o diagnóstico apenas na fase adulta, de maneira tardia.
“Eu sempre tive extrema dificuldade em manter atividades até o final, hiperatividade mental, cabeça acelerada, tédio extremo, impulsividade excessiva, pouca capacidade de compreensão de riscos físicos e mentais em situações perigosas. Tenho dificuldade desde a infância de guardar objetos em seus devidos lugares, não compreendo bem e com regularidade a passagem do tempo (por exemplo, eu tenho dificuldade de chegar nos locais pontualmente porque sempre cálculo incorretamente o tempo, se o evento é às 10h eu sempre penso que em 30 min consigo me arrumar e deslocar quando na verdade preciso do dobro do tempo), marco com muita regularidade eventos em dias e horários simultâneos”, diz.
O diagnóstico tardio do TDAH apresenta consequências não só psicológicas, mas também fisiológicas, como a pré-disposição para doenças crônicas evitáveis, dependência química ou comportamental, explica Rafael Reis (28), psicólogo especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. Rafael alerta também que pessoas com TDAH tem maior dificuldade em realizar tarefas cotidianas, comportamento que se relaciona com a busca por estímulos que fazem o papel de regulador emocional.
“Algumas atividades ou comportamentos são mais estimulantes que os outros. Então, os pacientes com TDAH tendem a emitir os comportamentos mais estimulantes a fim de regular os níveis de dopamina em seu córtex pré-frontal. No entanto, a predileção por comportamentos mais dopaminérgicos faz com que as atividades cotidianas sejam ainda menos atraentes em comparação”, completa.
O tratamento
O tratamento para o TDAH pode abranger trabalhos de psicoeducação ou até mesmo medicação. Em alguns casos, a medicação ajuda a regular os níveis de dopamina, ajudando o paciente a realizar atividades que antes eram vistas como difíceis. Além disso, a mudança de hábitos é outra grande ferramenta no tratamento do TDAH.
“Quando começamos a tratar um paciente que tem TDAH, precisamos ajustar algumas coisas primeiro para que o tratamento seja mais eficaz. Ter um sono de qualidade com horários predefinidos é uma coisa muito importante, assim como ter bons hábitos alimentares. A prática de atividade física também ajuda a regular esses níveis, porque é sabido que a atividade física aumenta os níveis de dopamina, noradrenalina, endorfina e, a depender da atividade, até de outros neurotransmissores. Todas essas coisas precisam estar alinhadas para que as mudanças comportamentais aconteçam de forma própria. Quando os pacientes enxergam sentido nas intervenções que proponho, a probabilidade de se comprometerem com o processo aumenta drasticamente. Por isso a psicoeducação é uma ferramenta tão poderosa”, diz Rafael.
O psicólogo explica ainda que a atividade física, semelhante ao uso de substâncias, também regula os níveis de dopamina, mas sem os malefícios psíquicos e fisiológicos.
Durante o tratamento do TDAH é crucial que o paciente compreenda não apenas seus comportamentos e padrões de funcionamento, mas também desenvolva habilidades e estratégias de organização, planejamento e identificação de gatilhos. Além disso, a colaboração contínua com o profissional de saúde mental garante uma abordagem mais eficaz ao longo do tempo.
“Desde do diagnóstico eu tive uma oportunidade de me compreender melhor e mais profundamente. Eu consegui entender e acolher os períodos de dias que não produzia e outros comportamentos que eu tinha que eram inclusive perigosos e podiam me fazer mal. Nesse período eu comecei a fazer terapia regularmente e alguns anos mais tarde fazer o uso de medicamento para ajudar na concentração e trabalho. Isso melhorou minha sensação pessoal de produção e desenvolvimento. Reduzi meu uso de bebida alcoólica a praticamente zero, consegui desenvolver algumas ferramentas para organização especialmente no trabalho e para finalizar meu mestrado”, diz Jessica.