Pessoas LGBTQIA+ ainda enfrentam desafios para doar sangue

A revogação das restrições à doação de sangue por pessoas LGBTQIA+ foi um avanço para a igualdade, embora ainda existam barreiras e estigmas no atendimento. A persistência de preconceito reforça a necessidade de mais conscientização e respeito aos direitos de todos.

Carol Silva dos Santos

Postado em 17/03/2025


A Fundação Hemocentro de Brasília tornou-se referência no Brasil, recebendo cerca de 4.500 doações de sangue por mês e 50 mil anualmente, conforme dados do Hemocentro-DF. No entanto, até 2020, homens gays, bissexuais, travestis e transexuais não eram incluídos nessas estatísticas. Isso se devia ao fato de que, até aquele ano, o Ministério da Saúde e a Anvisa impunham restrições à doação de sangue por homens que tivessem relações sexuais com outros homens. Pelas regras, eles só poderiam doar se ficassem 12 meses sem relações sexuais, associando esse grupo a um maior risco de infecção pelo HIV, vírus causador da AIDS.

Somente após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar tais normas inconstitucionais, a situação foi alterada. O STF considerou essas restrições discriminatórias e violadoras dos direitos à igualdade e à dignidade humana. Essa restrição teve um impacto significativo nos estoques de sangue, representando um desfalque considerável. Em 2014, apenas 1,8% da população brasileira doou sangue, resultando em 3,7 milhões de bolsas, conforme dados do IBGE. Além disso, foi comprovado que o risco de infecção pelo HIV é um fator individual, que não está relacionado à orientação sexual ou identidade de gênero.

Paulo Rodrigo Vieira Pinto, de 27 anos, é um homem gay que foi doador de sangue antes da revogação da norma pelo STF. Ele compartilha sua experiência ao falar sobre a doação: “Eu doei uma vez só, mas foi tranquilo. Como eu não tinha relações sexuais frequentes, foi algo mais simples.” Paulo também expressa sua visão sobre a situação de uma pessoa com relações sexuais ativas: “Se alguém tivesse uma relação e dissesse que usou camisinha, acredito que enfrentaria dificuldades, pois durante o meu atendimento, fui perguntado várias vezes sobre minha orientação sexual e o tempo desde minha última relação. Foram perguntas repetidas, quase cinco vezes, o que acabou enfraquecendo um pouco o desejo de continuar doando. No entanto, penso que alguém com vida sexual ativa, que tenha se prevenido, também enfrentaria mais obstáculos.”

Considerar pessoas de outros gêneros como “grupos de risco” é um equívoco, afirmam infectologistas. O STF garantiu direitos e dignidade para aqueles que eram excluídos devido à marginalização e à injustiça. Antes dessa decisão, a doação de sangue por pessoas de outros gêneros era inviável, e muitos homens mentiam sobre sua orientação sexual para conseguir doar.

Foto: Carol Silva / Legenda: Recados do Mural da Vida no Hemocentro de Brasília


O relatório mais recente da UNAIDS, o “Global AIDS Update” de 2016, aponta que os grupos com maior risco de infecção pelo HIV são as pessoas que utilizam drogas injetáveis, transexuais, prisioneiros e homens que fazem sexo com outros homens. Esse estudo, desenvolvido pelo programa da ONU de combate ao HIV, identifica essas populações como “grupos chave” em termos de vulnerabilidade ao vírus.

Desafios no atendimento primário e a resistência nos hemocentros

Foto: Carol Silva / Legenda: Homem LGBTQIA+ mostrando que doação de sangue não tem gênero

Quando questionado sobre a existência de barreiras e estigmas para a doação de sangue por pessoas LGBTQIA+ no DF após a decisão do STF, Paulo Rodrigo afirma que uma das maiores desmotivações para a doação está no atendimento primário, que pode desencorajar e marginalizar homens com diferentes orientações sexuais ou identidades de gênero.

Ele explica: “Eu acredito que o preconceito ainda persiste, principalmente entre os profissionais do atendimento primário, aquelas pessoas na linha de frente, que não buscam se informar sobre como devem atender e recepcionar os doadores. Então, acredito que é por causa do estigma mesmo que ainda tem essa barreira e muitas pessoas acabam não doando sangue.”

Infelizmente, esse problema ainda ocorre com frequência nos hemocentros de todo o Brasil. A revogação das restrições pelo STF foi uma vitória para a comunidade LGBTQIA +, mas ainda assim existe resistência. Homens gays têm o direito de doar sangue em todos os espaços, e Paulo Rodrigo destaca: “Primeiro, é saber dos seus direitos, que a gente pode sim ajudar de alguma forma. Nós somos seres humanos também, dotados de solidariedade. Não é porque sou gay, que a pessoa é lésbica ou bissexual, que devemos ser excluídos. Eu penso que, ao procurar os seus direitos, ir até o hemocentro, explicar a sua situação e deixar claro que você quer ajudar, é fundamental. Acho que a doação de sangue é um dos gestos mais sensíveis do ser humano, um ato de cuidar do outro.”