Artesanato se torna uma forma de terapia para diferentes gerações
Especialistas explicam os benefícios terapêuticos do artesanato e como ele conecta diferentes gerações.
Postado em 24/03/2025
O artesanato, uma prática que envolve criar com as mãos, tem sido cada vez mais reconhecido como uma ferramenta poderosa para a saúde mental. De acordo com um estudo publicado em 2020 no periódico Frontiers in Public Health, atividades manuais como crochê, costura e tricô estão diretamente associadas ao aumento do bem-estar emocional. A pesquisa, que analisou dados de 7.182 adultos na Inglaterra, revelou que o envolvimento com a Criação de Artes e Artesanato(CAC) prevê significativamente maior satisfação com a vida.
O estudo utilizou dados do Taking Part Survey, uma pesquisa domiciliar do Reino Unido realizada entre 2019 e 2020, que investiga a participação cultural e esportiva da população. Por meio de métodos estatísticos, os pesquisadores descobriram que fazer artesanato melhora o bem-estar das pessoas, independentemente de fatores como idade, gênero, emprego ou saúde.
Além disso, a pesquisa destacou que o artesanato ativa áreas do cérebro relacionadas ao relaxamento, ajudando a reduzir sintomas de ansiedade e estresse. Para os autores do estudo, essas práticas são uma ferramenta acessível e de baixo custo que pode ser utilizada em nível de saúde pública para promover o bem-estar emocional.

O papel da arteterapia na saúde mental
A psicóloga clínica Ana Paula Oliveira Bodanese, que atua há oito anos com base na Terapia Cognitivo-Comportamental e trabalha com psicopatologias e adoecimento mental, explica que atividades manuais e oficinas são excelentes instrumentos terapêuticos, utilizados em diversos contextos, incluindo casos que exigem internação. Ela destaca a influência histórica da luta antimanicomial no Brasil, que promoveu a integração de pacientes por meio de oficinas terapêuticas, técnica desenvolvida pela psiquiatra Nise da Silveira. “Essas práticas revolucionaram a maneira de enxergar o tratamento em saúde mental”, afirma.
Segundo a psicóloga, a arteterapia é uma ferramenta poderosa para expressar emoções e promover autorregulação. “A arteterapia é uma ferramenta excelente para que o paciente possa expressar suas emoções. As oficinas são interpretadas com uma ferramenta mais “segura” de expressão. Elas não substituem o tratamento psicológico e psiquiátrico convencional, mas são um elemento extra para promover saúde e bem-estar”, ressalta.
Ana Paula também enfatiza que o ato de criar algo do zero pode ajudar a construir autoestima e autoconfiança. “Com certeza! Pode ainda trazer concretude a emoções e permite a socialização quando é feito em pequenos grupos.”
Quando questionada se o crochê e a costura podem ser considerados formas de meditação ativa, a psicóloga explica que, embora não sejam meditação em si, essas atividades têm um caráter meditativo.
Ana Paula também compartilha que, em seu trabalho, busca orientar pacientes a atividades que promovam prazer e relaxamento. “Nessa orientação, buscamos as mais diversas atividades junto com os pacientes, inclusive artesanatos e outras formas de expressão.” Além disso, ela destaca que toda prática de uma nova atividade é estimulante para o cérebro.
Por fim, a psicóloga explica que pacientes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que têm dificuldade em controlar a atenção, podem se beneficiar de atividades como o artesanato. “O aprendizado de uma habilidade tende a ser uma ótima forma de regular o foco como complemento ao tratamento tradicional”, conclui.
Minion de crochê: a criatividade do artesanato transformando fios em personagens. Foto: Gabriela Nogueira
Como o crochê e a costura criam laços entre idades
Clarice Guitton, de 21 anos, começou a fazer crochê em 2020, durante a pandemia de Covid-19. Na época, com 16 anos e cursando o primeiro ano do ensino médio online, ela encontrou no crochê uma forma de aliviar a ansiedade. “Conheci o crochê através do Instagram, quando uma amiga me mostrou que podia criar roupas, bolsas e acessórios. Rapidamente, me engajei e comecei a crochetar”, conta.
Ela também reflete sobre como o crochê é visto por diferentes gerações. “Para a geração da minha avó, o crochê era uma obrigação. Hoje, minha geração vê como um hobby, uma forma de fugir das obrigações do dia a dia”, explica. Clarice acredita que o artesanato pode aproximar pessoas de idades diferentes, criando laços e compartilhando conhecimentos.
Marta Lúcia de Paula, de 63 anos, aprendeu crochê na escola e vê a prática como um complemento essencial em sua vida. “Faço crochê diariamente. Se não faço, parece que falta algo”, diz. Para ela, o crochê é uma forma de relaxar e se concentrar, trazendo paciência e serenidade.
Marta observa que o crochê já foi mais valorizado no passado. “Antigamente, o crochê tinha espaço em todo lar. Hoje, é raro ver jovens se interessando, o que é uma pena”, lamenta.
Heloisa Helena Nogueira, de 59 anos, começou a costurar para criar bolsas e nécessaires para sua filha. Hoje, a costura é uma fonte de bem-estar e criatividade. “A costura estimula minha concentração e me acalma. Quando estou costurando, minha mente vai para outro lugar”, conta.
Heloisa também destaca os benefícios cognitivos da prática. “A costura exige muita concentração e coordenação motora, como um quebra-cabeça. Isso ajuda a manter a mente ativa”, explica. Ela acredita que o artesanato pode unir pessoas de diferentes idades, criando amizades e conexões significativas.
Clarice transforma fios em arte, unindo criatividade e tradição no crochê. Foto: Gabriela Nogueira
Tapetes de crochê: cada ponto é uma história de dedicação e arte manual. Foto: Gabriela Nogueira
Crochê funcional: onde a arte se encontra com a praticidade. Foto: Gabriela Nogueira
Nécessaire de tecido: versatilidade e charme em uma peça artesanal. Foto: Gabriela Nogueira