Tecnologia atrai nova geração e transforma o ensino superior

O aumento nas inscrições em cursos de TI reflete o interesse dos jovens por estabilidade, inovação e futuro no mercado digital.

Eduarda Carvalho

Postado em 23/04/2025

O setor de Tecnologia da Informação (TI) segue em alta no Brasil, com um crescimento de inscrições em cursos da área que reflete uma transformação cultural e econômica. A promessa de bons salários, a flexibilidade do trabalho remoto e a presença crescente da tecnologia no cotidiano estão atraindo cada vez mais os jovens.

​Em outubro de 2024, uma audiência pública no Senado abordou a escassez de profissionais de tecnologia no Brasil. Com a formação anual de apenas 53 mil especialistas, projeta-se um déficit de 532 mil profissionais até 2029, afetando áreas como desenvolvimento de aplicativos, análise de dados e segurança da informação.

A aceleração da digitalização após a pandemia, aliada ao avanço da inteligência artificial e à expansão das ferramentas digitais em setores como saúde, educação e comércio, tornou a TI uma necessidade essencial. Esse crescimento não só modificou as empresas, mas também redefiniu o perfil dos profissionais mais requisitados.

Em 2023, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) destacou que o mercado de tecnologia no Brasil geraria cerca de 797 mil vagas de emprego até 2025. A informação foi apresentada em uma reunião entre o então secretário de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social, Inácio Arruda, e representantes da Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação). Na ocasião, foi ressaltada a importância da capacitação profissional para atender à demanda crescente do setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC).

Com o aumento nas inscrições em cursos de tecnologia, instituições investem em infraestrutura para formar a nova geração de profissionais do mercado digital. Foto: Eduarda Carvalho

Aletéia Patrícia Favacho de Araújo, professora de Computação na Universidade de Brasília (UnB), acredita que essa expansão da transformação digital, presente em praticamente todos os setores, da economia, saúde, educação, comércio, tem impulsionado uma demanda cada vez maior por profissionais da área de TI.

“A TI está presente de forma direta ou indireta em todas as áreas, oferecendo salários atrativos e a possibilidade de trabalho remoto, o que tem atraído muitos jovens em busca de uma carreira sólida na tecnologia”, destaca Aletéia, docente no campo da tecnologia há 26 anos. Ela ainda acrescenta que “Outro fator importante é o avanço dessa cultura digital, pois essa geração já nasce imersa no uso da tecnologia no cotidiano”, afirma.

Interesse crescente se reflete em recorde de inscrições e alta concorrência

O salto nas inscrições é evidente. Segundo dados do Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), o número de matrículas nos cursos da área de Tecnologia da Informação aumentou em aproximadamente 10%, de 495 alunos no primeiro semestre de 2022 para 540 no primeiro semestre de 2025. No Sistema de Seleção Unificada (Sisu) de 2024, o curso de Ciência da Computação registrou 57.385 inscrições, superando tradicionais graduações como Psicologia, Administração e Engenharia Civil.

Esse aumento no interesse também se reflete em uma concorrência cada vez mais acirrada pelos cursos de tecnologia. No Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), a graduação em Análise e Desenvolvimento de Sistemas atingiu 188,7 candidatos por vaga. Já a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) contabilizou 150,5 candidatos por vaga no curso de Engenharia de Software. Em algumas universidades federais, como a Universidade Federal de Goiás (UFG), o curso de Inteligência Artificial ultrapassou Medicina como o mais concorrido, segundo matéria publicada pelo G1 em janeiro de 2025​.

Livros sobre inteligência artificial ganham espaço nas prateleiras e refletem o interesse crescente por temas que dominam o futuro da tecnologia. Foto: Eduarda Carvalho

A área de Tecnologia da Informação tem atraído cada vez mais estudantes não apenas pela estabilidade financeira, mas também pela versatilidade de atuação e pelas possibilidades de inovação. Para muitos jovens, ingressar em um curso de TI é uma escolha estratégica diante das transformações do mundo digital.

“Foi um conjunto de fatores: tive influência do meu pai que atua na área, além da faixa salarial e a flexibilidade do trabalho remoto”, explica Luís Miguel Cruz, 19 anos, estudante do 3º semestre no curso de Ciência de Dados no Centro Universitário de Brasília (CEUB). Já Caroline Lopes, 18 anos, estudante do 3º semestre de Ciência da Computação no Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), conta que se encantou pelo curso ao entender melhor como funcionam as tecnologias que fazem parte do dia a dia: “É interessante entender como funcionam as máquinas que estão frequentemente na minha rotina”.

Além disso, muitos jovens enxergam na tecnologia uma forma de criar e transformar. A professora Aletéia Araújo observa que os alunos atuais, os famosos “nativos digitais”, chegam à universidade já familiarizados com dispositivos, redes sociais e ferramentas digitais. “Eles não querem só consumir tecnologia. Querem criar, entender como tudo funciona. Isso tem sido um grande motivador”, comenta.

A presença crescente da inteligência artificial também tem despertado a curiosidade de quem antes via a área como distante. “Ferramentas como o Chat GPT instigam o aluno a querer aprender como tudo aquilo é desenvolvido”, comenta a professora. Além disso, a possibilidade de seguir diferentes caminhos, como ciência de dados, segurança da informação, desenvolvimento de software ou IA amplia ainda mais o interesse.

Desafios para o ensino e o futuro da formação em tecnologia

Com o crescimento da demanda, as instituições de ensino superior têm enfrentado o desafio de adaptar seus métodos e currículos a um público mais diverso, exigente e conectado. Além do aumento significativo no número de alunos, o perfil dos ingressantes também tem mudado.

“O público tem ficado mais jovem, muitos saem direto do ensino médio com a ideia clara de que TI é a área do futuro. Mas também temos uma grande variedade de idades em sala, alunos de 16 a mais de 60 anos. Isso exige um equilíbrio grande na hora de ensinar”, relata Elias Filho, docente de cursos de TI no IESB há 10 anos.

“Hoje eu tenho turmas com até 70 alunos. Quando comecei, eram 30 ou 40. O interesse dobrou nos últimos dez anos”, afirma Elias Filho, professor de TI no IESB, sobre o aumento expressivo na procura pelos cursos da área. Foto: Eduarda Carvalho

Para lidar com esse novo cenário, os professores vêm adotando metodologias mais dinâmicas e voltadas à prática, como projetos interdisciplinares e simulações do mercado real. “Hoje os alunos chegam mais conscientes das demandas do mercado e com expectativas que vão além da teoria. Eles querem desenvolver soluções reais e trabalhar em equipe desde cedo”, observa Marcelo Paiva, professor de cursos como Ciência da Computação e Engenharia da Computação no IESB.

A evasão é um dos principais problemas enfrentados nos cursos de TI, especialmente nos primeiros semestres. “A base de matemática é muito fraca. Muitos alunos têm dificuldades em lógica, programação e cálculo, o que prejudica o andamento no curso”, destaca Elias. Ele também aponta que a curva de aprendizagem inicial pode ser desmotivadora para quem não está preparado: “Já vi turmas começarem com 70 alunos e terminarem com metade”.

Marcelo Paiva acrescenta que, além do conteúdo técnico, o ensino precisa abraçar competências socioemocionais. “Hoje, um bom profissional de TI não pode depender apenas do conhecimento técnico. Comunicação, trabalho em equipe, ética, visão de negócios e capacidade de adaptação são habilidades indispensáveis”.

O futuro da TI promete mudanças rápidas e significativas e para acompanhar essas transformações, os profissionais da área precisarão investir em aprendizado contínuo.

“O profissional do futuro vai precisar aprender, desaprender e reaprender o tempo todo. Quem pensa que vai estudar por quatro anos e parar por aí está na área errada”, alerta Aletéia. Elias concorda: “O futuro da educação em TI está diretamente ligado à inteligência artificial, à realidade virtual e à automação. Essas áreas já impactam o mercado hoje e vão dominar ainda mais nos próximos anos. A grade curricular precisa acompanhar isso”.