Ruas e redes ajudam a romper barreiras históricas no acesso à arte e à cultura
A Internet amplia a potência da arte urbana, conecta periferias e transforma redes sociais em vitrines para quem antes criava à margem.
Postado em 30/04/2025
A arte sempre encontrou caminhos, mesmo onde faltavam portas. No concreto das cidades, nos muros antes vazios e nas esquinas esquecidas, surgem cores, rimas e sons. É nas ruas que a cultura pulsa de forma crua e autêntica. De acordo com o Ministério da Cultura, o grafite é considerado como uma importante ferramenta de desenvolvimento cultural e social urbano. Mas, nos últimos anos, um novo território tem impulsionado essas expressões populares: a Internet.
O que antes era visto por quem passava a pé ou de ônibus, agora circula em vídeos virais, reels criativos, plataformas de mídia e contas dedicadas à arte urbana. Grafiteiros, poetas e músicos independentes têm usado as redes sociais para romper barreiras geográficas, alcançar públicos diversos e, muitas vezes, transformar a arte em sustento. Em uma pesquisa realizada em 2023 pelo Spotify, plataforma de música, foi constatado que 70% da receita da plataforma no Brasil foi destinada a artistas independentes e gravadoras independentes.
Cultura sem cercas
Para o grafiteiro, Rodolfo Caburé, as redes sociais foram uma ferramenta de democratização da arte e cultura, pois fez com que as pessoas da periferia fossem vistas, já que através das mídias comuns – como TV e rádio – o acesso era mais distante e mais difícil. Além de fazer com que pessoas da periferia possam divulgar, e mostrar, seus trabalhos nas redes, sem depender de um recurso de mídia, um veículo jornalístico ou uma transmissão de rádio.
“As pessoas da periferia, sem depender de um recurso de mídia, conseguem se conectar com outras pessoas, facilitando também a colaboração, e a interação, com outros artistas. Como em um evento que envolva hip-hop ou rap, junto com o grafite, fazendo com que a rede social tenha sido o intermédio dessa colaboração entre artistas”, afirma Caburé.
Henrique Rachid, poeta e compositor, afirmou que as redes sociais mudaram também a forma como a arte é feita e pensada, além de aproximar pessoas ao redor do mundo para conhecer e ter acesso à arte que foi publicada nas redes. “Sem as redes sociais eu não teria chegado nem perto de onde estou agora”, afirma.
Essa transformação não impactou apenas a visibilidade, mas também a maneira como os artistas criam, se expressam e dialogam com o público. Atualmente, uma música, uma poesia ou um mural de grafite podem ganhar repercussão mundial em questão de horas, impulsionados pelos compartilhamentos e engajamento digital. Assim, surgem novas cenas culturais, coletivos e movimentos artísticos que antes eram restritos a pequenos círculos sociais.

Do impacto visual à identificação: conexão do público com a arte urbana
Nas redes, a arte de rua causa impacto imediato. Seja um poema declamado com o barulho da cidade ao fundo ou um mural filmado em time-lapse, essas produções encontram “eco” em quem está do outro lado da tela – muitas vezes, em locais e realidades bem diferentes das que inspiraram a obra.
Para a Maria Eduarda Gonçalves, estudante de Psicologia e frequentadora da feira MOTIM de Design, de Brasília, a arte pública tem um grande papel no sentido de existência. “A arte sempre teve um grande poder de transformação e comunicação com a população que ela se aflora. É uma forma de o ser-no-mundo perceber e entender o lugar dele”, resume.
Essa identificação, que pode vir pela estética ou pelo discurso, ajuda a quebrar preconceitos históricos sobre o grafite, a música de rua e a poesia periférica. O que antes era visto como vandalismo ou improviso, agora é reconhecido como expressão artística – e até deseja nos feeds.
“Eu sigo um monte de artistas de rua, como: Kobra, Alex Senna, entre outros, mesmo sem ter tido contato direto na minha cidade. É como se a Internet abrisse janelas para algo que não vemos em museus, centros artísticos e na televisão “, diz Marcos Dias, dançarino e morador da Ceilândia.
Para o estudante de Jornalismo, Theo Tavares, as artes públicas têm como sua principal função trazer maior acessibilidade para o povo e trazer essa ideia de que a arte é de todos para todos. Ele afirma que essas artes exigem um grande talento, criatividade e experiência. Para o estudante, os artistas que se destacam nesse meio são OSGEMEOS (Otávio e Gustavo Pandolfo) e Daniel Toys, grafiteiro brasiliense, além de artistas internacionais como o Bansky. “Elas promovem os meios de manifestação, que procuram transmitir uma mensagem, seja por positividade ou por protesto contra forças maiores”.
Ivan Melo, estudante de Arte na UnB, afirma que as artes desempenham um papel fundamental na vida das populações periféricas, oferecendo benefícios que vão desde a valorização cultural até a transformação social, atuando como uma ferramenta de expressão, resistência e inclusão. “Eu gosto muito, acompanho nas redes sociais alguns artistas especializados na área do grafite, principalmente, como o Toys, Gurulino e Sinley.
Essas reações mostram que, para além da visibilidade e da monetização, a Internet ajuda a construir pontes culturais: entre o concreto, os sons, as ruas e os pixels das telas.
Barreiras que ainda existem
Apesar da visibilidade que a Internet oferece, os artistas enfrentam diversos tipos de barreiras: o preconceito e os algoritmos. O grafiteiro, Caburé (@caabure – Instagram e TikTok- e @caaburegraf – YouTube) ressalta que mesmo com a expansão do alcance, o estigma social associado às expressões artísticas urbanas ainda existe. “O preconceito, além de vir da sociedade, vem também das grandes galerias de arte. Então, existe o estigma de que os artistas plásticos não consideram o grafite no mesmo nível artístico que as artes deles, diminuindo o acesso à galerias”.
Além disso, os próprios algoritmos das redes sociais funcionam como filtros que, muitas vezes, invisibilizam produções independentes. Sem investimentos em impulsionamento ou sem domínio de estratégias digitais, os artistas de rua têm seus conteúdos entregues a um público reduzido. Rachid destaca que essa lógica limita e cerceia a liberdade e a criatividade dos artistas, reduzindo-os apenas em conteúdos que “bombaram”. “Exige uma estética social esperada – como um corte bem feito, um roteiro bem estruturado – e tudo isso faz parte do algoritmo, então tudo isso cerceia a liberdade artística e compromete a criatividade”, afirma o poeta.
Um conteúdo acaba viralizando e você se sente obrigado a começar a produzir mais sobre esse conteúdo que bombou para que você consiga crescer na rede social. Então é algo que acontece com o artista, ele vai ser “obrigado” a produzir sempre o mesmo conteúdo para conseguir viralizar e não ficar apenas em nichos, limitando o seu ‘crescimento’.
Rodolfo Caburé
