Indústria wellness cresce e levanta alertas sobre riscos à saúde

Uso desregulado de suplementos como multivitamínicos, creatina, colágeno, cápsulas de pré-treino e shots matinais tem gerado alertas entre especialistas.

Karol Oliveira dos Santos

Postado em 14/05/2025

Estimulados por influenciadores digitais e embalagens chamativas, muitos brasileiros têm incluído suplementos alimentares na rotina sem qualquer orientação profissional. Esses produtos são substâncias concentradas de nutrientes, como vitaminas, minerais, aminoácidos ou compostos bioativos, cuja função é complementar a alimentação. A prática é impulsionada pela expansão da chamada indústria wellness: segmento que reúne produtos e serviços voltados à promoção do bem-estar físico, mental e estético, e que movimenta bilhões ao redor do mundo. O uso desregulado de suplementos como multivitamínicos, creatina, colágeno, cápsulas de pré-treino e shots matinais, no entanto, tem gerado alertas entre profissionais de saúde e especialistas em nutrição.

Segundo um levantamento da consultoria Euromonitor, o Brasil ocupa a quarta posição no mercado mundial de suplementos alimentares, atrás dos Estados Unidos, China e Japão. A estimativa é que esse segmento movimente mais de R$6 bilhões por ano no país. Ainda de acordo com a empresa, a principal motivação para o consumo está relacionada à busca por um estilo de vida mais saudável, o que, na prática, nem sempre se confirma, já que o uso sem supervisão pode acarretar efeitos adversos à saúde.

A nutricionista Isabela Clerot, especializada em diabetes, explica que a suplementação sem acompanhamento pode levar a desequilíbrios nutricionais sérios. “Mesmo substâncias consideradas seguras podem provocar efeitos adversos se consumidas em excesso ou de maneira inadequada”, alerta. Segundo ela, há casos em que o uso contínuo de suplementos sem necessidade real pode sobrecarregar fígado e rins, além de mascarar hábitos alimentares ruins.

O Brasil é o maior mercado de bem-estar da América Latina, com uma economia avaliada em US$111,09 bilhões, superando países como México e Argentina | Foto: Karol Oliveira

O cenário atual é impulsionado por uma cultura que valoriza resultados rápidos, especialmente entre jovens adultos, muitos deles iniciando o consumo de suplementos sem qualquer recomendação médica. Lucas Ezequiel Mourão, de 24 anos, começou a tomar multivitamínicos, creatina e cápsulas de pré-treino por conta própria, buscando melhor desempenho nos treinos e recuperação muscular. “Não consultei um profissional, mas acredito que a rotina de treinos com uma dieta voltada para os meus objetivos com o suporte desses produtos fizeram diferença para que eu conseguisse os resultados desejados em espaço menor de tempo”, relata. Já Áurea Ribeiro, de 56 anos, passou a consumir vitaminas e shots naturais com o objetivo de melhorar a saúde e aliviar sintomas da menopausa. “Sigo indicações de nutricionistas nas redes sociais, mas não me consulto diretamente para isso”, conta.

A ausência de acompanhamento profissional, aliada à forte presença de estratégias publicitárias, preocupa especialistas. Clerot aponta que muitas dessas propagandas não têm base científica e se aproveitam da falta de conhecimento nutricional da população. Além disso, destaca que a regulação da Anvisa ainda é insuficiente para frear exageros: “Há uma fiscalização, mas não na mesma intensidade da indústria farmacêutica. Isso permite brechas que comprometem a segurança do consumidor”.

De acordo com especialistas, a suplementação pode ser benéfica em contextos específicos, desde que baseada em avaliação clínica e exames laboratoriais. Em paralelo, cresce o debate sobre o papel da educação nutricional, da regulação do mercado e da responsabilidade das plataformas digitais na divulgação de conteúdos relacionados à saúde e ao consumo desses produtos.

O que dizem os rótulos?

A embalagem colorida, o apelo visual e as promessas de ganho de energia, emagrecimento ou melhora da performance chamam atenção nas prateleiras e nas redes sociais. Mas, quando o olhar se volta para o rótulo, o cenário muda: nomes técnicos, composições ambíguas e a ausência de informações claras tornam a leitura difícil até para quem já tem algum conhecimento sobre alimentação.

Estudo revelou que 86% dos brasileiros consomem suplementos sem prescrição de um nutricionista, e 66% não leem o rótulo do produto | Foto: Karol Oliveira

“Muitos desses produtos, no rótulo, não vêm com a função da substância que está sendo colocada ali, o que dificulta a tomada de decisão consciente”, explica a nutricionista Isabela Clerot, especialista em diabetes. “Não é incomum que o consumidor se depare com substâncias pouco conhecidas, como extrato seco de Citrus aurantium, L-carnitina, picolinato de cromo, entre outras, sem qualquer explicação da função ou da dosagem segura de uso.”

A legislação atual exige que suplementos alimentares informem composição, quantidade de nutrientes e recomendação de uso. No entanto, expressões como “natural”, “detox” ou “termogênico” são frequentemente utilizadas de forma livre, sem necessidade de comprovação robusta de eficácia. “Esses termos são usados à vontade, não têm nenhuma regulamentação específica. ‘Termogênico’ é um termo comercial, mas não há uma definição técnica oficial na legislação que explique o que é isso de forma objetiva.”

Outro ponto que gera preocupação é a ausência de advertências mais visíveis sobre os riscos de uso contínuo ou combinado com medicamentos. Além disso, produtos importados muitas vezes chegam ao Brasil por meio de e-commerces sem tradução adequada dos rótulos, o que pode comprometer a segurança do consumidor. “A gente vê muito suplemento que chega de fora e está todo em inglês. E o consumidor, muitas vezes, não entende o que está tomando. Isso é um risco”, alerta Clerot.

Por isso, especialistas recomendam cautela. Antes de adquirir qualquer suplemento, a orientação é procurar profissionais habilitados e desconfiar de produtos com promessas rápidas, ausência de registro na Anvisa ou rótulos pouco transparentes.