Professores adoecem em silêncio enquanto enfrentam humilhações no ambiente escolar
Assédio moral por parte de gestores e pressão institucional agravam o sofrimento mental de docentes, que muitas vezes não encontram apoio nem coragem para denunciar
Postado em 25/06/2025
No primeiro trimestre de 2024, o Distrito Federal registrou 142 denúncias de assédio moral em órgãos da administração pública, incluindo escolas da rede pública de ensino. Esse número representa a continuidade de uma tendência preocupante, com um aumento expressivo em relação aos anos anteriores e evidenciando a persistência e gravidade do problema. Além das agressões físicas e verbais, o sofrimento silencioso causado por perseguições e humilhações contribui para o adoecimento mental de docentes, que seguem sem apoio efetivo das instituições.
Cotidiano tóxico e silencioso
A realidade de muitos professores da rede pública do DF é marcada por ambientes de trabalho tóxicos, onde práticas de assédio moral se manifestam em diferentes formas: cobranças excessivas, desqualificação profissional, exclusão de atividades coletivas, críticas constantes e sobrecarga proposital. Em grande parte dos casos, os assediadores ocupam cargos de chefia ou têm relação direta com a gestão escolar. Essa dinâmica afasta o professor do seu trabalho principal — a educação — e transforma a escola em um ambiente de sofrimento contínuo.
Segundo dados da Diretoria de Epidemiologia em Saúde do Servidor, da Secretaria de Planejamento do GDF, entre janeiro e abril de 2023, mais de 5.178 servidores da rede pública de ensino precisaram de atestados médicos. Cerca de 26,31% desses afastamentos foram para tratar de transtornos mentais gerados, inclusive, por violência e assédio no local de trabalho. Desse grupo, 84,4% eram professores. A maioria dos casos envolve sintomas associados à síndrome de burnout, depressão e transtornos de ansiedade.
O impacto psicológico do assédio
Para compreender melhor os impactos do assédio moral na saúde mental dos docentes, conversamos com a psicóloga clínica Ana Beatriz Lima, especializada em saúde ocupacional. Segundo ela, o adoecimento emocional do professor tem início ainda na negação da situação: “Muitos não reconhecem que estão sendo assediados. Apenas se sentem insuficientes, culpados ou ansiosos, sem perceber que o ambiente é que está doente.” Ana Beatriz afirma que a repetição diária desses abusos mina a autoestima do docente, reduz sua capacidade de concentração e, em casos graves, leva ao afastamento prolongado ou ao abandono da profissão.
A precarização das condições de trabalho também é apontada como um fator que contribui para o aumento dos casos de assédio moral. Salas de aula superlotadas, ausência de recursos pedagógicos, acúmulo de funções administrativas e falta de estrutura para atendimento às demandas emocionais e sociais dos estudantes criam um cenário propício para conflitos e pressões indevidas.
Para João Carlos Mendes, professor da rede pública do DF há 15 anos, a pior parte é o silêncio institucional. “O que mais adoece não é só o assédio, mas a certeza de que ninguém vai fazer nada. Quando você denuncia, vira um problema. E aí vem o medo: de perseguição, de perder a lotação, de ser punido por reclamar.” João relata que, nos últimos anos, já testemunhou colegas adoecendo em série nas mesmas escolas, mas que pouco mudou no tratamento dado aos casos. “Fica parecendo que o problema é a pessoa fraca, e não o sistema que adoece.”
A professora Maria Silva (nome fictício), com 12 anos de atuação na rede pública do DF, também compartilha sua experiência: “Durante dois anos, fui constantemente desqualificada pela direção da escola. Meus métodos de ensino eram ironizados em reuniões, fui retirada de projetos sem explicações e, em diversos momentos, isolada das decisões pedagógicas. A situação chegou a um ponto insustentável quando passei a receber ameaças veladas de que poderia perder minha lotação se insistisse em questionar as práticas da gestão. Após muito sofrimento, decidi formalizar a denúncia junto ao Sinpro-DF. O processo foi difícil, cheio de medo e inseguranças, mas contar com o apoio do sindicato fez toda a diferença. Hoje, estou em outra escola, sigo em tratamento psicológico e, apesar das cicatrizes emocionais, me sinto fortalecida por ter rompido o silêncio.”
A atuação do sindicato e da Secretaria de Educação
O Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) desempenha um papel fundamental no acolhimento e suporte aos docentes que enfrentam situações de assédio moral. Além de oferecer assessoria jurídica especializada, o sindicato disponibiliza atendimento psicológico, grupos de apoio e promove atividades de formação e conscientização sobre o tema. Segundo Élbia Pires, coordenadora da Secretaria de Saúde do Trabalhador do Sinpro-DF, “implementamos um protocolo de acolhimento que envolve escuta ativa, orientação jurídica e acompanhamento psicológico. Também realizamos campanhas educativas nas escolas para informar sobre o que caracteriza o assédio moral e como proceder em caso de ocorrência”.
Após a formalização da denúncia, o Sinpro-DF orienta e acompanha os professores ao longo de todo o processo, que inclui o encaminhamento do caso às instâncias competentes, como a Corregedoria da Secretaria de Educação e, quando necessário, ao Ministério Público. As punições aplicadas aos responsáveis variam conforme a gravidade do ato e podem ir de advertências e suspensão até exoneração do cargo, especialmente em casos reincidentes. Apesar disso, o sindicato reconhece que muitos processos são longos e desgastantes, o que reforça a necessidade de políticas públicas mais efetivas de prevenção e acolhimento.
Procurada, a Secretaria de Educação do DF informou que tem reforçado as políticas de prevenção ao assédio e que mantém comissões internas de ética para acolhimento e apuração de denúncias. A subsecretária de Gestão de Pessoas, Maria Clara Silva, afirmou que a pasta “tem compromisso com a valorização do professor e com a construção de um ambiente escolar seguro e respeitoso”. Ela também destacou que estão em andamento capacitações voltadas à gestão de conflitos e à saúde mental.
Professores entre o amor à profissão e o limite da exaustão
Apesar das iniciativas, a cultura de silêncio e medo ainda prevalece em grande parte das escolas. Muitos docentes preferem suportar a pressão diária a enfrentar longos processos administrativos que, frequentemente, não resultam em responsabilização dos agressores. Outros desistem da carreira antes mesmo de completar o tempo de aposentadoria.
Enquanto os números de afastamentos por sofrimento psíquico crescem, o tema segue restrito a debates técnicos e notas de esclarecimento. Pouco se fala sobre o impacto direto dessa realidade na qualidade do ensino e na permanência dos profissionais em sala de aula. A rotina de ensinar sob ameaça, desvalorização e vigilância constante tem feito com que muitos professores, como João Carlos e Maria Silva, vivam entre o amor à profissão e o limite da exaustão.