Escrita Criativa é instrumento fundamental para educação

Prática de produção de textos livres desenvolve importantes habilidades.

Rafaela Machado Leite de Oliveira

Postado em 04/06/2025

Se a escrita criativa for bem trabalhada, até mesmo na escola, teremos leitores mais proficientes e escritores mais inventivos, independentemente da profissão que queiram seguir. Foto: Unsplash

O escritor, poeta e jornalista português José Saramago dizia que “somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não”. A frase resume o espírito da escrita criativa, prática que rompe com os padrões técnicos e científicos para abrir espaço à liberdade de expressão e ao exercício da imaginação.

Cada vez mais valorizada, especialmente no meio educacional, a escrita criativa contribui para o desenvolvimento de habilidades como empatia, criatividade e comunicação. Para a doutora em Literatura Comparada e escritora Aila Sampaio, quando bem aplicada, inclusive no ambiente escolar, a técnica pode formar leitores mais proficientes e escritores mais inventivos, independentemente da carreira escolhida. “Se a escrita criativa for bem trabalhada, até mesmo na escola, teremos leitores mais proficientes e escritores mais inventivos, independentemente da profissão que queiram seguir”, afirma.

Segundo a escritora, os cursos da área promovem não apenas o ato de escrever, mas também a troca entre participantes, que compartilham suas produções, avaliam os colegas e se autoavaliam. “É um movimento que intercambia propósitos e gera motivações”, explica.

Aila já orientou textos de profissionais de áreas como Medicina, Arquitetura e Administração. “Eles não queriam mudar de profissão, mas apenas expandir suas habilidades de escrita, ultrapassar o senso comum e exercitar o texto como um trabalho de linguagem”, relata.

Sobre o perfil de quem procura a escrita criativa, a doutora observa que nem todos são leitores assíduos da literatura canônica. “Mas são, invariavelmente, pessoas que gostam da fabulação, de explorar as potencialidades expressivas das palavras e descobrir seu fascínio”, afirma e conclui: “Não é raro que muitas dessas pessoas sejam premiadas em concursos literários e se tornem escritoras”.

Oficinas práticas

A TORII nasceu da jornada de autoconhecimento de Ivan Nisida, escritor e professor de escrita criativa. Em 2019, ele deixou uma ONG ambiental para seguir sua verdadeira vocação. Inspirado por duas viagens ao Japão e movido pela paixão pela escrita, fundou a TORII em 2020, uma oficina prática que oferece cursos e mentorias, presenciais e online.

“Na TORII, concebemos a escrita criativa como uma ‘biotecnologia’: uma tecnologia de quem está vivo, em busca de si e do ato de criar. Ou seja, enxergamos a escrita de forma ampla e abrangente”, afirma Ivan, usando uma metáfora que traduz bem a proposta do projeto.

Segundo ele, escrever é, antes de tudo, um ato humano e ancestral, não algo reservado apenas a escritores profissionais. “Para nós, é uma forma de acessar nossa(s) voz(es) no mundo com autenticidade, leveza e espírito lúdico”, destaca o professor.

Ivan explica que as oficinas da TORII não se limitam à escrita literária. “Embora façamos referência a autores como Manoel de Barros e Clarice Lispector, buscamos catalisar uma escrita livre, nascida de nossas experiências, repertórios e paixões. O importante, no fundo, é escrever”, afirma.

Para Ivan Nisida, escritor e professor, a escrita criativa é mais do que uma técnica: é uma ferramenta de libertação.
Foto: Arquivo pessoal

 Benefícios  

Para ilustrar os benefícios dessa prática, Ivan cita uma reportagem recente da National Geographic, que destaca as vantagens da escrita criativa: clareza de pensamento, organização das ideias, aumento do foco, aprimoramento da coordenação motora, estímulo à memória e até o desenvolvimento da paciência. “A escrita criativa é mais do que uma técnica: é uma ferramenta de libertação. Nossa proposta vai além da estética ou da norma culta. Queremos desmistificar o ato de escrever. Vivemos em uma sociedade onde aprendemos a escrever para tirar nota ou agradar a um avaliador externo. Reencontrar a escrita como expressão genuína é, ao mesmo tempo, necessário e urgente”, afirma.

Sobre a comunicação, Ivan acredita que escrever nos ajuda a nos comunicar melhor, inclusive conosco. “Ao escutar o que estamos sentindo e como percebemos o mundo, fica mais fácil dialogar com os outros, seja com sua mãe, pai, irmão, amiga ou companheiro de vida.”

Ele relata que algumas alunas, graças à prática da escrita, passaram a se expressar melhor oralmente e chegaram a receber promoções no trabalho. “Embora o foco não esteja em habilidades específicas, mas sim na liberdade de escrever, os efeitos se irradiam para o campo cognitivo, emocional e lúdico. Tudo se fortalece ao mesmo tempo”, complementa.

Como ferramenta educacional, Ivan acredita que a escrita criativa transforma quem escreve em protagonista do próprio aprendizado. “Em um mundo de consumidores, passamos a assumir nossos papéis de criadores.”

Segundo ele, quando há prazer em escrever, estudar qualquer tema se torna mais natural. “Isso favorece o amor pelas palavras, pela leitura e pelo conhecimento”, argumenta. “Aprender se transforma em uma jornada prazerosa e estimulante. Vejo isso nos olhos de várias alunas, mesmo as que se reúnem às 20h30 de uma segunda-feira, depois de um dia exaustivo, e saem renovadas. É simples e revolucionário”, ressalta.

Sobre a criatividade, Ivan faz uma comparação curiosa: “Eu digo que as oficinas são como academias criativas. Para levantar peso, é preciso treinar. Não tem segredo. Aqui, exercitamos nossos músculos criativos e nos tornamos mais fortes e confiantes. Desenvolvemos o que chamo de ‘confiança criativa’.”

E conclui, empolgado: “É como correr uma maratona. Você não começa com 42 km. Vai quilômetro a quilômetro. Na escrita, é igual: exercício a exercício. E, quando você vê, está levantando voo!”

Escrita como terapia 

Thaís Alcântara, 31 anos, é arquiteta, mas está em transição de carreira. Após uma experiência marcante com a escrita criativa, decidiu se aprofundar ainda mais nesse universo de histórias, palavras e vidas. “Sempre gostei muito de escrever. Quando criança, eu não podia encontrar uma caneta sem escrever meu nome em algum lugar”, relembra.

Para Thaís, a escrita sempre foi uma ferramenta de autoconhecimento. “Gosto de pensar que é impossível escrever sem olhar para dentro de si ou do outro. As mudanças são inevitáveis nesse processo de descobrir mais sobre quem somos, nossos interesses e nosso estilo de vida.” 

Ela acredita que escrever a faz se sentir mais leve e mais livre: “Falamos que a escrita não é terapia, mas é terapêutica. É incrível o poder que ela tem de nos levar além de nós mesmos, rompendo os limites do corpo e da alma.”

Sua trajetória com a escrita criativa já rendeu boas oportunidades. Thaís destaca, entre elas, a realização de oficinas voltadas exclusivamente para mulheres em busca de autoconhecimento. Olhando para o futuro, afirma que tem projetos tanto nessas quanto em novas oficinas.

O escritor e professor Marlus Alvarenga, mestre em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB), compartilha uma visão semelhante. “Ser escritor não é minha principal função profissional, mas o curso me abriu algumas possibilidades”, diz ele, referindo-se à formação em escrita criativa. Marlus participou de um workshop na UnB e conta que tinha dificuldade em sair da poesia para explorar narrativas mais dialogadas. “O curso me ajudou a acessar esse novo território de forma mais natural.”

Marlus na Livraria da Travessa, em 2023.
Foto: Arquivo pessoal

Assim como Thaís, ele destaca o efeito terapêutico da escrita. “Para mim, a escrita é esse espaço artístico que mantenho guardado, pronto para ser acessado fora dos momentos de normalidade”, conclui.