Conheça a DJ, performer e mother da casa de Ratturas

Úrsula Zion comenta sua trajetória na ballroom, explica alguns títulos e fala sobre o que é “rataria”.

Daniel Lima de Araujo

Postado em 08/07/2025

Com mais de cinco anos de atuação na cultura Ballroom, ela é referência na cena do Centro-Oeste e idealizadora da plataforma Cob TV. Foto: Daniel Lima

DJ, performer, produtora cultural e mother da Casa de Ratturas, Úrsula Zion é uma voz ativa dentro da cena Ballroom no Centro-Oeste. Desde 2018, quando teve seu primeiro contato com a cultura através da Kiki House of Caliandra, ela vem construindo uma trajetória que envolve arte, política e acolhimento.

Úrsula gerencia uma house que se orgulha da “rataria”, considerada a arte de sobreviver com criatividade e poucos recursos. Também fundou a Cob TV, plataforma que registra e difunde a memória das balls no Brasil. Em 2022, recebeu o título de Legendary, reconhecimento máximo por sua contribuição à cena.

Além de atuar como produtora de balls e eventos culturais, ela é DJ residente em espaços como o Lá no Bar e fidelizada em line-ups de festas independentes em Brasília e outras capitais. Seus sets misturam Vogue Beats com sonoridades brasileiras como funk, house e até samba, trazendo uma identidade única à pista. Seu trabalho já passou por eventos como Birosca, Ferry, Treinos Ácidos, festivais independentes e balls em Goiânia, Salvador, Sergipe, Espírito Santo e São Paulo.

Como DJ, ela colabora na criação de materiais de estudos e pesquisa, além de trilhas sonoras, edições exclusivas e remixes que circulam entre diferentes cenas do país. Úrsula é referência para uma geração que ocupa a noite com arte, política e afeto, transformando os “rolês” em espaços de celebração, memória e resistência.

Como você se define?

Eu sou Úrsula Zion, faço parte da comunidade Ballroom desde 2018. Comecei a discotecar e aprender de fato como fazer isso, além de conhecer o cenário da ballroom que uniu tudo o que eu amava: dança, arte, música, política, identificação e reconhecimento. Desde então, eu atuo principalmente como DJ, produtora cultural e, atualmente, sou a Mother da Casa de Ratturas, uma house que abriu em 2024.

Você recebeu um título dentro da cena, qual foi?

Em 2022, eu recebi o título de Legendary por conta das minhas contribuições. E dentro da cena, temos essa questão dos status, né?! São divididos em ordem crescente entre stars, statements, legends e icons, que são dados de acordo com os anos e a contribuição de cada um para a cena ballroom. 

Mais do que um espaço de expressão artística, o que é a comunidade ballroom para você?

É um caminho para que você possa conquistar as coisas. Atualmente é um espaço que tá abrindo muita oportunidade para quem trabalha na área da arte, tipo DJ, performer, pessoas que cantam, pessoas que produzem e outras. Enxergamos a Ballroom como um caminho para você poder mudar de vida com a nossa arte, o que a nossa galera criou e o que a nossa galera desenvolve. Então vamos usar isso como uma forma de mudar a nossa realidade.

Além de emergir sua carreira como DJ, cite outro marco da ballroom na sua vida pessoal.

Ela traz a possibilidade de acolhimento e pertencimento, né? Antes eu era das danças urbanas, e tinha muitos problemas em relação ao meu corpo. Eu dançava em grupo de dança, tinha que apresentar em palco, e isso era tipo assim, 2012, 2013, onde a galera nem falava de gordofobia nessa época. Passei muitos perrengues nesses grupos, até chegar o momento em que eu não me sentia mais confortável, e aí eu quis… sair, parei de dançar e de me envolver com qualquer coisa relacionada à dança.

Eu voltei a dançar na Ballroom, porque lá eu vi que era um lugar onde as pessoas botavam fé em mim, me reconheciam, vibravam por mim, batiam palmas e qualquer coisa que eu fazia, tava todo mundo gritando e me ovacionando.

O que é a CobTV?

Em 2018 criei a Cob TV, que é a primeira e a maior plataforma de difusão digital da cultura Ballroom aqui no centro do Brasil. Nosso objetivo é fazer a gravação das balls e disponibilizar no YouTube. A intenção é reunir todo e qualquer registro dessas balls e da cena, para que tenhamos o nosso próprio arquivo e memória contada por nós. Porque, se não organizarmos esses registros, não terá alguém que vai reunir todo esse material para nós. 

A Cob TV vem a partir disso e depois de um tempo também começou a produzir eventos. Atualmente o nosso principal evento é o Cob Awards, que é como se fosse o Grammy da Ballroom, né? Premiamos as melhores performances, participações, produções e algumas outras áreas também, como áreas de backstage, melhor DJ, melhor host, melhor chante, melhor fotografia e por aí vai.

Como você se tornou Mother da casa de Ratturas e qual o seu papel?

Eu sempre tive esse feeling de tomar a frente das coisas, encabeçar as paradas ou ter algumas ideias malucas e resolver executar, tipo a CobTV. Quando entrei para a Casa de Orun Odara, fui Imperatriz e em seguida Mother, por mais que eu não tenha tido o melhor desempenho, foi uma ótima experiência. Na casa de Ratturas eu já sei o que devo ou não fazer, já catei os erros que tive na outra casa e que eu não vou cometer agora.

Estar nesse posto de Mother foi uma coisa que só aconteceu, tipo, eu não sei explicar muito bem, mas literalmente só aconteceu. Se eu fosse abrir uma casa, eu teria que ser mãe, porque eu tenho conhecimento pra passar, sei como funciona, sei organizar as pessoas e quero que isso aconteça. 

Não tinha muito sentido abrir a casa e não estar nesse lugar de Mother, até pelo tempo de cena, nossa proposta é trazer pessoas novas e ensinar, em vez de pegar pessoas que já estão prontas, já sabem de tudo e que às vezes só vai dar mais trabalho porque está com a mente feita.

Integrante da Casa de Ratturas em figurino feito à mão com tinta prata e cola quente. A estética “rataria”, como os próprios definem, representa a criatividade e o improviso como forma de resistência e expressão. Foto: Daniel Lima

O que significa ser um rato da casa de Ratturas?

Ah, é fazer rataria. É você tentar sobreviver com o que você tem, é você se virar com o que você tem. Você tá com pouco recurso, vai fazer uma rataria, vai fazer uma gambiarra, e você vai chegar no seu objetivo com o pouco que você tem. E todo mundo na casa meio que vive assim. aí todo mundo trabalha na noite, todo mundo trabalha com performance então a gente sempre tá indo numa ratoeira buscar o nosso queijo, entende?

Como a Casa de Ratturas se destaca?

Eu acho que nos destacamos no sentido de todo mundo trabalhar com arte. Todo mundo sobrevive de coisa artística, seja de performance, audiovisual, fotografia, design, dança ou música. 

A gente fala que pra entrar na casa, já tem que aceitar que você é um rato. Isso já deixa mais restrito, não é todo mundo que vai entrar, não é todo mundo que vai querer esse nome. Às vezes as pessoas vão querer participar de uma casa que tem um nome super bonito e conceito, Raturas para além do nome, é uma coisa que a gente pode inventar. 

Qual o apoio das casas na vida de cada pessoa? 

Às vezes, tem uma pessoa na casa que está em situação de vulnerabilidade, sem dinheiro para comer, faltando uma geladeira, desempregado ou passando por coisas do tipo. Essas pessoas podem recorrer às Mothers e Fathers para ter suporte, apoio e alguém para estar acolhendo, ajudando e também organizando as ideias. Mas temos em mente que a casa não é para resolver a vida das pessoas. 

Infelizmente, não é a casa que vai pagar o seu aluguel atrasado. Tipo, a gente pode se juntar, fazer uma vaquinha, pagar um mês, dois meses, mas não… A gente também não cria essa fantasia de que tudo que você precisar a gente vai poder dar. Porque nós também somos pessoas que estão aqui tentando sobreviver, tentando fazer o nosso próprio corre. Então a ideia é a gente se ajudar. 

Como receber um título dentro de uma casa?

Dentro da cena, a gente também entende que quando vamos dar um título a alguém dentro de uma casa, é porque a pessoa já tá exercendo aquela função e tomando a frente ocupando esse lugar. Caso eu esteja vendo um filho que está se empenhando muito, se dedicando bastante, representando a house, colando em todas as balls, indo nos treinos e organizando a galera, daqui um tempinho eu vou dar um título de Princess. A pessoa já tá exercendo aquilo ali, você não vai dar um título ou reconhecimento para uma pessoa executar. Você está dando um reconhecimento porque ela já está executando aquilo ali.