Escolas vivenciam o legado do Bumba Meu Boi de Seu Teodoro
Projeto “Memória e Educação” aproxima estudantes da rede pública do patrimônio imaterial por meio da música, da dança e da ancestralidade.
Postado em 11/06/2025
No Distrito Federal, crianças e adolescentes têm aprendido sobre história, identidade e pertencimento não apenas nos livros, mas também ao som dos tambores e dos cantos do Bumba Meu Boi de Seu Teodoro. A iniciativa tem como objetivo aproximar os estudantes do patrimônio imaterial da capital e valorizar os saberes ancestrais por meio de oficinas, apresentações e contato direto com o grupo.
Filha do mestre Teodoro Freire e professora aposentada, Tamá Freire é uma das responsáveis por conduzir o projeto. Ela explica que a proposta nasceu da percepção de que os conteúdos escolares, muitas vezes, não contemplam as culturas locais. “Os alunos até têm os livros, mas tudo fica muito distante. Principalmente porque os nossos livros trazem muitas histórias de fora. Aqui, eles vivem a cultura popular, experimentam, sentem. É uma aula fora das quatro paredes.”
Com apoio do Ministério da Cultura, o projeto passou a oferecer transporte e lanche para até 75 pessoas por turno, permitindo que alunos de diferentes regiões do DF pudessem participar. Durante as visitas, os estudantes conhecem o Museu do Boi, experimentam os instrumentos, participam de oficinas de tambor de crioula e bumba meu boi e interagem com os integrantes do grupo em apresentações ao vivo. “Eles chegam curiosos, encantados com as cores, os chapéus, os bordados. Alguns têm medo, porque não fomos ensinados a valorizar a nossa cultura, principalmente a cultura negra e dos povos originários. Mas é isso que estamos resgatando”, afirma Tamá.
Criado por migrantes maranhenses que chegaram a Brasília em um tempo em que a cidade ainda nem tinha moradia consolidada, o grupo foi se formando aos poucos, atraindo vizinhos para “brincar o boi”. Com mais de 60 anos de história, o Boi de Seu Teodoro foi reconhecido pelo IPHAN como Patrimônio Cultural Imaterial, devido à sua contribuição para a preservação da cultura popular no Distrito Federal. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito às práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios, modos de fazer, celebrações, formas de expressão cênicas, musicais ou lúdicas, além de lugares como feiras, mercados e santuários que abrigam práticas culturais coletivas.
O Boi de Seu Teodoro carrega também uma pedagogia própria — construída com paciência, escuta e afeto. “Meu pai era muito amoroso com as crianças. Ele tinha muita paciência. Nunca gritava, nunca batia. Ele ensinava no tempo da pessoa, com exemplos. Não havia prazo de validade para aprender com ele”, lembra Tamá. “Na escola formal, a gente corre contra o tempo. Tem bimestre, prova, entrega. Com ele, era diferente. Era conversar, era mostrar. A pedagogia dele era do exemplo.”
Essa abordagem acolhedora se estende até hoje. Ao receber estudantes no Centro de Tradições Populares, Tamá e os demais integrantes do grupo recriam essa forma de ensinar. “Aqui, o aluno pode errar, pode perguntar, pode viver. E é nesse viver que ele aprende.”
Experiências que transformam o currículo
Na Escola Parque 210/211 Norte, a visita ao Centro de Tradições foi integrada a atividades já em andamento. “Os alunos já tinham estudado o bumba meu boi, lendas e coreografias. Quando chegaram lá, já sabiam quem era Seu Teodoro. Foi muito rico ver o envolvimento deles com os instrumentos e o tambor de crioula, que ainda não tínhamos trabalhado”, conta Juliana Araújo de Paula, professora de dança e teatro.
A escola mantém um trabalho contínuo com danças populares brasileiras, e a visita serviu também para homenagear o grupo: os alunos apresentaram uma coreografia com uma das músicas do Boi. “Esse projeto é essencial, mesmo para quem ainda não trabalha com cultura popular no dia a dia. Ele incentiva esse contato, cria uma conexão forte com o território e apresenta saberes que não são comuns para muitos estudantes. É uma experiência que precisa continuar”, completa.
No CED 01 do Itapoã, escola cívico-militar com gestão compartilhada entre a Secretaria de Estado de Educação (SEEDF) e a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP-DF), a professora de artes Larissa Lamarck vê nas saídas culturais uma oportunidade rara de ampliar os horizontes dos alunos. “A cultura popular não é uma prioridade no projeto político-pedagógico da escola. Mas, dentro da minha disciplina, busco criar essas pontes. A vivência no Centro foi uma das visitas mais completas que já levei algum aluno meu.”
Os estudantes participaram de oficinas práticas de dança e música, conheceram as manifestações do tambor de crioula e do bumba meu boi e puderam vivenciar o ritual consolidado pelo grupo em Brasília. “A energia foi alta, o engajamento foi lindo. Mas o diferencial mesmo foi a contextualização. Falaram sobre cultura negra, patrimônio, pertencimento. Foi uma verdadeira aula.” Para a professora, ações como essa são fundamentais: “É um respiro do ambiente formal da escola e um ganho enorme no desenvolvimento humano dos estudantes.”
Patrimônio vivo
O projeto “Memória e Educação” não apenas preserva a tradição do Bumba Meu Boi de Seu Teodoro como também a reinventa ao transformá-la em ferramenta educativa. Essa vivência com a cultura popular está em sintonia com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que orienta as aprendizagens essenciais na Educação Básica. No componente curricular de Arte para os anos iniciais do Ensino Fundamental, a BNCC prevê o desenvolvimento da capacidade de os alunos identificarem e apreciarem diferentes manifestações artísticas, tanto tradicionais quanto contemporâneas, ampliando sua percepção, imaginação e repertório. O projeto contribui diretamente para esse processo, promovendo o contato vivo com expressões culturais presentes no território dos próprios estudantes.
A edição de 2025 do projeto foi encerrada no dia 28 de maio. A expectativa é que as atividades retornem em 2026, com a liberação de novos recursos do Governo Federal. Enquanto isso, as escolas interessadas podem entrar em contato diretamente com o Centro de Tradições Populares para agendar visitas independentes ou aguardar a seleção para a próxima edição.
Informações: (61) 99669-1020 (WhatsApp)