Jovens enfrentam ansiedade financeira aos 20 e repensam o futuro
Desemprego e custos elevados dificultam a independência financeira da juventude; muitos jovens recorrem à terapia para lidar com o estresse e a incerteza do futuro
Postado em 18/06/2025

Sete a cada dez brasileiros afirmam que os problemas financeiros afetam diretamente sua saúde emocional. A constatação, registrada por uma pesquisa da fintech Onze em parceria com a seguradora Icatu, escancara um sintoma que ganha cada vez mais espaço entre jovens na casa dos 20 anos: a ansiedade financeira. Entre dívidas, desemprego, frustrações com a carreira e uma constante cobrança por sucesso precoce, muitos vivem entre o aperto do bolso e o peso na mente.
As estatísticas se traduzem em relatos marcados por insônia, baixa autoestima, crises de pânico e até paralisia emocional. Para essa geração, o dinheiro não é só número, é também sintoma. A falta de oportunidades, combinada com a exigência por independência financeira e realização profissional, tem empurrado jovens a adiar planos, rever escolhas e até abandonar sonhos.
A escassez de políticas públicas voltadas à empregabilidade juvenil, somada à ausência de educação financeira básica desde a escola, contribui para esse ciclo. Segundo o economista e professor do Centro Universitário IESB, Riezo Silva, a independência financeira, nas condições atuais, é uma ideia utópica, especialmente diante do alto custo de vida e da baixa oferta de empregos com remuneração compatível.
Com salários que mal cobrem as despesas básicas, muitos jovens sequer conseguem pensar em projetos futuros, como pós-graduação, mudança de cidade ou empreendedorismo. Para eles, a prioridade tem sido simplesmente sobreviver.
Desemprego, saúde mental e a busca por um futuro estável
Rebeca Gouvêa, 24 anos, formada em Design de Interiores, convive com a sensação constante de estar atrasada em relação aos outros. “Sinto pressão principalmente da sociedade e de mim mesma. Me cobro muito e me sinto o tempo inteiro atrasada em relação às outras pessoas”, relata.
O desemprego e a dificuldade de inserção no mercado fazem com que ela dependa financeiramente dos pais, algo que afeta diretamente sua autoestima e seu bem-estar. Ela afirma se sentir extremamente ansiosa e estressada na maior parte do tempo, não consegue ver futuro na profissão que escolheu e diz que é muito triste pensar em ter que mudar de área apenas para conseguir se sustentar.
A pressão por “dar certo” cedo demais tem deixado marcas emocionais. Rebeca conta que a ansiedade se manifesta também no corpo: “Ultimamente até problemas pra dormir tenho tido por conta da ansiedade”. Ela contou que começou a fazer terapia após perceber o quanto suas preocupações com o futuro e o dinheiro estavam afetando sua saúde mental. Disse ainda que o processo tem ajudado muito a lidar com seus próprios pensamentos e a compreender que não está “atrasada” em relação às outras pessoas.
Para a psicóloga Aline Sampaio, a ansiedade financeira tem se tornado uma queixa cada vez mais comum entre jovens adultos. “O que percebo é a falta de planejamento, as pessoas não sabem o que desejam e acabam cometendo muitos erros na vida cotidiana”, explica.

Segundo ela, a instabilidade impacta diretamente a construção da identidade e da autoestima. “Se você tem oportunidades financeiras, com certeza terá mais oportunidades de vida. Se você não tem, precisará de mais tempo para chegar próximo de quem tem. Isso gera angústia, ansiedade.”
Outro fator que, segundo Aline, acentua a pressão sobre os jovens é a comparação constante nas redes sociais. Ela observa que, cada vez mais, os jovens se veem cobrados a conquistar mais, influenciados por dicas de influencers que parecem fáceis de seguir, mas ressalta que cada pessoa precisa encontrar seu próprio caminho.
Adaptação e aprendizado financeiro
A busca por estabilidade empurra jovens para decisões práticas, muitas vezes sem conexão com seus desejos. Para Aline, esse movimento pode ser perigoso: “Muitas vezes, por ansiedade as pessoas se jogam em oportunidades ou situações sem pensar sobre seus propósitos ou objetivos de vida”.
De acordo com Riezo, fatores como a alta exigência nas vagas, a especulação imobiliária e a inflação, aliados à baixa remuneração, criam um ambiente hostil para jovens que estão entrando no mercado. “A baixa remuneração e a alta exigência no trabalho nos fazem pensar somente em sobreviver e pagar as contas essenciais. Não sobra nada para investir ou guardar”, afirma.
Mesmo entre os que já estão empregados, a estabilidade não é garantida. Bruno Empke, 24 anos, encontrou na área de TI uma rota inesperada para o equilíbrio financeiro. Antes, cursava Medicina Veterinária, mas trocou de rumo após um amigo sugerir estudar tecnologia. “A minha escolha influenciou muito na minha estabilidade financeira; é por conta dela que eu tenho dinheiro hoje”, afirma.
Bruno também admite que precisou aprender a lidar com dinheiro ao longo do tempo. “Antes, eu recebia dinheiro dos meus pais, então não sabia o valor. Gastava tudo em uma noite.” Hoje, organiza os gastos com datas fixas de pagamento, reserva de emergência e até investimentos em criptomoedas.

Para ele, o consumo por status atrapalha muitos jovens, já que muitas vezes a pessoa tenta mostrar uma versão da própria vida que não consegue sustentar, querendo tudo sem ter condições de bancar. Ele também destaca a falta de educação financeira desde cedo como um fator preocupante, afirmando que todos precisam aprender a lidar com dinheiro e que, no seu caso, ter aprendido isso desde pequeno teria ajudado bastante.
Quando o futuro pesa no presente
As pesquisas reforçam o impacto da ansiedade financeira na saúde emocional: 64% dos trabalhadores brasileiros já tiveram sua saúde mental afetada por questões de dinheiro. Outro estudo revela que 68% afirmam que as preocupações financeiras afetam seu dia a dia no trabalho, e 72% não se sentem confortáveis para pedir ajuda financeira a familiares.
Para lidar com essa realidade, especialistas apontam que é essencial oferecer suporte, tanto psicológico quanto prático. “O jovem precisa de ajuda, afinal, ele está aprendendo como mudar seu caminho”, diz Aline.
O economista Riezo Silva acredita que políticas públicas e mudanças nas empresas também têm papel fundamental: “Oferecer mais vagas com exigência de experiência mais baixa e focar na capacitação e treinamento dos profissionais já seria um bom início”.
Enquanto isso não acontece, muitos seguem tentando sobreviver enquanto aprendem a viver. E entre boletos, sonhos adiados e noites mal dormidas, crescem jovens que lidam com o dinheiro como um campo de batalha, onde o que está em jogo não é só o saldo da conta, mas a esperança de um futuro menos instável.