Através do Jovem de Expressão, moradores da Ceilândia encontram propósito na cultura

Projeto se consolida como referência em políticas públicas culturais, promovendo novas oportunidades nas periferias do DF

Luisa Guedes

Postado em 25/06/2025

A arte como política pública tem mudado o rumo da juventude periférica. Segundo a ONG Sabra, projetos culturais oferecem oportunidades concretas de transformação social, especialmente em comunidades afetadas por desigualdade e violência. Na Ceilândia (DF), o projeto Jovem de Expressão atua desde 2007 com oficinas gratuitas de dança, audiovisual e economia criativa, promovendo pertencimento, autoestima e acesso ao mercado de trabalho. Criado pelo Grupo Caixa Seguros, o espaço tornou-se referência nacional na valorização da cultura urbana como resistência e futuro.

Enquanto políticas públicas tradicionais falham em alcançar os jovens das periferias, iniciativas como o Jovem de Expressão mostram que a transformação pode e deve começar pela cultura. Criado para enfrentar os altos índices de violência entre jovens negros, o projeto tornou-se símbolo de resistência e reinvenção social na Ceilândia. A proposta nasceu após uma pesquisa revelar que esse grupo era o mais vulnerável à violência urbana. Em resposta, surgiram as oficinas culturais como forma de proteção, fortalecimento e protagonismo juvenil.

Aulas de danças urbanas são uma das atividades mais procuradas entre os jovens atendidos pelo projeto – Foto: Luísa Guedes

Max Maciel, ativista e deputado distrital, esteve à frente da ideia desde o início e ajudou a transformar um terreno baldio na Ceilândia em um centro repleto de muita criatividade. Ao longo de mais de 15 anos, o projeto consolidou-se como uma escola onde os jovens aprendem cenografia, roteiro, iluminação, dança, audiovisual e muito mais. Mas vai além das oficinas, o espaço constrói redes, preenche lacunas afetivas, fortalece autoestima e reconfigura as narrativas que pairam sobre os territórios periféricos. Para ele, o Jovem de Expressão é mais do que um projeto, é uma política viva: “Enquanto o centro decide o que a periferia precisa, a gente já tá fazendo. A periferia já produz, já ensina, já transforma.”

Foi nesse mesmo espaço, em 2013, que Hud Oliveira deu o primeiro passo de uma nova fase da sua carreira. Com 19 anos de trajetória na dança, sendo 13 como profissional, o artista encontrou no Jovem de Expressão um lugar que não apenas acolhia sua arte, mas ampliava seu propósito. “Minha primeira oficina ali me fez perceber que ensinar podia ser ainda mais transformador do que performar”, conta. Com vivência em diferentes projetos sociais, incluindo trabalhos com menores infratores, Hud desenvolveu uma abordagem pedagógica centrada na escuta ativa, na sensibilidade e no acolhimento. “Ensinar dança vai além do passo, é ensinar presença, segurança, dignidade.” O projeto conta com acompanhamento psicológico, momentos de escuta coletiva, como o “Fala Jovem”, e um ambiente onde os corpos podem finalmente existir sem censura. Hud não tem dúvida, é nesse terreno fértil que vidas se reconstroem.

O impacto da cultura na vida de jovens periféricos

A história de Luci Andra é um exemplo vívido disso. Mulher trans, pessoa com deficiência e estudante universitária, ela cresceu enfrentando camadas de exclusão. Criada por uma mãe solo e com muitas dificuldades financeiras e preconceito, encontrou nos espaços culturais da periferia não só um refúgio, mas uma rota de existência. O primeiro contato com a dança foi quase por acaso, durante o intervalo de uma aula, ao ver jovens dançando charme, estilo de dança de rua brasileiro, nascido nos anos 1980 no Rio de Janeiro, com raízes na cultura negra e nos bailes black dos anos 1970. Ela se encantou pela atitude da dança, pela força expressiva dos movimentos, pela forma como aquele estilo dialogava com corpos marginalizados como o dela. No Jovem de Expressão, sentiu-se pertencente pela primeira vez. Encontrou apoio, espaço para se reinventar e incentivo para entrar na universidade aos 25 anos. Para Luci, dançar sempre foi um território possível, onde sua identidade era respeitada e sua voz ouvida. Esses projetos, segundo ela, não só acolhem, eles constroem futuros que antes pareciam inalcançáveis.

“Projetos como esse resgatam a autoestima, constroem futuros e sonhos; não só individuais, mas coletivos.”

“O sonho, a esperança e até mesmo a autoestima são fortalecidos nesse coletivo, nesse ambiente de troca.”

Gabriel Vinicius Silva e Silvana Cristina, ambos com 24 anos, compartilham a mesma certeza, o Jovem de Expressão transformou suas trajetórias por meio da dança. Gabriel, animador de festas, entrou no projeto após ver um post no Instagram e descobriu um universo que jamais imaginou frequentar. No início, teve dificuldade para memorizar os passos, mas contou com o incentivo constante dos professores, superando o medo a cada nova coreografia aprendida.

Silvana já participava das aulas de charme, mas decidiu se desafiar nas danças urbanas mesmo achando difícil acompanhar o ritmo. Conhecia o trabalho de Hud e o admirava, mas ainda assim se inscreveu na oficina para testar seus próprios limites. Com o tempo, tornou-se mais confiante e passou a considerar a dança como uma possibilidade profissional. Para ambos, o projeto vai além do movimento, é sobre se reconhecer, se fortalecer e estar cercado de uma rede de apoio. “Fazer o que amo com boas pessoas em volta faz toda a diferença, principalmente para o bem-estar mental”, afirma Silvana.

Além disso, o projeto também é uma ponte além da cultura. Normando Vasconcelos, de 23 anos, começou a frequentar o espaço por curiosidade e incentivo de amigos. Não demorou a encontrar um cursinho gratuito oferecido pelo projeto, que o ajudou a revisar conteúdos do ensino médio e se preparar para vestibulares e processos seletivos. Mas o Jovem de Expressão foi mais do que um reforço escolar, foi um despertar de consciência artística. Para Normando, o projeto atua como um verdadeiro polo cultural, capaz de manter viva a potência criativa da Ceilândia. “Aqui também pode nascer o maior filme, a maior redação”, defende. Participar das oficinas o ajudou a construir sua identidade, desenvolver sua voz e se ver como parte ativa da produção cultural de sua quebrada. Ele acredita que projetos assim não apenas elevam a autoestima dos jovens, eles mudam a narrativa dos lugares de onde esses jovens vêm.

As oficinas estimulam o desenvolvimento artístico e ampliam possibilidades profissionais na cultura – Foto: Luísa Guedes

Como participar do projeto Jovem de Expressão

Para quem deseja fazer parte dessa transformação, o Jovem de Expressão abre as portas para jovens de 18 a 29 anos do Distrito Federal que queiram mergulhar em vivências artísticas, educativas e sociais. As oficinas são gratuitas e acontecem na Praça do Cidadão, em Ceilândia Norte, com turmas abertas ao longo do ano. Além de atividades culturais, o projeto oferece cursinho preparatório, rodas de conversa, acompanhamento psicológico e oportunidades para quem quer ensinar, aprender ou apenas pertencer. Seja como aluno, voluntário, artista ou parceiro, o convite é claro: ocupar, transformar e expressar. Mais informações estão disponíveis no site jovemdeexpressao.com.br ou pelas redes sociais do projeto, que seguem atualizadas com programações, editais e relatos da juventude periférica do DF.

  • Instagram: https://www.instagram.com/jovemdeexpressao?igsh=MXN1bzdtcm9seXcxNA==
  • Whatsapp: http://wa.me/556133718923
  • E-mail: jovemexpressao.caixaseguros@gmail.com