Gigantes em declínio: por que grandes clubes vivem seu pior momento
Vasco e Santos são exemplos de como má gestão, erros históricos e escolhas questionáveis seguem afetando gigantes do futebol brasileiro — com ou sem modelo empresarial
Postado em 25/06/2025
Com oito títulos do Campeonato Brasileiro, três Libertadores e dois Mundiais, o Santos sempre foi sinônimo de futebol arte, responsável por revelar lendas como Pelé e Neymar. O Vasco, além de suas quatro conquistas nacionais, 24 títulos estaduais e uma Libertadores, também carrega um marco social no esporte, sendo pioneiro na luta contra o racismo no futebol.
Essas conquistas fazem parte do que tornou esses clubes gigantes, mas o que se vê hoje são campanhas abaixo do esperado, temporadas marcadas pelo medo do rebaixamento e distância cada vez maior dos títulos que um dia eram rotina.

Clubes que marcaram gerações
O historiador Vitor Andrade lembra que parte desse colapso vem de uma má administração, um problema crônico no futebol brasileiro. “É feio, é desagradável ver um time como o Santos, ver um time como o Vasco, passar por dificuldades financeiras, irem para a segunda divisão. Isso é questão meramente administrativa. Esses clubes não poderiam passar por isso. Não é justo com os torcedores, com os jogadores e nem com o futebol”, afirma.
Para ele, esse cenário é reflexo de um histórico de corrupção dentro do esporte. “Infelizmente, o Brasil tem uma tendência muito grande para corrupção. E isso também está dentro do futebol: dirigentes presos, jogadores manipulando resultados, árbitros vendidos… Isso mancha a imagem do futebol”, desabafa.
Os acontecimentos de poucos anos pra cá, comprovam esse cenário de declínio. O Santos, mesmo com sua trajetória histórica, sofreu seu primeiro rebaixamento em 2023, após anos de crises financeiras, perda de competitividade e gestões desastrosas. Já o Vasco, que ainda mantêm o peso da camisa, soma quatro rebaixamentos ao longo de pouco mais de uma década (2008, 2013, 2015 e 2020), e hoje luta não para ser campeão, mas para não cair – um reflexo direto de uma trajetória de fracassos esportivos e administrativos desde sua última conquista relevante com a Copa do Brasil, em 2011.

O brasiliense Eduardo Oliveira, torcedor do Vasco desde criança, traduz esse sentimento em frustração. “Acompanhar a trajetória do clube é deprimente. Saiu de maior clube do país para coadjuvante, esportivamente falando”, lamenta. Para ele, a SAF não era necessária. “Com gestão competente, o time se reergueria financeiramente, sem precisar vender. A SAF montou um elenco inexperiente, sem equilíbrio. Compraram jogadores jovens com potencial de venda, mas dificilmente um time assim tem bons resultados. E o pior: os investidores não tinham dinheiro. O Vasco deve o passe da maioria dos jogadores da era SAF.”
Não por acaso, o Vasco se tornou meme nas redes e até expressão popular quando algo dá errado — como na famosa expressão “Fui de Vasco”.
“Futebol é esporte, não matemática”
No Brasil desde 2021, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) permite que clubes brasileiros se tornem empresas, com regras específicas para gestão financeira, governança, pagamento de dívidas e captação de investimentos. Ela separa a gestão do futebol da gestão social do clube, buscando afastar influências políticas e trazer profissionalização.
O advogado esportista e especializado no modelo SAF, João Roberto Ferreira Franco, explica que a SAF tem uma natureza jurídica especial, diferente de uma empresa comum. “Ela protege elementos essenciais do clube, como nome, escudo e mudança de sede, por meio do ‘voto de ouro’, que fica com o clube original, mesmo que o investidor tenha 90% das ações. E, do faturamento da SAF, 20% obrigatoriamente vão para pagar dívidas do clube associativo”, esclarece.
Para ele, o modelo não é uma solução mágica, mas sim uma ruptura com o velho sistema. “A SAF retira do clube as decisões políticas, que não são técnicas, de curto prazo e quase sempre desastrosas. Quem investe quer resultado. Não investe para ganhar campeonato, mas para obter lucro — e sabe que um time organizado, que vence, valoriza o ativo. Mas se tivermos 20 SAFs na Série A, quatro vão cair. Futebol é esporte, não matemática.”
O caso do Vasco ilustra bem esse dilema. “O problema não é o modelo SAF. O problema é que, no caso do Vasco, tiraram o controle da SAF do investidor e devolveram ao clube associativo, voltando ao modelo político que fracassou por décadas. Enquanto estava nas mãos da 777 Partners, o Vasco subiu para a Série A. Voltou para o controle político, caiu o desempenho”, avalia.
No Santos, a crise não passa pela SAF, mas reflete os mesmos problemas. Beatriz Carvalho, repórter do Sporting News e torcedora do Santos, lembra que o contrato milionário com Neymar foi uma jogada de marketing e visibilidade. “Foi arriscado, mas trouxe atenção nacional e internacional. O problema não é o Neymar, e sim anos de má gestão, dívidas, contratações ruins e falta de projeto. O time vendia craques como Neymar e Rodrygo por cifras milionárias, mas nunca reverteu isso em estrutura, títulos ou estabilidade financeira”, explica.
Ela ainda reflete: “A SAF se vendeu para alguns clubes como uma fada madrinha. Mas não é. É um modelo que pode ser bom se for bem gerido”.
O papel da mídia, da história e de quem segura o microfone
Entre os torcedores, circula uma velha teoria: o declínio do Vasco começou quando o clube desafiou a então hegemonia da Globo, expondo o logo do SBT durante a final da Copa João Havelange, em 2000. O advogado João Roberto explica que, naquele contexto, o rompimento com a CBF e o impasse na venda dos direitos de transmissão levou o então presidente Eurico Miranda a tomar essa decisão de colocar o logo do SBT. “Foi uma estratégia para cutucar a Globo, ele não ganhou nada com isso. Isso reflete bem como os clubes eram geridos naquela época: muito mais na base da política e do coração do que da racionalidade empresarial”, pontua.
Para a jornalista Beatriz, porém, essa tese não se sustenta quando se observa a linha do tempo. “Atribuir toda a crise do Vasco a isso é ingênuo. O problema é estrutural. O Vasco atravessou anos de gestões complicadas, como a do Eurico Miranda, somados a endividamentos e rebaixamentos. Tudo isso levou ao cenário atual”, analisa.
O advogado ainda acrescenta que, embora hoje os clubes tenham mais autonomia para negociar seus direitos de transmissão graças à criação de ligas como a Libra e a Liga Forte União, o impacto da mídia continua sendo relevante. “Quem tem o microfone influencia. Isso vale tanto para construir quanto para destruir imagens e narrativas no futebol”, afirma.

Já Eduardo, reflete o sentimento de uma torcida que aprendeu a lidar com a frustração constante. “Torcer para o Vasco é bom demais, mas é se contentar em permanecer na Série A e ter fé que as coisas vão mudar. O torcedor vascaíno carrega todos os sentimentos possíveis: raiva, alegria, vergonha, orgulho…”, resume. Mesmo diante das dificuldades, ele faz questão de ressaltar a força da torcida. “O Vasco é um dos poucos times que lota qualquer estádio em qualquer lugar do país. O Grupo Metrópoles leva jogos do Vasco para outros estados e sempre tem lucro. Isso mostra o tamanho do clube e o potencial de retorno para qualquer investidor”, finaliza.