A moda como ferramenta de resistência e identidade negra

A moda negra rompe padrões e afirma identidade, transformando o vestir em ato político, expressão ancestral e conquista de protagonismo na indústria.

Clara Tavares Silveira Mesquita

Postado em 14/07/2025

A relação entre o movimento negro e a moda vai muito além do estilo. Desde os tempos coloniais, pessoas negras utilizam a forma de vestir como um poderoso instrumento de resistência, afirmação cultural e subversão de estereótipos. A moda negra não busca apenas visibilidade, mas reparação histórica e espaço legítimo dentro de uma indústria marcada por desigualdades estruturais.

No Brasil, onde mais de 56% da população se autodeclara preta ou parda (IBGE, 2022), a representatividade negra nas campanhas publicitárias, semanas de moda e posições de liderança criativa ainda está longe de refletir essa realidade.

Vestir é resistir

O movimento negro sempre utilizou o vestir como forma de comunicação. Se em muitas culturas brancas a moda é vista como estética ou vaidade, para pessoas negras ela se torna discurso, proteção e presença. É sobre vestir a própria identidade diante de uma sociedade que insiste em apagá-la.

Para a estudante de jornalismo e uma ativista na moda negra, Maria Luísa Antunes, o seu “encontro” com o estilo negro a fez se inspirar e descobrir o seu estilo único, espelhando em grandes personalidades negras da mídia. “Aos 8 anos, me rendi a pressão estética e alisei meu cabelo, na tentativa de me encaixar nos padrões. Quando comecei a transição capilar, me inspirei em artistas negras como a Rihanna, Zendaya e Willow Smith e aprimorando com o que eu via na rua, a música que eu escutava, a mensagem que eu queria passar”, afirma.

O movimento negro sempre o usou a maneira de se vestir como ferramenta de comunicação – Crédito: Freepik

A pesquisadora norte-americana Monica L. Miller, em seu livro Slaves to Fashion (2009), analisa esse movimento como uma forma estética de reapropriação do poder simbólico, afirmando: “O negro dândi usa o traje como armadura e performance, revelando-se contra as restrições raciais e sociais impostas”.

Protagonismo emergente: as marcas e vozes em ascensão

Hoje, uma nova geração de estilistas, designers e influenciadores negros tem conquistado espaço e reconhecimento internacional. O legado de Virgil Abloh (Off-White e Louis Vuitton), Aurora James (Brother Vellies), Grace Wales Bonner e Dapper Dan (que revolucionou o luxo nas ruas do Harlem) mostra que a moda negra é sinônimo de inovação e impacto cultural.

No Brasil, nomes como Isaac Silva, Naya Violeta, Ateliê Mão de Mãe e o coletivo Afronta contribuem para uma cena afromodernista pulsante. Esses criadores constroem narrativas próprias, resgatando ancestralidades e tensionando padrões eurocêntricos de beleza e elegância.

Segundo estudo da McKinsey (2021), apenas 3,2% dos cargos executivos na indústria global da moda são ocupados por pessoas negras. Por isso, o movimento negro na moda também é uma luta por poder institucional e igualdade de oportunidades.

Maria Luísa afirma que os espaços conquistados por designers, artistas e modelos negros ainda são muito simbólicos. São como uma “cota” para mostrar apoio a diversidade

Representatividade não é ter só um de nós na passarela, mas também, nos bastidores, criando liderando, tendo suas ideias valorizadas e não apropriadas”.

Maria Luísa Antunes.

MET GALA 2025 e o tributo ao Dandismo negro

Celebridades no MET GALA 2025

Em maio de 2025, o tradicional Met Gala — um dos maiores eventos de moda do mundo — dedicou seu tema à estética negra. Com o título “Superfine: Tailoring Black Style”, a edição celebrou o dandismo negro como expressão estética e política.

A exposição no Metropolitan Museum of Art trouxe mais de 150 peças que ilustram o impacto do vestuário negro desde o século XVIII até a atualidade. Com curadoria de Andrew Bolton, e inspirado no ensaio “The Characteristics of Negro Expression” (Zora Neale Hurston, 1934), o evento evidenciou como a alfaiataria negra se tornou símbolo de subversão e orgulho.

Figuras como Colman Domingo, A$AP Rocky e Lewis Hamilton foram destaques da noite, vestindo peças sob medida que homenageavam tanto seus ancestrais quanto sua atuação na cultura contemporânea. O dress code “Tailored for You” incentivou os convidados a usar a alfaiataria como forma de narrar sua própria identidade.

Entre estética e justiça: Os desafios da moda negra

Apesar do avanço na representação e no reconhecimento, o caminho ainda é desigual. A apropriação cultural continua sendo uma prática recorrente por parte de grandes marcas, que reproduzem símbolos da cultura negra sem atribuição, investimento ou participação de profissionais negros no processo criativo.

A estudante de Jornalismo afirma que a estética é uma “liberdade criativa”. É ousar e contar uma história desde a escolha do cabelo até a unha, mas acima de tudo, é ancestralidade e manifestação. “Assumir o crespo/cacheado, usar tranças, turbantes, roupas coloridas e estampadas, símbolos, tem um significado. A moda é uma das nossas principais ferramentas de resistência” afirma. 

“Para que a moda seja anti-racista, é preciso uma mudança estrutural. Não penas fazer campanha de Dia da Consciência Negra”.

Maria Luísa Antunes