Com produção em massa, isenções fiscais e vendas diretas, empresas asiáticas desafiam a moda brasileira
Fast fashion asiáticas pressionam indústria da moda brasileira e acirra debate sobre taxação.
Postado em 14/07/2025
O crescimento acelerado das plataformas asiáticas de e-commerce, como Shein, Temu e AliExpress, tem transformado o mercado brasileiro. Oferecendo peças a preços extremamente baixos, com entregas diretas da China, essas empresas vêm conquistando consumidores em todo país – ao mesmo tempo que impõe desafios para a indústria têxtil nacional, o varejo local e a arrecadação fiscal. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT) divulgou dados de que entre 2022 e 2024. O setor perdeu cerca de 25,6 mil postos de trabalhos formais, com especial impacto nas pequenas e médias confecções.
Esse fenômeno está no centro de uma transformação acelerada na forma como o brasileiro consome moda. Se, por um lado, ele democratizou o acesso a tendências globais e impulsionou o comércio eletrônico, por outro, trouxe consequências diretas e severas para a indústria têxtil e o varejo nacional.
A economia da moda, que emprega diariamente mais de 1,4 milhões de pessoas no Brasil e movimenta cerca de 230 bilhões de reais por ano, segundo dados da ABIT, se vê hoje sob forte pressão. A concorrência com as fast-fashions asiáticas acendeu um debate entre várias pessoas: economistas, sindicatos e empresários.
A lógica da Remessa Conforme
Parte do sucesso das plataformas estrangeiras no Brasil passa por uma “brecha” tributária. Desde 2023, o programa Remessa Conforme, da Receita Federal, permite que remessas internacionais de até US$ 50 (cerca de R$ 270,00) feitas por pessoas físicas sejam isentas de alíquota de 60% de imposto de importação.
Para o professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e especialista em mercado de varejo, Judson Gurgel, a Receita Conforme traz uma distorção séria dessa isenção de impostos. Ele afirma que quando se trata de pequenos empreendedores nacionais, que produzem e vendem no país, paga-se impostos elevados, enquanto as plataformas estrangeiras vendem direto ao consumidor sem a mesma carga tributária. “No longo prazo, isso afeta a arrecadação do Estado, desestimula a produção nacional e enfraquece o emprego formal. O impacto macroeconômico pode ser sentido na queda da atividade industrial e da base tributária” afirma Judson.

Em maio de 2024, após pressão de empresários do setor varejista e industrial, o Congresso aprovou uma taxação fixa de 20% sobre essas remessas, popularmente conhecida como “taxas das blusinhas”. A medida entrou em vigor com promessas de reequilibrar a concorrência entre produtos nacionais e importados. A publicitária, pós graduada em Fashion Luxury Brand Management, Fernanda de Abreu, avalia que a taxação ajuda, porém não é suficiente. “É um primeiro passo para trazer um pouco mais de equilíbrio, mas enquanto não houver fiscalização eficiente e políticas de incentivo ao mercado local, vai continuar como está” , afirma Fernanda.
Concorrência assimétrica
Especialistas afirmam, no entanto, que a nova taxação é apenas um passo. A estrutura de operação dessas plataformas – baseada em produção massiva, terceirização em países de baixo custo e algoritmos que reagem em tempo real à demanda – cria uma situação de concorrência assimétrica com o setor de moda brasileiro.
“Essas plataformas conseguem produzir em altíssimo volume, o que reduz drasticamente os custos unitários. Isso faz com que ofereçam produtos a preços muito baixos, dificultando a concorrência para as empresas brasileiras, que têm custos mais altos com mão de obra, tributos e logística. Na prática, isso pressiona toda a cadeia têxtil nacional, desde o produtor de tecido até o pequeno confeccionista, tornando a competição muito desigual”, explica Judson Gurgel, professor de economia.
Além da pressão nos preços, há impactos na cadeia produtiva, que vão do esvaziamento de confecções à queda da demanda por mão de obra local. A produção nacional, que já enfrenta dificuldades em competir com grandes redes varejistas, agora lida com concorrentes globais que oferecem o mesmo produto – ou visual semelhante – por menos da metade do preço.
O impacto nas pequenas marcas
A realidade é ainda mais dura para as marcas independentes. Muitas relatam queda de vendas e migração de consumidores para as plataformas estrangeiras, mesmo em nichos antes considerados fidelizados, como moda sustentável ou autoral.
Fernanda de Abreu afirma que as marcas locais precisam trabalhar muito bem o storytelling, o posicionamento é o relacionamento com o cliente, fazendo com que as marcas criem nichos que valorizam o propósito, a exclusividade é a transparência. “Com uma boa construção de marca, presença digital, experiência de compra diferenciada e storytelling forte, dá para crescer de forma sólida, mesmo que mais lenta”, declara.
Caminhos possíveis
Para economistas e especialistas, o Brasil precisa equilibrar a proteção à indústria nacional com políticas de estímulo à modernização do setor. Isso inclui revisão de tributos, apoio à inovação tecnológica, fortalecimento da marca “moda brasileira” e conscientização do consumidor.
Para o professor de economia, é necessário pensar em uma política industrial moderna que inclua: incentivos à digitalização das empresas, para que se tornem mais ágeis e competitivas; redução de custos sistêmicos, como impostos e encargos sobre produção; apoio à inovação e design autoral, agregando valor aos produtos brasileiros e ações de produção justa ao mercado interno, dentro das regras internacionais, para evitar concorrência desleal.
Enquanto isso, plataformas asiáticas seguem expandindo sua base no país. Dados da consultoria Similarweb indicam que, apenas em abril de 2025, o aplicativo da Shein teve mais de 19 milhões de acessos únicos no Brasil, liderando o segmento de moda e e-commerce.
