Casos de discriminação contra LGBTQIA+ impulsionam discussões sobre direitos do consumidor
Especialistas defendem combate firme à discriminação em serviços e comércio
Postado em 25/06/2025

Nos últimos anos, diversos casos de discriminação contra pessoas LGBTQIA+ em estabelecimentos comerciais e órgãos públicos têm ganhado repercussão na sociedade. Isso tem provocado discussões entre autoridades e prestadores de serviço para a necessidade urgente de uma maior conscientização e rigor na aplicação das leis de proteção aos direitos dos consumidores com esse perfil. Embora haja avanços legais, o preconceito ainda persiste e precisa ser combatido com firmeza e conscientização, na opinião de especialistas da área do Direito ouvidos pela reportagem.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), todos os clientes, independentemente do gênero com que se identifiquem, devem ser tratados com igualdade de direitos. Decisões judiciais recentes, em casos de conflitos provocados por desobediência a essa regra, reconhecem essa garantia. As sentenças têm imposto sanções aos infratores, como multas, cobranças de indenizações financeiras por danos morais e até aplicações de responsabilizações criminais aos acusados.
Uma mulher lésbica, que preferiu não ser identificada, contou que sofreu preconceito em uma loja de bijuterias ao procurar um presente de aniversário para a mãe. O motivo: não aparentar ser feminina. “Eu estava no centro da cidade com a minha irmã procurando o presente para a minha mãe, e, como sabia que ela gostava de ganhar brincos, decidi passar nessa loja. Ao começar a me aproximar dos brincos com minha irmã, que é uma mulher mais feminina, uma atendente me notou. Percebi a cara de desdém que ela fez ao me olhar”, lembrou.
“A atendente abriu um sorriso ao cumprimentar a minha irmã, praticamente ignorando a minha existência, mesmo sabendo que ela só estava me acompanhando e que não iria comprar nada. Todas as vezes que eu perguntava os preços, ela me ignorava explicitamente, e sugeria outros brincos para minha irmã. Quando decidi chamar a atenção dela dizendo que eu queria ser atendida também, ela respondeu: ‘Nem percebi. Você me parece muito masculina para comprar essas coisas’. Nessa hora, eu me encolhi. Senti que era a pessoa menos aceita do mundo”, completou a mulher de 21 anos.
Ela relatou que, após ouvir aquilo, saiu do estabelecimento. Segundo ela, o episódio a abalou muito. Contudo, atualmente, ser uma mulher sem feminilidade, para ela, é ir além da aparência. “Perdi a vergonha. Portar-me assim, como sou, é um ato político. Se aquilo ocorresse comigo novamente, exigiria meus direitos. Definitivamente, acho importante que haja um pedido de desculpas formal e um treinamento de respeito à diversidade aos funcionários de estabelecimentos para que coisas assim não aconteçam”, acredita.
Problemas do tipo não se restringem à iniciativa privada. Alex Morilha, um homem trans, disse que, várias vezes, foi desrespeitado em órgãos públicos, e que sua pior experiência com transfobia teria ocorrido na Unidade Básica de Saúde (UBS) 2 do Guará II. Ele reclamou que, nesse centro médico, não é tratado pelo nome com o que se identifica. “Várias vezes, funcionários foram desrespeitosos no meu atendimento, especialmente na recepção. Por exemplo, classificam meu nome (atual) como ‘nome social’. Dá pra notar quando é um erro sem intenção e quando é na maldade. E, quando reclamei, justificaram que tinham meu nome ‘morto’ (anterior) vinculado ao sistema”, protestou.
Além disso, Morilha contou que não teve nenhum tipo de suporte das testemunhas presentes durante incidentes como esse, e que o preconceito o afeta emocionalmente. “As pessoas presentes na UBS, pacientes e outros funcionários, não fizeram nada além de assistir. Tenho alguns traumas bem fortes em relação a essa questão de nome ‘morto’. Tive crise de ansiedade, no local, por conta do ocorrido, e fui repreendido com grosseria. Não tive suporte, até me falaram para ‘parar de fazer show’. A única vez em que tive suporte foi de uma médica, que foi muito acolhedora e me ajudou a manter a calma”, lembrou.
De acordo com manuais de conduta de órgãos governamentais, discriminações cometidas por servidores públicos podem levar os responsáveis a sofrer sanções administrativas e ações de improbidade administrativa.
Respeito

Sobre medidas adotadas por instituições públicas para garantir o respeito às pessoas LGBTQIA +, o advogado especializado em direito do consumidor Mozar Carvalho esclareceu que o Estado, em suas diferentes esferas — municipal, estadual e federal — tem sido bem sucedido. “Os órgãos públicos podem implementar treinamentos de sensibilização e educação sobre diversidade. Também, estabelecer e divulgar políticas claras de não discriminação, criar canais de denúncia acessíveis e confidenciais, além de garantir a aplicação rigorosa de sanções administrativas contra atos discriminatórios”, comentou.
Por sua vez, a advogada Ana Cecília Chaves de Azevedo ressaltou que os direitos dos consumidores LGBTQIA +, ao utilizar serviços de saúde e educação, devem ser amplamente protegidos por normas constitucionais e infraconstitucionais, sendo assegurados tanto no setor público quanto no setor privado. “Existem mecanismos específicos para a denúncia e reparação de atos discriminatórios. Os profissionais de saúde devem ser capacitados para atender a população LGBTQIA de forma adequada e sem preconceitos, e as pessoas trans têm o direito de serem chamadas pelo nome escolhido em todos os serviços de saúde”, avaliou.
Para situações mais graves, a ação judicial pode ser mais eficaz para obter uma reparação completa e desestimular que o erro se repita. Os especialistas consideram que a orientação de profissionais do Direito, nas áreas de defesa do consumidor e direitos humanos, é fundamental para que quem se sinta ofendido saiba quais medidas pode tomar. No entanto, reconheceram que iniciar uma ação pelo Procon pode permitir soluções mais rápidas e menos custosas.