Caravana Cultural do DF inicia jornada para fortalecer a cultura na capital

Projeto aposta em metodologia horizontal e escuta para rearticular movimentos culturais

Iago Nava e Silva

Postado em 09/07/2025

A Caravana Cultural do Distrito Federal iniciou suas atividades no dia 1º de junho em Santa Maria, marcando o início de um projeto que pretende percorrer as 35 regiões administrativas do DF ao longo dos próximos dois anos. A iniciativa representa uma tentativa estrutural de remobilização dos movimentos culturais após anos de fragmentação causados pelo desmonte institucional e pela pandemia.

“A ideia é chegar a esses territórios para estabelecer escutas, mas também ser articuladores de atividades formativas e incentivar a comunidade cultural local na realização de atividades artísticas”, explica Denise Rança, coordenadora geral do Comitê de Cultura no Distrito Federal.

O evento inaugural no Espaço Cultural Moinho de Vento reuniu várias de pessoas em uma programação que incluiu oficinas de formação cultural, feira de artesanato local, apresentações de grupos artísticos regionais e rodas de conversa com agentes culturais. O espaço, consolidado desde 2011 pelo Coletivo Família Hip Hop, simboliza a resistência cultural periférica que o projeto pretende fortalecer.

Metodologia horizontal

O diferencial da Caravana reside em sua abordagem metodológica. “Nós não chegamos numa lógica de cima para baixo e sim de uma forma muito horizontal”, enfatiza Rança. Durante dois meses, lideranças culturais de dez regiões administrativas participaram da construção colaborativa do projeto, definindo prioridades territoriais específicas.

Esta metodologia contrasta com modelos tradicionais de políticas culturais centralizadas. “A ideia é habilitar que a comunidade local possa refletir sobre as políticas culturais que estão vigorando em nível distrital e também em nível federal”, detalha a coordenadora.

A programação de junho concentra dez edições estrategicamente distribuídas: Recanto das Emas e Riacho Fundo II no Sol Center (7 de junho), Varjão e Lago Norte no Palco Cultura (8 de junho), Guará I e II na Casa de Cultura do Guará (14 de junho), Samambaia no Instituto Cerrado Skate House (15 de junho), Taguatinga no Batalhão das Artes (21 de junho), Ceilândia no Instituto Mãe África (22 de junho), Riacho Fundo I no Parque Ecológico (28 de junho) e Paranoá e Itapoã no Espaço Cultural Martinha do Coco (29 de junho).

Programa e resistências

O Comitê de Cultura do DF integra o Programa Nacional de Comitês de Cultura, implementado pelo Ministério da Cultura em todos os estados brasileiros. No DF, a rede é composta por seis organizações: Associação Artística Mapati (AAMA), Instituto No Setor, Instituto Jovem de Expressão, Instituto Rosa dos Ventos, Mobilis e LabFaz.

“São ações que muitas vezes despertam consciência”, afirma Rança. Comitê se reúne para escuta ativa em Ceilândia

Mesmo com todo esse apoio, Rança reconhece os desafios enfrentados pela iniciativa, especialmente a resistência de setores conservadores. “Outro desafio que a gente enfrenta é o entendimento de setores muito conservadores de que programas como esse sejam programas para manter uma comunidade cultural, quando a lógica é muito diferente, ela é emancipadora”, analisa.

A coordenadora identifica nesta resistência o receio de que “as pessoas tenham uma emancipação a partir da educação e da cultura”, revelando as tensões políticas que permeiam as disputas em torno das políticas culturais.

Além disso, o DF apresenta especificidades que amplificam os desafios do projeto. “Aqui no DF a gente tem uma particularidade de termos aproximadamente 35 RAs, que em outros estados seriam considerados municípios”, observa Rança. Esta fragmentação territorial, combinada com profundas desigualdades regionais, exige estratégias adaptadas à realidade local.

Dessa forma, cada edição da Caravana é estruturada a partir do mapeamento de espaços e agentes culturais locais, realização de oficinas de formação, mentorias para produtores culturais, feiras comunitárias e saraus com artistas do território. O horário padronizado das 14h às 22h, com entrada gratuita, busca garantir acessibilidade para as comunidades.

Objetivos emancipadores

Além do fomento à produção artística, o projeto tem objetivos políticos explícitos de formação de consciência crítica. “São ações que muitas vezes despertam consciência. Na realidade é isso que nós queremos”, afirma Rança. “Para que as pessoas fiquem mais atentas, entendam os processos de participação popular e que isso seja refletido nas políticas públicas da nossa cidade e do nosso Brasil.”

A expectativa dos organizadores é que o projeto, previsto para dois anos, gere autonomia organizativa nos territórios. “Nossa expectativa é que os territórios possam continuar com autonomia, com a realização dos seus comitês territoriais locais”, projeta a coordenadora.