Crise climática escancara desigualdade e compromete a educação
Especialistas apontam que os impactos da crise climática não são apenas ambientais, mas sociais, e afetam com mais força os estudantes de escolas públicas e de periferias
Postado em 18/06/2025
Enquanto a temperatura global sobe e os eventos climáticos extremos se tornam cada vez mais frequentes, as escolas brasileiras, especialmente da rede pública, enfrentam um desafio invisibilizado: como garantir o direito à educação em meio ao caos climático. Em 2022, segundo o Censo Escolar, menos de 20% das escolas públicas no Brasil dispunham de algum sistema de climatização. Na rede privada, esse índice ultrapassa os 80%.

Essa desigualdade estrutural se acentua em regiões mais vulneráveis, como periferias urbanas e estados do Norte e Nordeste, onde os efeitos da crise climática são sentidos com mais força. “Essa população ocupou as cidades como pôde, em áreas sem infraestrutura e muitas vezes expostas a riscos. E até hoje esse processo se desenvolve. O racismo ambiental é uma expressão disso, uma forma de violência espacial que, quando não criminaliza, negligencia as áreas ocupadas majoritariamente por pessoas negras”, explica Raphael Sebba, sociólogo e ativista da justiça climática.
Pedro Henrique Pinheiro, estudante egresso de uma escola da rede pública no Guará I, revela como a falta de estrutura do seu colégio para lidar com a crise climática e as grandes ondas de calor afetavam o seu calendário escolar. “Lembro muito bem de quando estávamos em períodos de seca muito intensos. Quando davam um alerta vermelho, era quase certo que naquele dia não haveria aula, devido à superlotação das salas e à falta de ventiladores.”
Para Raphael Sebba, a adaptação das escolas é um tema recorrente, mas a maioria das iniciativas para a adaptação climática não envolve completamente a dimensão educacional. “Eu acredito que absolutamente todas as políticas públicas do país necessariamente precisam passar por uma reflexão sobre como ela se insere no contexto da emergência climática e sobre como pode contribuir para adaptação e mitigação. Nesse sentido, cada real investido em infraestrutura escolar deveria considerar essa dimensão.”
A sala de aula como zona de risco
O fenômeno das ilhas de calor, mais intenso nas periferias urbanas, onde há pouca arborização e excesso de concreto, escancara essa realidade. “Talvez o indicador mais forte de injustiça quando falamos em clima urbano seja a cobertura arbórea. Existem exceções, mas a regra é que quanto mais rica for a população de uma região, mais arborizada ela é”, diz Raphael.
Em São Paulo, um levantamento da Rede Nossa São Paulo (2023) mostrou que a diferença de temperatura entre bairros centrais e periféricos pode ultrapassar 7°C. Em salas superlotadas, sem ventilação ou sombra, o calor extremo reduz a concentração, provoca dores de cabeça e pode até causar desidratação. Isso tem impactos diretos no rendimento escolar e na evasão. Sebba ainda reforça na sua fala. “Agora se torna ainda mais fundamental para combater desigualdades e promover o pleno direito à Educação.”

Thaís Ribeiro, professora de escola da rede pública, relata sobre as queixas dos alunos nas ondas de calor no período da tarde e como as altas temperaturas são desmotivadoras e diminuem o rendimento no processo de aprendizagem. “Temos muitos desafios. O calor excessivo prejudica muito. A falta de um ar condicionado ou com o quantitativo maior de ventiladores por sala de aula. A ausência também do para-sol faz muita diferença”, relata. Pedro Henrique reforça: “Muitas salas contavam com um ou dois ventiladores de parede, que raramente funcionavam e estavam longe de ser suficientes para os 50 alunos.”
O impacto não é apenas físico, mas também simbólico. “As regiões ocupadas majoritariamente por pessoas negras tendem a receber menos atenção do poder público e menos solidariedade da sociedade em geral. Não é por acaso: o Brasil possui uma forte segregação racial que tem origens na escravização e na abolição que não assegurou reparação nem condições dignas às pessoas que estavam sendo escravizadas”, afirma Sebba. Escolas em territórios vulneráveis são muitas vezes construídas com materiais inadequados, sem acesso a saneamento ou resiliência térmica, e são as primeiras a sofrerem com enchentes, alagamentos ou deslizamentos.
A desigualdade climática também tem um recorte etário. Segundo o UNICEF, 43% das crianças e adolescentes em situação de pobreza no Brasil vivem em áreas de alto risco climático. Isso significa que milhões de estudantes têm seu direito à educação ameaçado por fatores que vão além da sala de aula, como infraestrutura precária, mobilidade comprometida por chuvas e falta de segurança. “Quando tem graves chuvas, aquelas que alagam, os alunos faltam bastante, principalmente quando é no horário de sair de casa e pegar o ônibus pra escola. No calor, eles reclamam mais, o desempenho é mais afetado e eu percebo que eles ficam mais desmotivados”, conta Thaís.
Devido à gravidade do cenário, Raphael Sebba aponta a necessidade de políticas públicas urgentes. “O primeiro passo, e o mais rápido, envolve o investimento para melhoria do desempenho térmico das edificações escolares, ou seja, deixar a escola mais preparada para o calor e para o frio. Um segundo, é assegurar devida drenagem ou absorção de água tanto na escola quanto nos seus arredores. O terceiro, é assegurar infraestrutura verde e sombreamento externo e nas áreas adjacentes às escolas.”