Desconectados da política: o que afasta os jovens do debate público
Falta de representatividade, educação política precária e fake news ajudam a explicar o fenômeno
Postado em 09/07/2025
Apesar de formarem uma das parcelas mais conectadas da população brasileira, muitos jovens seguem distantes do debate público e expressam desinteresse por política. A pesquisa Juventudes no Brasil, de 2021, coordenada pelo Observatório da Juventude na Ibero-América, aponta que 82% dos entrevistados não confiam em partidos políticos, 80% não confiam no Congresso Nacional e 69% no governo. A Presidência da República também enfrenta descrédito, com 63% de rejeição. Os dados escancaram a crise de representatividade e o sentimento de desconfiança que marcam o cenário político atual, e que parecem afastar ainda mais a juventude.
O cenário também se traduz em comportamentos concretos: 39% dos jovens entrevistados disseram que não votaram nas últimas eleições e 72% sequer conversaram sobre temas políticos. Além disso, 60% não consideram importante discutir política. Mas quais são as razões por trás desse afastamento?
Desconfiança e falta de representatividade alimentam o afastamento
A sensação de desconexão com as instituições políticas aparece como uma das principais causas. Giovanna Rocha, 23 anos, afirma não confiar nos políticos. “Para mim, todo mundo que tem um pouco de acesso ao poder pode acabar se corrompendo. Na minha cabeça, é mais fácil eles roubarem do que não roubarem”.
Ela também relata episódios de julgamento e constrangimento por causa de suas opiniões. A jovem conta sobre uma situação que passou, quando trabalhava em uma clínica de estética, apenas por ter uma opinião diferente. “No meio de uma cirurgia começaram a me fazer um monte de perguntas para ver se eu errava e mudava minha opinião”. O desconforto foi tão intenso que, em outro caso, ela chegou a pedir demissão após ser tratada de forma hostil por revelar em quem votou.

A desconfiança com a política também está ligada à falta de representatividade. Amanda Amaral, também com 23 anos, vê essa ausência como um grande obstáculo. “A gente olha para quem são os nossos parlamentares e a maioria esmagadora tem mais de 30 anos. Para um jovem hoje, é como se ele não conseguisse se imaginar fazendo parte”.
Redes sociais: uma linha tênue
As redes sociais, por outro lado, aparecem como uma via de mão dupla. São, ao mesmo tempo, uma porta de entrada e um fator de afastamento. Amanda destaca que seu interesse por política começou nas redes. “Ali em 2016, com 14 anos, eu tinha uma conta no Twitter e via debates sobre meio ambiente, mudanças climáticas, aborto… Eu via política sendo explicada de forma lúdica, com filmes e séries”.
Mas ela também reconhece o outro lado, pois considera que, apesar das redes sociais facilitarem o acesso à informação, muitas vezes essas informações são falsas. “Como os jovens estão acostumados a ver só ali, eles não querem ir a fundo, às vezes nem leem o post”.
Giovanna sente o mesmo. Ela relata que, nas últimas eleições, se sentiu pressionada e desinformada. “Começaram a espalhar muitas fake news, e também pela questão da inteligência artificial, que fazia com que não desse para saber o que era verdade ou mentira de fato”.
Esse fenômeno é confirmado por outro levantamento: a pesquisa “Influenciadores, jovens e política na América Latina”, do InternetLab, mostra que muitos jovens passaram a enxergar políticos como influenciadores digitais, o que reforça tanto a superficialidade dos debates quanto a polarização. Nomes como Jair Bolsonaro e Nikolas Ferreira aparecem entre os mais seguidos por esse público, ao lado do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Educação política e espaços de engajamento ainda são limitados
Outro fator apontado por ambas é a ausência de educação política efetiva nas escolas. Giovanna admite que sua escola quase não abordava política. “O mais próximo que eu tive foi nas aulas de história, mas nada tão efetivo e claro”. Amanda complementa com uma reflexão sobre o medo dos professores de serem acusados de ideologização. “Às vezes, o professor fica inseguro em como abordar o tema sem parecer que está passando uma ideologia. Isso também atrapalha”.
A falta de debate e de espaços de escuta também pesa. Amanda defende que política é, antes de tudo, “ouvir o outro lado, entender a dor do outro”. Para ela, a escola e a universidade são lugares fundamentais para essa construção. Foi na faculdade e em coletivos como o Jovens Pelo Clima que ela encontrou um ambiente de engajamento. “É um espaço de troca, de conexão com outros jovens que estão alinhados no mesmo objetivo”.
Ainda assim, o acesso a esses espaços segue desigual. A própria Amanda afirma que muitos jovens não se sentem parte de ambientes de debate por medo, insegurança e por não se verem representados. “Falta representação, falta segurança nas redes sociais, e falta também iniciativas governamentais que aproximem os jovens da política”, diz.
Amanda resume o sentimento de muitos de sua geração. “O jovem não se sente otimista em relação ao futuro da política. É como se os políticos de hoje não fossem viver o que nós vamos viver. Dá uma sensação de injustiça, de que a gente não pode fazer nada, porque o futuro está sendo decidido por quem não vai estar aqui”.
E quando ouve alguém dizer que “política não é para mim”, ela responde com convicção: “Política é tudo. A forma como a gente conversa, como expressa opinião, o que a gente quer para o nosso futuro, tudo é político”.

Apesar dos obstáculos, dados do Tribunal Superior Eleitoral mostram que, em 2022, mais de dois milhões de jovens de 16 a 18 anos se cadastraram para votar, um aumento de 47,2% em relação a 2018. No entanto, o número representa apenas uma reversão parcial de uma queda de 82% no alistamento juvenil ocorrida ao longo da última década.
O dado é promissor, mas o desafio ainda está longe de ser superado: recuperar a confiança, garantir acesso à informação de qualidade e criar espaços seguros de participação são passos significativos para trazer os jovens de volta ao centro do debate.