Exposição de dados é parte inevitável do cotidiano online

Entenda como a pegada digital afeta a privacidade online dos usuários

Eduarda Carvalho

Postado em 28/05/2025

Na era digital, a exposição de dados pessoais tornou-se parte inevitável da rotina online e com ela crescem os riscos à privacidade. Segundo a pesquisa TIC Kids Online 2024, 83% das crianças e adolescentes brasileiros entre 9 e 17 anos têm perfis ativos em redes sociais como WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube. Ainda assim, um levantamento do Unico ID revelou que um terço desses perfis são totalmente abertos, expondo fotos, nomes e rotinas a qualquer pessoa na internet.

O cenário acende um alerta crescente entre pais, educadores e especialistas em segurança digital, que demonstram preocupação com a forma cada vez mais precoce e desprotegida com que crianças e adolescentes usam as redes sociais.

O estudo “Crianças e Redes Sociais” realizado pela empresa de tecnologia Unico em parceria com o Instituto Locomotiva, publicado em janeiro de 2025, aponta que 61% dos jovens compartilham imagens pessoais e informações sobre familiares, enquanto 47% não controlam quem pode segui-los ou visualizar seus conteúdos. Em paralelo, uma pesquisa do Instituto Alana mostra que 90% dos brasileiros acreditam que as redes sociais falham na proteção desse público.

Mesmo com esse panorama alarmante, 73% dos pais e mães afirmam não saber como proteger os dados dos próprios filhos nas redes. A maioria, 89%, acredita estar fazendo o suficiente.

O rastro invisível que deixamos online

A pegada digital é composta por todos os rastros que deixamos ao navegar na internet, sejam postagens públicas, interações em redes sociais ou até dados invisíveis capturados por sistemas automatizados. “São marcas que indicam quem chegou em um site, de onde veio, que links acessou, quais comportamentos teve”, explica Hernany Rocha, professor de criptografia há 13 anos do Centro Universitário IESB.

Lucas Rafael, CEO da empresa de tecnologia Solutions3, empresa de tecnologia e inteligência artificial para empresas, complementa: “Ela se forma de maneira tão natural que muitas vezes nem percebemos: um clique, um like, um cadastro…tudo vai compondo quem somos no mundo digital”.

Até nas interações mais simples com a tecnologia, o usuário deixa pistas que ajudam a compor sua identidade online. Reprodução: Immo Wegmann/Unsplash

Navegar de forma totalmente anônima ainda é uma exceção, mesmo com o avanço das tecnologias. “É possível, mas não é muito comum as pessoas adotarem essa postura. O próprio navegador da Internet possui a possibilidade de navegação anônima, descartando após os acessos quaisquer vestígios de navegação deixados ali”, explica Hernany.

O professor acrescenta que também existem ferramentas capazes de bloquear a coleta de dados de navegação e dificultar o rastreamento de informações do usuário. “Há ainda softwares de VPN (redes privadas virtuais) que podem ocultar a origem da conexão, tornando mais difícil identificar quem realmente acessou determinados links”, aponta.

Apesar dessas opções, os riscos continuam sendo altos, como o favorecimento da prática de crimes. “Basta um conjunto de informações pessoais para que alguém tente abrir uma conta em um banco digital e tente fazer empréstimos em nome de outra pessoa”, alerta o docente. Ele também aponta que a divulgação de dados pode expor o usuário a perseguições, como no caso de stalking, extorsões, difamações e até à criação de informações falsas, que podem ser utilizadas para cometer crimes ou obter recursos financeiros de forma ilícita.

Conhecimento como proteção online

Entre as práticas recomendadas, o acadêmico destaca o uso de senhas fortes e únicas, autenticação em dois fatores, atualização frequente de softwares e cautela ao clicar em links suspeitos ou compartilhar informações. “A educação digital é fundamental. Conhecer para adotar”, afirma.

Para Lucas Rafael a educação digital é a nossa linha de defesa. “Se a gente ensina desde cedo o valor dos dados e os riscos, a pessoa cresce mais crítica e menos vulnerável à exposição”.

Apesar de terem nascido em meio à era digital, os jovens da geração Z nem sempre adotam hábitos seguros na internet. “Eles têm desconfiança, mas muitas vezes não transformam isso em ação. Informam onde estão, com quem, quanto gastaram… informações que podem ser usadas por criminosos”, destaca Hernany.

Ao usar a digital para acessar o celular, o usuário garante segurança, mas também alimenta sistemas com informações pessoais valiosas. Reprodução: Lukenn Sabellano/Unsplash

Outro aspecto crítico são as políticas de privacidade, frequentemente ignoradas por muitos usuários, mas que determinam como os dados serão coletados, armazenados e utilizados. Segundo uma pesquisa da Luzia, plataforma de Inteligência Artificial no WhatsApp, 81% dos jovens brasileiros afirmaram ter deixado de usar certos aplicativos por não confiarem na forma como suas informações pessoais são tratadas.

A inteligência artificial também entra nesse cenário como fator de risco. “Hoje temos mais riscos do que proteção. Ferramentas como deep fake já são usadas para fraudar autenticação facial e abrir contas falsas”, adverte o educador.

Limites e punições no uso de dados

No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), em vigor desde 2020, garante aos cidadãos o direito de acessar, corrigir, excluir e transferir seus dados, além da possibilidade de revogar consentimentos dados anteriormente. “Se você sente que perdeu o controle dos seus dados, a lei fornece ferramentas para reagir”, explica Lucas Karam, professor e advogado especialista em direito digital.

No caso de vazamentos ou uso abusivo, o cidadão pode comunicar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e também buscar reparação judicial. “Se a exposição ocorreu por meio de um crime cibernético – por exemplo, se um hacker invadiu seu computador ou conta, é importante registrar boletim de ocorrência, pois invasões de dispositivo e roubo de dados são crimes previstos em lei ”, completa o advogado.

Manter os dados pessoais seguros vai além de senhas fortes, depende de atitudes conscientes e de políticas públicas voltadas à proteção da pegada digital. Reprodução: FlyD/Unsplash

Para crianças e adolescentes, as exigências são ainda mais rígidas. “Qualquer tratamento de dados de crianças deve ocorrer no melhor interesse do menor”, afirma Karam. A LGPD exige consentimento específico de pelo menos um dos pais, e as plataformas digitais devem implementar controles como verificação de idade, uso de linguagem clara e mecanismos de proteção contra riscos.

A diferença entre uma simples exposição e um crime cibernético, segundo o advogado, está na ilicitude e na intencionalidade da conduta. “Uma ‘simples exposição digital’ ocorre quando alguém tem informações pessoais divulgadas na internet, mas sem que haja necessariamente um crime tipificado. Pode ser resultado de imprudência ou falhas de segurança não intencionais. Já um crime cibernético envolve uma ação contrária à lei penal no meio digital, ou seja, a pessoa responsável comete um ato definido pela legislação como crime”, afirma Karam.

Casos como o da atriz Carolina Dieckmann, que teve fotos íntimas vazadas em 2011, impulsionaram a criação da Lei nº 12.737/2012, que passou a tipificar crimes cibernéticos no Brasil. “Hoje existe respaldo jurídico claro para responsabilizar plataformas por vazamentos ou uso indevido de dados”, reforça Lucas Karam. “A LGPD oferece, sim, ferramentas robustas para proteger os usuários — mas é preciso que a sociedade, as empresas e as autoridades façam sua parte”.