Professores enfrentam desafios para inclusão de alunos neurodivergentes

O número de estudantes com TEA na rede pública cresceu 50% em um ano, mas 60% dos professores relatam não ter recebido capacitação específica para atender esses alunos.

Ana Cláudia Botelho de Lima

Postado em 09/04/2025

A inclusão de crianças com autismo na rede regular de ensino ainda enfrenta desafios, que vão desde a formação de professores até o suporte adequado em sala de aula. (Crédito: Freepik)

A inclusão de alunos neurodivergentes nas escolas brasileiras tem avançado nos últimos anos, mas ainda enfrenta desafios significativos. Dados do Censo Escolar de 2023 mostram que o número de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculados na rede pública cresceu 50% em apenas um ano, atingindo cerca de 240 mil alunos. Apesar desse avanço, especialistas apontam que a formação dos professores não acompanha essa demanda. Segundo uma pesquisa da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), 60% dos docentes relataram que não receberam capacitação específica para lidar com alunos com necessidades especiais, deixando muitos sem preparo para entender e atender às necessidades desses estudantes.

Além da falta de capacitação, a ausência de suporte pedagógico adequado e de infraestrutura especializada também compromete o processo de inclusão. Apenas 27% das escolas públicas possuem salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE), segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2024. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) em 2022 revelou que 52% dos professores consideram a falta de recursos pedagógicos como a principal barreira para a inclusão de alunos com deficiência nas escolas. Essa realidade sobrecarrega os docentes e dificulta a adaptação das práticas pedagógicas, tornando a inclusão um desafio diário dentro das salas de aula.

Formação deficiente e aprendizado na prática

Karen Karollyne Rezende Barbosa, coordenadora administrativo-financeira do Colégio Estadual da Polícia Militar de Goiás – Fernando Pessoa (CEPMG – Fernando Pessoa), aponta que muitos professores iniciam a carreira sem a preparação necessária para lidar com alunos neurodivergentes. “Os professores geralmente chegam sem essa habilidade e vão adquirindo na prática, no dia a dia”, relata. A pesquisa “Educação Inclusiva no Brasil: Realidade e Desafios”, realizada pela Universidade de São Paulo (USP) em 2023, aponta que 45% dos professores de escolas públicas e privadas afirmam que, apesar de terem tido alguma formação inicial, esta não foi suficiente para prepará-los para as exigências do ensino inclusivo. Para suprir essa lacuna, a escola onde atua oferece cursos preparatórios duas vezes por ano, mas a realidade da sala de aula ainda exige ajustes constantes.

Além da capacitação, a infraestrutura inadequada também compromete a inclusão. “A maior dificuldade é a falta de materiais adaptados e de salas adequadas para acolher os alunos de acordo com a necessidade de cada um”, explica Karen. A pesquisa do Instituto Rodrigo Mendes mostra que 58% das escolas brasileiras não possuem nenhum recurso pedagógico específico para atender alunos neurodivergentes, o que torna o trabalho dos professores ainda mais desafiador.

Outro ponto crítico é a falta de apoio especializado dentro das escolas. Segundo Karen, a presença de mediadores e professores auxiliares poderia transformar o cenário da inclusão. “O professor é um pouco esquecido nesse processo e precisa ter mais suporte, como materiais adaptados e espaços adequados para os alunos”, destaca. A ausência desse suporte sobrecarrega os docentes e compromete a individualização do ensino.

Para que a inclusão seja efetiva, Karen também destaca que a parceria entre escola e família é essencial para o sucesso do processo. “O envolvimento da família faz toda a diferença. Quando os pais participam ativamente, entendem as necessidades dos filhos e colaboram com a escola, conseguimos desenvolver estratégias mais eficazes para o aprendizado”, afirma. Na escola onde atua, que já conta com sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e estrutura voltada para o acolhimento de alunos neurodivergentes, ela observa os impactos positivos desse suporte. “Toda escola deveria ter uma sala de AEE, pois esse apoio é muito importante para os alunos e seus familiares”, destaca. A construção de um ensino realmente inclusivo exige investimento, formação continuada e suporte adequado para os professores – afinal, são eles que tornam a inclusão uma realidade dentro da sala de aula.

A realidade da sala de aula: adaptação constante

Atividades lúdicas favorecem o desenvolvimento cognitivo e social de crianças neurodivergentes e fortalecem práticas de inclusão nas escolas. (Crédito: Ron Lach/Pexels)

A professora Andreia de Almeida, que leciona inglês para turmas do Ensino Fundamental 1, também sente na prática os desafios da inclusão. Com 25 anos de experiência no ensino de idiomas, ela já passou por diversas instituições privadas, mas nunca encontrou treinamentos voltados à inclusão. “Nenhuma dessas escolas tem treinamento ou formação adequada para esses alunos, o que nos faz, professores, buscar na prática uma melhor forma de tratamento”, afirma.

Na escola onde trabalha atualmente, o impacto da inclusão é ainda mais evidente. “Na escola onde leciono, o número de alunos de inclusão chega a 30% do total, fazendo-se necessária a adaptação de todas as atividades de inglês”, explica. Essa adaptação inclui mudanças na metodologia, no uso de materiais visuais e no ritmo das aulas, exigindo um esforço contínuo dos docentes. Segundo um levantamento do Instituto Rodrigo Mendes, 67% dos professores afirmam que precisam criar estratégias próprias para atender alunos neurodivergentes, devido à ausência de diretrizes claras dentro das escolas.

Mesmo sem formação específica, Andreia percebe avanços quando adapta suas aulas para atender melhor os alunos neurodivergentes. “A inclusão exige paciência e criatividade. Quando conseguimos adaptar o ensino para cada necessidade, os alunos aprendem e se sentem mais seguros”, afirma. Essa busca por soluções individuais reflete a realidade de muitos professores que, sem treinamento formal, desenvolvem suas próprias estratégias para garantir a participação de todos na sala de aula.

A professora Carolina Mendes, especialista em Educação Especial e atuante na rede pública há mais de dez anos, confirma que a adaptação é um processo contínuo. Atuando com turmas desde o Ensino Fundamental 2 até o Ensino Médio, ela observa de perto os desafios cotidianos da inclusão. “Cada aluno tem necessidades únicas, e não há uma fórmula pronta. Precisamos entender o perfil da turma e ajustar nossas estratégias constantemente”, explica. Ela destaca que, mesmo com formação especializada, o suporte institucional é essencial. “Ter um profissional de apoio na sala pode fazer toda a diferença, especialmente para alunos que precisam de um acompanhamento mais próximo”, acrescenta.

Para Carolina, a falta de formação específica dos professores ainda é uma barreira para a inclusão efetiva. “Muitos colegas não têm conhecimento sobre transtornos do neurodesenvolvimento e acabam reproduzindo práticas inadequadas sem perceber”, comenta. Segundo um levantamento da Fundação Lemann, 72% dos professores brasileiros dizem sentir dificuldade em ensinar alunos com necessidades especiais devido à falta de preparo. “A inclusão não pode ser só uma diretriz no papel, precisa ser acompanhada de capacitação e suporte real para os professores”, conclui.

A visão de um neuropediatra sobre a inclusão escolar

Charlington Cavalcante é neuropediatra com uma formação que inclui residências em Pediatria, Neurologia Infantil e Neurofisiologia Clínica, além de um mestrado em Ciências Médicas e tem uma visão ampla sobre a importância da inclusão escolar para alunos neurodivergentes. Para ele, as condições como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) afetam diretamente a aprendizagem dessas crianças, mas é possível criar estratégias para garantir um desenvolvimento acadêmico positivo. Ele acredita que, mesmo com dificuldades, essas crianças têm imenso potencial. “A inclusão de alunos neurodivergentes depende muito da capacitação dos professores, que precisam estar preparados para adaptar suas metodologias e criar um ambiente favorável ao aprendizado”, destaca Charlington.

Adaptações pedagógicas e diagnóstico precoce são fundamentais para o aprendizado de crianças com TDAH, TEA e outros transtornos do neurodesenvolvimento, declara o neuropediatra Charlington Cavalcante. (Crédito: Matheus Campos)

De acordo com o especialista, os impactos no aprendizado variam conforme o transtorno. No caso do TEA, as dificuldades são mais evidentes nas interações sociais, na comunicação e no comportamento, o que pode gerar desafios no ambiente escolar. Já no TDAH, o que mais dificulta o aprendizado são o déficit de atenção, a hiperatividade e a impulsividade. “Mesmo quando a inteligência é preservada, essas alterações podem comprometer a aprendizagem. Por isso, adaptações pedagógicas são essenciais para garantir o sucesso escolar dos alunos neurodivergentes”, explica. Ele enfatiza que essas adaptações devem ser feitas com cuidado para não infantilizar o aluno ou torná-lo dependente de medidas que o excluam da rotina da turma. “O ideal é criar um ambiente que respeite as diferenças, mas que também incentive o desenvolvimento da autonomia e da socialização”, pontua.

Além disso, Charlington acredita que a verdadeira inclusão escolar não se dá apenas pela adaptação dos conteúdos, mas pela compreensão dos professores e pela eliminação do capacitismo e da estigmatização. “Muitas vezes, as dificuldades desses alunos são mal interpretadas. Crianças com TDAH, por exemplo, podem ser vistas como desinteressadas ou indisciplinadas, quando na verdade precisam de estratégias diferentes para manter o foco”, ressalta. Para ele, as mudanças necessárias nas escolas vão desde pequenos ajustes, como a organização da sala de aula, até adaptações mais profundas, como ajustes curriculares, caso os recursos pedagógicos iniciais não sejam suficientes. “A inclusão deve ser garantida sempre que possível, e apenas em casos muito específicos deve-se considerar o sistema de ensino especial”, conclui.

O papel da legislação na inclusão escolar

Com uma trajetória iniciada em 2009 como professor da rede pública, o deputado distrital Gabriel Magno tem acompanhado de perto os desafios da educação inclusiva. Para ele, a falta de adaptação curricular, a ausência de profissionais capacitados e a escassez de recursos de acessibilidade são alguns dos principais obstáculos enfrentados no ensino básico. “Temos muitas leis e diretrizes, mas o cumprimento efetivo delas ainda é um desafio. Precisamos que as escolas adotem uma abordagem ativa para capacitar professores e assegurar que os alunos neurodivergentes tenham todo o suporte necessário para seu aprendizado”, explica.

No âmbito legislativo, Magno destaca que a Comissão de Educação, Saúde e Cultura tem buscado não apenas aprovar novas leis, mas também fiscalizar a implementação das políticas já existentes. “Embora já exista uma base legal robusta, novas propostas ajudam a manter a pauta da inclusão em evidência e pressionam as instituições a cumprirem o que já é direito”, afirma. Para ele, a capacitação contínua dos docentes é um dos fatores essenciais para garantir um ambiente escolar verdadeiramente inclusivo.

Além disso, o deputado reforça que a atuação do poder público na fiscalização é fundamental para garantir que as normas de acessibilidade sejam cumpridas. “As leis precisam sair do papel. É necessário um acompanhamento efetivo para que as escolas, sejam elas públicas ou privadas, ofereçam o suporte necessário aos estudantes”, destaca. Ele defende que, sem um investimento constante em formação docente e infraestrutura, a inclusão continuará sendo apenas um ideal distante para muitas instituições.