Anvisa libera novo medicamento que pode retardar sintomas do Alzheimer
Kisunla age sobre as placas de beta-amiloide no cérebro e mostrou reduzir em até 35% a progressão da doença em estágios iniciais
Postado em 28/05/2025

(Foto: Eli Lilly and Company via AP)
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em abril, o uso do medicamento Kisunla (donanemabe) no Brasil. Trata-se de um anticorpo monoclonal que atua diretamente sobre as placas de beta-amiloide formadas no cérebro de pessoas com Alzheimer. Essa substância se acumula entre os neurônios e compromete o funcionamento cerebral, afetando a memória e a realização de tarefas simples do cotidiano. Embora represente um avanço promissor, médicos ressaltam que a nova medicação não é uma cura para a doença — e sim uma terapia que busca retardar a progressão dos sintomas nos estágios iniciais.
Segundo o Relatório Nacional sobre a Demência, divulgado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2024, cerca de 8,5% da população brasileira com 60 anos ou mais convive com algum tipo de demência, o que representa aproximadamente 2,71 milhões de pessoas. Desse total, cerca de 70% dos casos estão associados à doença de Alzheimer. A projeção é que esse número chegue a 5,6 milhões até 2050, o que reforça a urgência de políticas públicas e inovações no tratamento.
O neurologista e diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz-DF), Arthur Jatobá, explica que ele funciona como uma espécie de “ímã limpador”. “Ele ensina o sistema imunológico a reconhecer e retirar as proteínas acumuladas que atrapalham o funcionamento dos neurônios”, explica.
Jatobá também destaca que o Alzheimer é uma doença degenerativa, que causa a morte progressiva dos neurônios. “No cérebro dos pacientes, vemos a presença da proteína beta-amiloide se ligando aos neurônios e atrapalhando sua comunicação. Isso interfere diretamente na memória e nas habilidades do dia a dia. Outra proteína associada à doença é a tau, que também tem papel importante nesse processo de degeneração”, completa.
Avanços
Um estudo clínico de fase 3, publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA), acompanhou 1.736 pessoas com Alzheimer em estágio inicial. Os dados indicam que o donanemabe pode reduzir em até 35% a progressão da doença em pacientes com níveis baixos a moderados da proteína tau — uma das substâncias que mais danifica os neurônios e interrompe sua comunicação.
Durante os testes, financiados pela farmacêutica Eli Lilly and Company, os indivíduos que receberam o medicamento apresentaram uma redução de seis pontos na escala iADRS (Alzheimer’s Disease Rating Scale), que mede cognição e funcionalidade. Enquanto o grupo que tomou placebo teve uma queda de nove pontos. Além disso, cerca de 75% dos pacientes que usaram o medicamento tiveram eliminação ou significativa redução das placas amiloides após 76 semanas de tratamento.
Outro dado é que o uso do remédio reduziu o risco de progressão da doença para um estágio clínico mais avançado em até 39%.
Para a geriatra Priscilla Mussi, coordenadora de Geriatria do Hospital Santa Lúcia, essa aprovação inaugura uma nova geração de terapias contra o Alzheimer. “É o primeiro medicamento que ensina o sistema imunológico a retirar os depósitos de amiloide do cérebro. Isso muda a forma como tratamos a doença”, afirma.
Apesar do avanço, Priscilla destaca que o diagnóstico precoce continua sendo um dos principais desafios. “Muitas famílias ainda acham que o esquecimento faz parte do envelhecimento e só buscam ajuda quando os sintomas já estão avançados. Precisamos educar a população de que esquecer o que já foi aprendido ao longo da vida não é normal e merece investigação”, diz.
Expectativa
A notícia acendeu uma chama de esperança na casa da aposentada Lúcia Menezes, 69 anos, moradora de Santa Maria. Há pouco mais de um ano, ela recebeu o diagnóstico de Alzheimer em estágio inicial. Desde então, sua filha, Carolina Menezes, 39, tem se desdobrado para acompanhar o tratamento da mãe e buscar formas de preservar sua autonomia pelo maior tempo possível.
“Ela sempre foi muito ativa, fazia palavras-cruzadas todo dia, e de repente começou a esquecer nomes, compromissos, receitas que fazia de cabeça. No começo, achamos que era da idade, mas os lapsos aumentaram”, conta Carolina.
Ela ainda acrescenta que o medicamento é uma espécie de alívio para as famílias. “Saber que existe algo que pode retardar a progressão é como ter um pouco mais de tempo. Tempo com ela lúcida, lembrando quem somos, participando da vida. Vamos ver como vai ser isso”, desabafa.

(Foto: FreePik)
Desafios
O custo do medicamento é outro desafio, principalmente para sua entrada na rede pública. “É o mesmo problema que temos com as terapias para o câncer. Mas, se colocarmos na balança o quanto o Alzheimer custa para o sistema público e para os familiares que deixam de trabalhar para cuidar de um idoso demenciado, o investimento na medicação faz sentido. Sempre vamos torcer para que ela chegue ao maior número de pessoas possível”, defende a médica.
Os principais efeitos colaterais associados a ele são dores de cabeça, inchaço ou micro-hemorragias no cérebro, além de reações relacionadas à infusão — que podem causar febre e sintomas semelhantes aos da gripe — e anormalidades relacionadas à proteína amiloide, conhecidas pela sigla ARIA (Amyloid-Related Imaging Abnormalities). Segundo os estudos, 82,4% das reações adversas foram leves ou detectadas apenas por exames, sem provocar sintomas.
A medicação já pode ser distribuída e utilizada no Brasil, dentro das indicações aprovadas pela Anvisa. Ela não deve ser utilizada por pacientes em uso de anticoagulantes (como varfarina) ou que apresentem angiopatia amiloide cerebral identificada em ressonância, já que, nesses casos, os riscos superam os benefícios.
A aplicação é feita por infusão intravenosa. Cada frasco contém 20 mL, com 350 mg da substância ativa. A dose recomendada é de 700 mg a cada quatro semanas nas três primeiras doses, seguida de 1.400 mg mensais até a eliminação das placas amiloides, ou por até 18 meses, caso não seja possível acompanhar a resposta ao tratamento.